segunda-feira, novembro 07, 2022

Memorabilia

     Não sei se também te acontece, leitor amigo, olhares para trás (olhares o teu passado) e pensares: não vejo nada! A mim acontece-me quase sempre que olho com a vista desarmada. Não alcanço o que vivi e se sinto uma ligeira brisa a agitar-me a memória, rapidamente a janela se fecha e tudo volta à sua habitual quietude de recanto e sombra. Em matéria de memória sou aparentado ao granito.

    Vivo, no entanto, experiências transcendentais quando coloco na mente o potente telescópio da literatura (ia dizer "os óculos da literatura" mas pareceu-me tão fraquinho...) e o meu corpo é trespassado por memórias de toda a índole. É uma experiência com o seu quê de estranheza mas decerto tudo se explicaria com a maior das naturalidades, fosse eu capaz de compreender os contornos do fenómeno.

    Estou a ler "Lições", o mais recente romance de Ian McEwan, e tem sido uma girândola de sensações perdidas e sensações reencontradas; outras, apesar da sua provecta idade, são sensações que me surgem desvendadas como se regressasse momentaneamente à minha infância, à adolescência. 

    Eu sei que as minhas experiências de vida hão-de estar gravadas no meu cérebro: arrumadinhas, sempre disponíveis caso eu possa chegar-lhes, estão à minha espera. Mas, sem ajuda, sem a prótese poderosa da literatura. as prateleiras onde se alinham as memórias são sempre demasiado altas, demasiado confusas e desarrumadas, afundando o passado no caldo tépido do esquecimento.

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