quinta-feira, setembro 08, 2022

Brutesco

            (O texto que se segue é o texto de apresentação da exposição de desenho que vou inaugurar mais logo às 21 horas na Galeria Imargem, em Almada.)

            BRUTESCO

Naquele ano dava eu aulas de História da Arte a uma turma do ensino secundário na Anselmo de Andrade, ali mesmo em baixo, atrás da bomba de gasolina, do outro lado da avenida. Na resposta a uma questão relacionada com os capitéis românicos de certas catedrais e igrejas da Idade Média, uma aluna (lembro-me que foi uma rapariga) respondeu num teste que “a escultura Românica é brutesca”. Ultrapassado o estupor inicial fiquei maravilhado.

Quando desenho sei que penso nos tais relevos românicos, no brutal preto e branco de Muñoz e Sampayo, na voz planante de Lou Reed, nas iluminuras do Apocalipse do Lorvão, na lata incontrolável de Picasso, no delírio grotesco de Bosch, na poesia punk dos Clash, na inventividade camaleónica de Bowie, na escrita de Stanislaw Lem, na aspereza de Paula Rego, nas portas de William Blake, nos corredores obscuros dos Pop Dell’arte, no traço desengonçado de Joan Sfar, na ausência de estilo de Max Ernst, nas manchas de Goya, nos fantasmas de Goya, em Goya…

É na hibridização anárquica de milhentas influências e infindáveis acasos que nascem os meus desenhos. Os meus desenhos são brutescos. 

Esta exposição é constituída por desenhos de três séries diferentes: Regresso ao Paraíso, Desenhos Soltos e Desenhos Mortos (todos os de tamanho A3); por 3 ou 4 desenhos de dimensão média e uma pintura a acrílico.

A série Regresso ao Paraíso é constituída por 24 desenhos e foi elaborada entre Maio e Agosto de 2021. Após algum tempo fora de casa, por motivo de obras, regressei podendo dedicar-me novamente ao Desenho. Daí a designação desta série.

A série Desenhos Soltos foi iniciada em Setembro de 2021 e ainda não está fechada. Até à data tem 68 desenhos. Os temas e as técnicas variam muito, conforme os dias e as noites.

A série Desenhos Mortos é constituída por 30 desenhos tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia. Foi iniciada em Março de 2022 e concluída em Junho do mesmo ano. O tema da guerra não desapareceu, faz parte do meu imaginário desde que me lembro, apenas deixou de ser a motivação principal de cada vez que me aproximo da área de trabalho.

Os desenhos de dimensão média têm técnicas e temáticas semelhantes às aplicadas nos restantes. A maior dimensão do suporte permite narrativas mais complexas e jogos formais mais intrincados.

A pintura a acrílico foi realizada durante um período de confinamento.

Os textos foram retirados do Blogue 100 Cabeças e posteriormente adaptados.

Oxalá inventes as tuas histórias e as acrescentes às minhas.

 

Rui Silvares, Julho/Setembro de 2022

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