Olhar para trás pode causar um torcicolo. Quando tentamos recordar o passado estamos a arriscar um torcicolo na memória (ia escrever "na alma" mas mudei de ideias quando martelei as teclas). Talvez seja por isso que costumamos ajeitar as memórias à imagem que fazemos de nós próprios, pintamos um passado bem mais bonitinho do que ele terá sido.
Será que essa atitude auto-complacente altera, de facto, o tempo que ficou para trás? Ou, se ficou para trás, o tempo é imutável? O tempo desloca-se agarrado aos nossos pés, como se fosse uma sombra? Isso explicaria a atitude de Peter Pan, a tentar recuperar a sua sombra, Peter Pan a ser um menino para sempre.
Correndo o risco de provocar à minha alma um torcicolo olho para trás mas dou com o nariz num denso nevoeiro. Não consigo andar em direcção ao passado, fico ali assim, especado, a tentar vislumbrar alguma coisa. Não é fácil. De vez em quando percebo um corpo em movimento, adivinho uma silhueta. Se, por acaso, alguma coisa se aproxima de mim ao ponto de se tornar visível depressa avalio da necessidade de a ver com clareza ou ser melhor fechar os olhos. Construo a minha história.
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