sábado, junho 25, 2022

Ser como o caranguejo

    "Quem anda pra trás é o caranguejo", diziam-me quando eu era pequeno. Penso que fosse uma forma de incentivar a criançada a pensar no futuro como sendo algo que se procura e não algo a que se regressa. Talvez, não posso afirmá-lo com certeza.

    E tenho vivido a minha vida a imaginar que as coisas são assim, que a construção da sociedade é sempre prá frente que "prá frente é que é o caminho"! Esta sensação de evolução irreversível estaria decerto relacionada com o facto de ter vivido o tempo da Revolução, que aconteceu tinha eu 11 anos de idade. Sair de uma sociedade salazarista, sufocada no seu próprio vómito, para entrar num processo revolucionário que haveria de culminar com a adesão à União Europeia, deu-me a impressão de pertencer a uma sociedade que se deslocava convictamente em direcção a um amanhã cantor. Engano.

    2022 tem sido um annus horribilis para o sonho democrático. Da invasão do Capitólio à invasão da Ucrânia, os sinais de alerta para um maremoto que poderá levar tudo à frente são alarmantes. Para Putin, Trump e Xi Jinping, nomeando apenas os demónios maiores deste inferno, é como se o episódio do Dilúvio fosse mesmo um facto histórico (Bolsonaro nunca duvidou), daqueles que se repetem, a História a andar pra trás, como o tal caranguejo. Os ditadores anseiam por um maremoto que ponha fim a essa coisa que designam por Democracia, lavando o mundo todo, deixando-o virgem para que nele se institua uma Nova Ordem, assente em regimes autocráticos, governados por homens (nunca mulheres!) providenciais, alguns deles cumprindo mesmo uma missão que lhes foi confiada directamente por Deus.

    Temos assistido a um sem número de sinais que nos alertam para a possibilidade de uma angustiante regressão civilizacional. Há, no entanto, milhões de pessoas que apoiam esse passeio ao jeito do caranguejo, em direcção ao precipício do passado. Tal com Hitler ou Mussolini também Putin, Trump e outros monstros, que não têm mais que fazer que não seja o exercício da sua monstruosidade, são levados por ondas de loucura popular até aos cadeirões do poder .

    Vivemos tempos perigosos para as minorias, para as mulheres e para todos os que não vergam a mola perante a brutalidade dos chefes. O povo quer, o povo tem o caranguejo. Haja saúde económica!

    

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