Quem não
cria arte facilmente mete o pezinho na poça manhosa do mito romântico do
artista. O ser arrebatado, vestido de negro, vivendo no alto de uma torre de
marfim rodeada por um fosso repleto de crocodilos metafísicos; um ser soturno,
constantemente atormentado por grandiosas visões nas quais o mundo lhe é
revelado tal qual ele é (insuportável visão para o mortal comum que o génio se
vê obrigado a carregar qual besta albardada calcorreando os caminhos da eternidade); artista tristonho, cara fechada,
cara pálida, lilases e brilhantes olheiras, a carne prestes a ser rasgada por
ossos pontiagudos: assim é um artista que merece ser admirado!
É este
ser misterioso e pouco dado ao calor do contacto humano, este ser habitante das
longas sombras que a solidão projecta sobre a aridez do mundo, este ser de
nevoeiro feito, este monstro da sensibilidade inteligente, este génio inalcançável,
que olhamos com uma expressão de contido espanto, é uma coisa mais ou menos com
esta forma de assim que nos habituamos a imaginar ser “o” artista.
Um
artista será tudo e isso e, precisamente, o oposto absoluto ou, mais
concretamente, uma incerta mistura de ambos e mais um ou outro que não consigo
agora imaginar como seja. Resumindo: um artista é uma pessoa tão vulgar como as
outras e tão invulgar como as demais. É abusivo pretender que o artista se
confunda com a sua obra e vice-versa. Pode acontecer mas não é uma constante
obrigatória. Já os conheci chatos como o caraças com obras espantosas e
excitantes; extremamente interessantes, de verbo fácil e conhecimento vasto com
obras mais enfadonhas que a biqueira de um sapato; convencidos, arrebatados,
modestos, altos, baixos, magros, de todos os sexos, alguns nem uma coisa nem outra, nem um pouco mais ou
menos. As suas obras, por vezes a carinha chapada do autor, outras vezes surpresas
absolutas (Nunca imaginaria que eras capaz de fazer uma cena como essa!).
Tal e
qual os meus amigos que trabalham nas mais variadas profissões, que vivem as
mais diferentes vidas. Uns sofrem, outros são felizes e estas condições são flutuantes.
Nem todas as pessoas extraordinárias são artistas, nem todos os artistas são
pessoas extraordinárias. Lá no fundo todos somos pessoas. É só isso.
1 comentário:
Brilhante e lúcida análise !
Adorei ler, Rui !
Um abraço.
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