"Quem anda pra trás é o
caranguejo", diziam-me quando eu era pequeno. Penso que fosse uma forma
de incentivar a criançada a pensar no futuro como sendo algo que se
procura e não algo a que se regressa. Talvez, não posso afirmá-lo com
certeza.
E tenho
vivido a minha vida a imaginar que as coisas são assim, que a construção
da sociedade é sempre prá frente que "prá frente é que é o caminho"! Esta sensação de evolução
irreversível estaria decerto relacionada com o facto de ter vivido o
tempo da Revolução, que aconteceu tinha eu 11 anos de idade. Sair de uma
sociedade salazarista, sufocada no seu próprio vómito, para entrar num
processo revolucionário que haveria de culminar com a adesão à União
Europeia, deu-me a impressão de pertencer a uma sociedade que se
deslocava convictamente em direcção a um amanhã cantor. Engano.
2022 tem sido um annus horribilis
para o sonho democrático. Da invasão do Capitólio à invasão da Ucrânia,
os sinais de alerta para um maremoto que poderá levar tudo à frente são
alarmantes. Para Putin, Trump e Xi Jinping, nomeando apenas os demónios
maiores deste inferno, é como se o episódio do Dilúvio fosse mesmo um
facto histórico (Bolsonaro nunca duvidou), daqueles que se repetem, a
História a andar pra trás, como o tal caranguejo. Os ditadores anseiam
por um maremoto que ponha fim a essa coisa que designam por Democracia,
lavando o mundo todo, deixando-o virgem para que nele se institua uma
Nova Ordem, assente em regimes autocráticos, governados por homens
(nunca mulheres!) providenciais, alguns deles cumprindo mesmo uma missão
que lhes foi confiada directamente por Deus.
Temos
assistido a um sem número de sinais que nos alertam para a
possibilidade de uma angustiante regressão civilizacional. Há, no
entanto, milhões de pessoas que apoiam esse passeio ao jeito do
caranguejo, em direcção ao precipício do passado. Tal com Hitler ou
Mussolini também Putin, Trump e outros monstros, que não têm mais que
fazer que não seja o exercício da sua monstruosidade, são levados por ondas de
loucura popular até aos cadeirões do poder .
Vivemos tempos perigosos para as minorias, para as mulheres e para todos os
que não vergam a mola perante a brutalidade dos chefes. O povo quer, o
povo tem o caranguejo. Haja saúde económica!