(O texto que se segue é o texto de apresentação da exposição de desenho que vou inaugurar mais logo às 21 horas na Galeria Imargem, em Almada.)
BRUTESCO
Naquele ano dava eu aulas de História da Arte
a uma turma do ensino secundário na Anselmo de Andrade, ali mesmo em baixo,
atrás da bomba de gasolina, do outro lado da avenida. Na resposta a uma questão
relacionada com os capitéis românicos de certas catedrais e igrejas da Idade
Média, uma aluna (lembro-me que foi uma rapariga) respondeu num teste que “a
escultura Românica é brutesca”. Ultrapassado o estupor inicial fiquei
maravilhado.
Quando desenho sei que penso nos tais relevos
românicos, no brutal preto e branco de Muñoz e Sampayo, na voz planante de Lou
Reed, nas iluminuras do Apocalipse do Lorvão, na lata incontrolável de Picasso,
no delírio grotesco de Bosch, na poesia punk
dos Clash, na inventividade camaleónica de Bowie, na escrita de Stanislaw Lem, na
aspereza de Paula Rego, nas portas de William Blake, nos corredores obscuros
dos Pop Dell’arte, no traço desengonçado de Joan Sfar, na ausência de estilo de
Max Ernst, nas manchas de Goya, nos fantasmas de Goya, em Goya…
É na hibridização anárquica de milhentas
influências e infindáveis acasos que nascem os meus desenhos. Os meus desenhos
são brutescos.
Esta exposição é constituída por desenhos de
três séries diferentes: Regresso ao Paraíso, Desenhos Soltos e Desenhos Mortos
(todos os de tamanho A3); por 3 ou 4 desenhos de dimensão média e uma pintura a
acrílico.
A série Regresso ao Paraíso é constituída por
24 desenhos e foi elaborada entre Maio e Agosto de 2021. Após algum tempo fora
de casa, por motivo de obras, regressei podendo dedicar-me novamente ao
Desenho. Daí a designação desta série.
A série Desenhos Soltos foi iniciada em
Setembro de 2021 e ainda não está fechada. Até à data tem 68 desenhos. Os temas
e as técnicas variam muito, conforme os dias e as noites.
A série Desenhos Mortos é constituída por 30
desenhos tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia. Foi iniciada em Março de
2022 e concluída em Junho do mesmo ano. O tema da guerra não desapareceu, faz
parte do meu imaginário desde que me lembro, apenas deixou de ser a motivação
principal de cada vez que me aproximo da área de trabalho.
Os desenhos de dimensão média têm técnicas e
temáticas semelhantes às aplicadas nos restantes. A maior dimensão do suporte
permite narrativas mais complexas e jogos formais mais intrincados.
A pintura a acrílico foi realizada durante um
período de confinamento.
Os textos foram retirados do Blogue 100
Cabeças e posteriormente adaptados.
Oxalá inventes as tuas histórias e as acrescentes
às minhas.
Rui Silvares, Julho/Setembro de 2022