terça-feira, agosto 26, 2025

Sono

     As coisas pareciam-lhe estragadas, como se a vida tivesse prazo de validade, tal qual as ervilhas enlatadas ou os iogurtes. O próprio acto de respirar o incomodava como se não fosse natural. Estava demasiado consciente. 

    Já tinha compreendido havia bastante tempo uma verdade básica: que a consciência é uma arma de auto-destruição demolidora. Descodificar com exactidão os mais ínfimos sinais emanados pelo mundo que nos rodeia leva qualquer ser humano às portas da loucura mais rapidamente do que arde um fósforo. Talvez por isso seja dos pobres de espírito o reino dos céus.

    Virou-se para o outro lado ajeitando a cabeça na almofada. Esperava o sono pois sabia que quando ele viesse seria como se morresse. A noite levá-lo-ia. Estaria de regresso pela manhã, talvez revigorado, talvez esquecido, talvez livre de pensamentos deprimentes.

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