terça-feira, abril 14, 2020

Zanga

Nos dias que correm sinto que vou perdendo a capacidade de me zangar. Parece estranho que, numa situação como esta em que um gajo se fecha em casa meio por vontade própria e outro meio por imposição, a fúria se me desvaneça na cabeça e no peito como fumo ao vento.

Reflectindo sobre esta inesperada sensação pré-beatífica tento perceber como é que um tipo pode sentir-se sereno perante esta enormidade social, que é o confinamento a que estamos sujeitos. Será a sensação do cordeiro aninhado no altar do sacrifício?

Será a percepção do lugar da Humanidade no Planeta? Somos para a Terra algo semelhante ao que o Covid-19 é para o Ser Humano: um vírus terrível que estraçalha os pulmões e mata o hospedeiro em pouco tempo.

Os níveis de poluição têm diminuído extraordinariamente. Bom, não tão extraordinariamente quanto isso, parece óbvio que ficando o bicho em casa o mal que causa ao ambiente só pode diminuir. E parece-me ser esta uma das razões, se não a principal, para o abrandamento dos maus fígados que tantas vezes me consomem.

Sinto-me expectante: que lição iremos retirar desta pandemia? Temo bem que lição nenhuma, que uma vez recompostos, rapidamente tentaremos voltar a pôr de pé todo o sistema canibal que tão laboriosamente construímos ao longo de séculos. Temo bem que saltemos da frigideira outra vez em direcção lume. Lá terei que voltar a zangar-me.

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