Hoje vi uma mulher que levava um puto pequeno sentado num carrinho de compras e falava muito alto com outra mulher que a acompanhava. Não dei atenção ao que dizia, falava de qualquer coisa banal, não me lembro. Registei apenas o tom de voz e a aparência desorbitada da senhora, um certo ar de louca com um sorriso estampado no rosto.
O puto conduzia as operações. Quando a senhora ia virando o carrinho para a direita, travou subitamente e voltou com brusquidão à esquerda, alardeando o facto de ter sido o pequenote a orientá-la. A senhora não ria, não mostrava qualquer expressão particular que pudesse desvelar-lhe o estado de espírito. Mantinha, apenas, aquele sorriso estampado no rosto como se fosse resultado de alguma cirurgia plástica e ela vá sorrir assim para todo o sempre. E falava alto (talvez exagerasse se dissesse que a senhora berrava).
Mais tarde, quando seguia ao volante do meu carro, dei por mim a olhar um sinal vermelho e a pensar que aquela senhora tinha fortes probabilidades de ser aquilo a que chamamos maluca. Se assim fosse (a senhora maluca) e o puto filho dela...será a maluquice hereditária? Quero dizer, uma criança nasce maluca ou fica maluca pela convivência e contacto directo com malucos encartados?
Seja como for, o que me confortou nesta situação e me levou a registá-la aqui, foi ter pensado como é estranhamente bela a loucura e como lhe reconhecemos o direito à vida. O que seria deste mundo sem os biliões de malucos que nele habitam?
quinta-feira, novembro 27, 2014
quarta-feira, novembro 26, 2014
A doninha e a galinha
É complicado aceitar que não haja ninguém capaz de governar um país sem meter as mãos na merda. A rectidão e a honestidade são, cada vez mais, assuntos de fábula, coisas próprias de um tempo em que os animais falavam.
Como pode um homem honesto resistir às forças e tentações que lhe caem no colo mal senta o rabo na cadeira do poder? Como pode ele ignorar o canto insidioso das criaturas que pairam, sobrevoando nos ares, em volta da cabeça dos poderosos? Será necessária uma força de carácter apenas ao alcance de alguns heróis mitológicos.
Precisamos de um Ulisses ou de um Hércules para nos governar. Como podemos confiar numa doninha como Passos Coelho ou uma galinha como Paulo Portas?
Como pode um homem honesto resistir às forças e tentações que lhe caem no colo mal senta o rabo na cadeira do poder? Como pode ele ignorar o canto insidioso das criaturas que pairam, sobrevoando nos ares, em volta da cabeça dos poderosos? Será necessária uma força de carácter apenas ao alcance de alguns heróis mitológicos.
Precisamos de um Ulisses ou de um Hércules para nos governar. Como podemos confiar numa doninha como Passos Coelho ou uma galinha como Paulo Portas?
quarta-feira, novembro 19, 2014
Luta
O surto de legionella ou a já esquecida ameaça apocalíptica do ébola vão produzindo efeitos mirabolantes dentro de certas cabeças. Imagino que dentro de muitas, muito mais que 100 cabeças.
Pessoas que não lêem jornais, que ouvem o noticiário televisivo com ouvidos de burro ou se limitam a recolher informação vinda da boca do vizinho, criam imagens incríveis dentro da cabeça e não hesitam em dispará-las cá para fora com uma violência e um alarmismo dignos de prémio internacional. É inquietante.
Colocadas perante a evidência de que a sua opinião é uma coisa estúpida e sem fundamento essas pessoas, em vez de ficarem descansadas e aliviadas, tornam-se teimosas, quase agressivas: que ouviram, que lhes disseram, que vai morrer uma cambada de gente, que a coisa é gravíssima. Em última análise vamos todos morrer, eu, ele, ela, os nossos filhos, os nossos pais, os nossos amigos. Só ficam para semente aqueles de quem não gostamos e os nossos piores inimigos.
Fico descoroçoado. Não consigo acreditar. É como se a ignorância produzisse dentro de nós um indomável desejo de que as coisas corram mal, uma espécie de estranho ódio ao mundo e a nós próprios.
Todos os dias tento combater a ignorância mas raramente tenho a certeza de estar a ganhar a luta.
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quotidiano delirante
sexta-feira, novembro 14, 2014
Vampirices
Porque devemos nós preocupar-nos com a nacionalidade dos capitalistas que nos exploram?
Se uma noite destas for abordado na rua mal iluminada por dois sinistros vampiros, um originário da Transilvânia e outro, ali, da Bobadela, deverei eu oferecer o pescoço e o sangue ao vampiro nacional? É claro que se o outro for mais agressivo é ele quem acabará por me cravar a dentuça no pescoço. É a Lei do Mercado.
Assim; porque devemos indignar-nos com o facto de haver cada vez mais chineses, brasileiros e angolanos a investir o seu dinheiro em empresas portuguesas? Uma empresa deixa de ser portuguesa se for gerida por um alemão? Desde que tenha emprego, salário certo e contrato de trabalho devo preocupar-me com a origem do meu patrão?
Tal como o capital, também a honestidade e a filha-da-putice não têm nacionalidade.
Se uma noite destas for abordado na rua mal iluminada por dois sinistros vampiros, um originário da Transilvânia e outro, ali, da Bobadela, deverei eu oferecer o pescoço e o sangue ao vampiro nacional? É claro que se o outro for mais agressivo é ele quem acabará por me cravar a dentuça no pescoço. É a Lei do Mercado.
Assim; porque devemos indignar-nos com o facto de haver cada vez mais chineses, brasileiros e angolanos a investir o seu dinheiro em empresas portuguesas? Uma empresa deixa de ser portuguesa se for gerida por um alemão? Desde que tenha emprego, salário certo e contrato de trabalho devo preocupar-me com a origem do meu patrão?
Tal como o capital, também a honestidade e a filha-da-putice não têm nacionalidade.
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pensamento matinal
terça-feira, novembro 11, 2014
Noite e dia
O dia não acaba com a chegada da noite. Se tem 24 horas, dizer noite e dizer dia é coisa que faz pouco sentido. O relógio não se compadece com a luz. O relógio marca o tempo de forma implacável e o dia tem 24 horas. Nem mais nem menos um segundinho que seja.
Talvez estejamos precisados de uma outra palavra para significar esse espaço de 24 horas que o relógio marca e onde encaixamos as nossas existências independentemente da luz e da sombra, do calor, do frio, seja lá do que for! Tentamos organizar as nossas existências em função das 24 horas do relógio, é assim que acreditamos ser feitos e acreditamos fazer a vida.
O dia de 24 horas é uma coisa artificial; invenção humana. O dia tem a ver com a luz do sol e a chegada da lua. No dia de 24 horas não há lugar para o crepúsculo! Tenho saudades do tempo em que o dia era uma coisa viva.
Talvez estejamos precisados de uma outra palavra para significar esse espaço de 24 horas que o relógio marca e onde encaixamos as nossas existências independentemente da luz e da sombra, do calor, do frio, seja lá do que for! Tentamos organizar as nossas existências em função das 24 horas do relógio, é assim que acreditamos ser feitos e acreditamos fazer a vida.
O dia de 24 horas é uma coisa artificial; invenção humana. O dia tem a ver com a luz do sol e a chegada da lua. No dia de 24 horas não há lugar para o crepúsculo! Tenho saudades do tempo em que o dia era uma coisa viva.
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coisas sem sentido,
poesia inquinada
quinta-feira, novembro 06, 2014
Ver habilitações
Diz o povo que "quem vê caras não vê corações" mas não diz que "quem vê caras não vê habilitações".
Há certas personagens que pelo seu simples aspecto parecem trazer estampado no rosto um carimbo de competência profissional em determinada área. Vem isto a propósito de Teodora Cardoso, essa aparente luminária das finanças nacionais.
O "boneco" desta senhora parece confirmar tudo aquilo que se poderia esperar da caricatura de alguém que, sendo mulher, tenha dedicado a sua vida ao estudo da obscura arte negra das finanças. Ela até pode ser uma nulidade, ter algum parafuso desapertado, alguma porca mal rodada mas que tem pinta de entendida na matéria, isso ninguém pode negar.
Teodora (até o nome tem um ressonância que impõe respeito mesmo num corredor de mármore, iluminado por janelas abertas sobre um jardim bem tratado por um jardineiro profissional) é a nossa presidenta: preside ao Conselho das Finanças Públicas e, olhando para ela, ficamos de imediato sossegados; acreditamos que uma mulher assim seja uma trabalhadora incansável que guarda apenas para os números todo o espaço que haja vago lá nas circunvoluções do seu cérebro cinzento.
O povo bem poderia dizer, em honra de Dona Teodora, que "quem vê caras vê habilitações".
Há certas personagens que pelo seu simples aspecto parecem trazer estampado no rosto um carimbo de competência profissional em determinada área. Vem isto a propósito de Teodora Cardoso, essa aparente luminária das finanças nacionais.
O "boneco" desta senhora parece confirmar tudo aquilo que se poderia esperar da caricatura de alguém que, sendo mulher, tenha dedicado a sua vida ao estudo da obscura arte negra das finanças. Ela até pode ser uma nulidade, ter algum parafuso desapertado, alguma porca mal rodada mas que tem pinta de entendida na matéria, isso ninguém pode negar.
Teodora (até o nome tem um ressonância que impõe respeito mesmo num corredor de mármore, iluminado por janelas abertas sobre um jardim bem tratado por um jardineiro profissional) é a nossa presidenta: preside ao Conselho das Finanças Públicas e, olhando para ela, ficamos de imediato sossegados; acreditamos que uma mulher assim seja uma trabalhadora incansável que guarda apenas para os números todo o espaço que haja vago lá nas circunvoluções do seu cérebro cinzento.
O povo bem poderia dizer, em honra de Dona Teodora, que "quem vê caras vê habilitações".
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personagens (reais ou nem por isso)
terça-feira, novembro 04, 2014
Da estupidez
A arrogância pretensiosa de um ignorante é dos espectáculos mais irritantes que a Natureza inventou para nos distrair. Aquela segurança vazia, aquele olhar indolente, o meio sorriso escondido no canto da boca... ha, a estupidez!
O mais espantoso é a forma como os ignorantes são incapazes de pôr em causa a sua visão imbecil sobre o que quer que seja. Para um estúpido a estupidez funciona no lugar da inteligência. Uma pessoa inteligente consegue desconfiar do que lhe vai na alma, um estúpido ignorante vive soterrado em certezas.
A maioria das pessoas passa por uma fase na vida em que patinha perigosamente no pântano da estupidez. Ninguém nasce ensinado, à partida somos todos ignorantes.
Não é um espectáculo bonito de se ver, um adolescente burro como uma porta, seduzido pela imagem que faz de si próprio. A paixão por nós próprios é uma das mais temíveis armadilhas da existência humana.
Narciso sem Eco olha-se numa poça de lama.
O mais espantoso é a forma como os ignorantes são incapazes de pôr em causa a sua visão imbecil sobre o que quer que seja. Para um estúpido a estupidez funciona no lugar da inteligência. Uma pessoa inteligente consegue desconfiar do que lhe vai na alma, um estúpido ignorante vive soterrado em certezas.
A maioria das pessoas passa por uma fase na vida em que patinha perigosamente no pântano da estupidez. Ninguém nasce ensinado, à partida somos todos ignorantes.
Não é um espectáculo bonito de se ver, um adolescente burro como uma porta, seduzido pela imagem que faz de si próprio. A paixão por nós próprios é uma das mais temíveis armadilhas da existência humana.
Narciso sem Eco olha-se numa poça de lama.
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mitos,
quotidiano delirante
segunda-feira, novembro 03, 2014
Midas
A passagem mais famosa do mito do rei Midas é aquela em que ele consegue de Dioniso o dom de transformar em ouro tudo aquilo em que toca. O pormenor de Midas ser pessoa de raciocínio lento, um estúpido, se não estivermos com rodeios, nem sempre é devidamente salientado.
Após se ter apercebido da enormidade do dom que obtivera, Midas beneficia da compreensão de Dioniso (teve sorte!) e a coisa resolve-se com um mero banho na nascente de um rio. Mas a tacanhez de espírito de Midas vai valer-lhe as célebres orelhas de burro, presente de um Apolo irritado.
O mito é daqueles bem conhecidos mas o que me impressiona é a burrice da personagem. Como se a concupiscência decorresse de uma notória incapacidade para compreender o mundo. Midas, estúpido como um calhau, é a imagem da ambição desumana. As orelhas de burro o símbolo da sua glória.
Após se ter apercebido da enormidade do dom que obtivera, Midas beneficia da compreensão de Dioniso (teve sorte!) e a coisa resolve-se com um mero banho na nascente de um rio. Mas a tacanhez de espírito de Midas vai valer-lhe as célebres orelhas de burro, presente de um Apolo irritado.
O mito é daqueles bem conhecidos mas o que me impressiona é a burrice da personagem. Como se a concupiscência decorresse de uma notória incapacidade para compreender o mundo. Midas, estúpido como um calhau, é a imagem da ambição desumana. As orelhas de burro o símbolo da sua glória.
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