segunda-feira, junho 27, 2022

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     Talvez receasse falar demais, talvez sentisse que os seus temas preferidos, aqueles a que não conseguia fugir, fossem incomodativos para as pessoas. Pessoas mais interessadas em absorver os raios solares ou largar as suas preocupações em palavras que eram bolinhas de sabão levadas pelo vento.

    Talvez sorrisse com aquela boca como um melão a que tivessem aberto e tirado uma talhada, aquele sorriso falso iluminado pelos olhos azuis, inexpressivos, olhos quase transparentes. As pessoas falavam, bolinhas rodopiavam pelo ar que rebentavam silenciosamente quando tocavam as paredes da casa, a mesa, os copos, os talheres, quando tocavam os objectos.

    Tudo aquilo lhe provocava uma ligeiríssima indisposição, como se quisesse cagar e não conseguisse fazê-lo. Desviou o olhar que fixara na janela vazia. Levantou-se, desejou a todos que tivessem um resto de boa-noite e ausentou-se sem que lhe ouvissem os pés a bater no chão; saiu de cena como se deslizasse um palmo acima do soalho, levitando.

    O vampiro

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