A senhora fala de um modo peculiar, com os olhos apontados a algum lugar acima da minha cabeça. O tom de voz elevado (quase esganiçado), pequenas acumulações de saliva a brilharem aos cantos da boca que se contorce como se as palavras a incomodassem, a senhora esforça-se por parecer simpática mas, infelizmente, não é nada simpática.
Suporto a troca de palavras com bravura, faço de contas que sou criança pequena, que não reparo no desconforto da senhora por se obrigar a falar comigo. Tento fixar os olhos dela nos meus como se tentasse agarrar duas bolinhas de mercúrio com as pontas dos dedos, por momentos quase consigo, mas logo o olhar baço da senhora desliza para o topo da minha cabeça (estarei despenteado?) e tudo volta à estaca zero.
Quando o assunto se esgota e ela sorri um sorriso muito mais triste que o de uma mãe no funeral do seu filho, é com mútuo alívio que desabafamos "bom dia" em uníssono e, após polidamente pedir licença, fecho a porta e regresso ao sótão onde continuo a pintar.
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