Estive demasiado ocupado a viver ou a tentar viver, não tive tempo para a Arte. Ser artista foi coisa que restou, suspensa, na borda do prato. Ainda hoje não sei se a coma se a deite no caixote do lixo da minha história pessoal.
Estive demasiado ocupado a perseguir quimeras, fadas, sonhos, a tentar dia após dia fugir deste mundo em direcção a outro. Qualquer outro. A minha falta de critério levou-me a sítios horrendos na maior parte das vezes mas também tive a sorte de vislumbrar um ou outro paraíso. Unicórnios nunca encontrei. Bruxas? Muitas.
Uma noite houve uma bruxa francesa com aquele característico cheiro adocicado a suor que me disse que eu era (sou) um monge que falhou a vocação. Naquela época eu carregava forte e feio no álcool e quando tive essa interacção com a dita bruxa devia estar já bem aviado. Mas a frase ficou e a ideia regressa de vez em quando para me relembrar o passado.
Numa outra ocasião houve um gajo intratável com quem partilhei uma sala de trabalho numa casa onde arrendávamos quartos separados a uma senhora decadente, um gajo, dizia, que me apresentou a alguém (impossível lembrar-me a quem) dizendo: este gajo é um génio com quem partilho casa. "Um génio"!? Uau, nunca me esqueci dessa situação. Esse gajo (vão 4 gajos neste parágrafo embora, na realidade, sejam apenas dois) é a única pessoa, que me lembre, com a qual deixei de falar por completo. A única pessoa com quem cortei relações de forma abrupta e consciente. Até hoje, já lá vão uns bons trinta anos.
Estive demasiado tempo ocupado a tentar não enlouquecer, a tentar não me afundar na filha-da-putice. Nem sempre tive sucesso mas as mazelas são quase nenhumas e os danos permanentes quase não se notam. Hoje imagino-me feliz.
Sem comentários:
Enviar um comentário