sábado, abril 11, 2020

Paz de espírito

Por vezes quase me recordo de quando era um jovem ignorante cheio de certezas. Ah, como era bom estar sempre do lado da razão e ver nos meus oponentes seres merecedores de desprezo e, em última análise, merecedores de castigo.

Tinha o dom de entrar nas discussões de cabeça baixa e levar tudo à frente graças a uma distinta lata e alguma lábia que fui aprendendo entre a santa missa e a rua da aldeia em que vivi ainda antes de frequentar a escola primária. Mais tarde aprimorei esses dons com alguma literatura e amizades variadas, algumas bastante reprováveis. A rua era uma verdadeira universidade de manhosice e eu graduei-me precocemente.

A minha grande especialidade sempre foi a treta. Rapidamente percebi que a violência física não era para mim. Por um lado nunca tive compleição física que me permitisse sair vitorioso de um confronto directo, fosse com os punhos, ao pontapé ou à cabeçada. Por outro lado, cedo senti repulsa pelo sangue, fosse o meu ou o do meu oponente, e nem a calhoada me parecia coisa digna. Não! Sempre gostei de uma boa discussão e, posso dizê-lo, nesse capítulo era bem dotado.

Com a idade venho perdendo o instinto assassino da conversa agressiva mas, por vezes, ainda sinto o sangue a subir-me à cabeça e... lá vai disto! A diferença é que, ao contrário do prazer que sentia quando humilhava um oponente graças ao arremesso de metáforas corrosivas, nos dias que correm, ao aperceber-me que estou a torcer o juízo do adversário, tenho tendência para abrandar o discurso, meter travões e arranjar forma de desviar o curso dos acontecimentos.

Com a idade aprendi que não me interessa puto ter razão. Nada disso. O que me interessa é, apenas, a paz de espírito.

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