quarta-feira, julho 09, 2025

Prévio conceito

     Falava sozinha rua acima, como se mastigasse palavras, como se ruminasse ideias esquecidas. O aspecto de "maluca como o caraças" ninguém lho tirava. Lá vinha ela. Não me pareceu desleixada, quando nos cruzámos não persistiu na atmosfera nenhum fedor particular, era aquela cena, aquela ladainha a martelar, juntamente com os passos sublinhados a salto alto na calçada. Na verdade nada me garantia que se tratasse de uma maluca. Nada, além do meu preconceito.

    O preconceito é uma espinha que não conseguimos desencravar da garganta, é uma pedra no sapato que não descalçamos nem por nada, é um fantasma hediondo a assombrar-nos a mioleira e que não conseguimos espantar nem à força de mil "cabrão" nem dez mil "filho-da-puta". O preconceito é mesmo fodido.

    A última esperança reside na nossa capacidade de percebermos o preconceito que nos infecta. Não nos livramos dele mas saber que nos desorienta, estarmos conscientes de que o trazemos dentro de nós, é coisa que transporta consigo algum alívio. 

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