Ouço-as falar atrás de mim. "Olá, bom dia..." "Como estás? Estás boazinha?" "Sim, graças a Deus, vou andando. Obrigada" "Tem de ser." "Pois é." "Então até mais logo." "Até mais logo". E certamente se separaram, andando cada uma para o seu lado, cada uma em direcção ao resto da sua vida. Nós, os animais, somos assim.
É como se as nossas vidas fossem uma espécie de extenso rosário e cada dia uma conta que seguramos entre os dedos enquanto vamos debitando lugares-comuns à medida que o vamos vivendo.
As vozes atrás de mim soaram fatigadas, sem brilho, vozes que pareciam afogar-se num pequeno lago de angústias e as suas portadoras tivessem desistido de esbracejar, desistido de sonhar qualquer diferente que possa acontecer no dia de amanhã.
O tom da lamúria soara um pouco teatral. A humildade parecera-me fingida, como se estivessem a representar para um deus mesquinho que invejasse a felicidade das suas criaturas, receando atraiçoar algum sentimento de alegria que transportassem no peito. Fizeram-me lembrar as velhas beatas que conheci na minha infância.
Não vi as pessoas que falaram. As vozes eram evidentemente femininas mas não lhes vi as caras nem os corpos. Imagino-as estereotipadas, tal como as suas palavras, vazias de intenção. Decerto parecerei presunçoso mas isso não me incomoda. Não receio aqueles deuses invejosos nem aqueloutros, severos de tão puritanos.
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