E é assim, a Memória é como um urso, mas com períodos de hibernação imprevisíveis. Pode acomodar-se na caverna do crânio humano e dormitar para sempre ou deixar-se apaixonar pela luz de cada despertar e não parar de atormentar a quem de direito. A Memória como urso... até poderia funcionar mas parece-me uma metáfora entre o perigoso e o merdoso (rima fácil e evidente).
A sucessão do Secretário Geral do Partido Comunista Português gerou um pequeno sururu entre alguns comunistas frequentadores do Facebook. Li com razoável atenção certa troca de ideias entre eles e o meu urso rolou sobre a barriga, deitando-se para o outro lado, levantando uma pequena nuvem de memórias na minha caverna craniana (não consigo libertar-me desta metáfora!?).
Aqui estava eu nos meus 14/15 anos, pleno de confiança em mim próprio, confiança essa gerada por uma ignorância quase absoluta em relação a tudo o que fosse coisa, mas irradiando uma aura de energia positiva capaz de atrair outras pessoas para o meu mundo indefinido, onde ainda não houvera tempo para a criação de pântanos. Foi assim que me vi a frequentar a sede do PCP lá em Viseu sem perceber muito bem onde me estava a meter.
À época havia a UEC, dos estudantes, e a UJC, dos jovens trabalhadores. A JCP seria fundada mais tarde. Se, por um lado, consegui a atenção dos estudantes, muitos deles, tal como eu, oriundos da pequeníssima burguesia, já do lado dos operários e camponeses apenas recebi desconfiança. A minha militância era errática e frágil e o camarada controleiro, montado numa motoreta e com um aspecto grave e concentrado, demasiado grave e demasiado concentrado para alguém pouco mais velho do que eu, olhava-me com vago desprezo. E tinha toda a razão.
Nunca tive consciência de classe pois nunca percebi muito bem a que classe pertencia (pertenço) embora reconheça e esteja convencido de que a luta de classes é, sem sombra para dúvidas, a seiva das sociedades humanas. Mas o camarada da motoreta sabia (soube-o antes de mim) que eu não estava pronto a abdicar dos meus anseios em favor da Causa. Afinal de contas eu vivia no universo de Ian Dury e do seu Sex and drugs and rock'n'roll. Estava apanhado, a minha luta era outra: a luta pela sanidade mental.
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