"Que dia magnífico!" nem o ruído da moto, lá em baixo na rua, foi capaz de incomodá-lo. "Que dia magnífico." Continuou a dizê-lo de si para si tentando convencer-se de que aquele dia seria, de facto, um dia magnífico.
A leve sensação de euforia que o animava equilibrava-se-lhe no cocuruto da alma, não tão firmemente quanto gostaria. Estava lá no alto mas parecia poder cair ao mínimo abanão, parecia depender dos gestos que pudesse fazer; um movimento brusco, um pensamento ao lado e... puf, lá se iria o bem-estar levando consigo o "dia magnífico". Resolveu manter-se quieto como um rato quando tem a sensação de haver gato por perto.
O tempo passou, passaram horas,e ele ali, quieto, a sustentar a alegria que pressentira mas da qual ainda não fora capaz de usufruir. O "dia magnífico" ia avançando montado nos ponteiros do relógio que lhe parecia sorrir lá da parede e ele, suspenso na possibilidade de estragar a beleza da coisa, ele nada. Parado.
"Que dia magnífico?" a dúvida instalara-se. Já o céu ia mudando de cor lá depois da janela, o relógio dera várias voltas aos ponteiros e ele sempre ali sentado, o rabo a incomodá-lo, o desconforto a impor-lhe a dúvida acerca da magnificência daquele dia que se preparava para acabar.
Finalmente levantou-se (tinha de ir mijar). Foi quando aquela sensação de euforia, já há muito transmutada numa leve angústia, se despenhou lá do topo da alma onde a mantivera em precário equilíbrio ao longo de todo o santo dia. Ao aliviar a bexiga apercebeu-se que, afinal, aquele dia não tivera nada de magnífico mas isso não o incomodou. Afinal de contas também não se passara nada.
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