"Ex Machina" e "Birdman", os dois últimos filmes que vi que merecem referência especial, muitas estrelas, elogios variados, fotos a cores, aplausos, tudo o que possamos imaginar oferecer a um objecto que, por ser um objecto, habita aquele estranho limbo da quase existência.
"Birdman" foi largamente reconhecido e arrecadou prémios e Oscars e tudo o que um realizador pode desejar como resultado do seu trabalho. É, realmente, um filme extraordinário. A realidade e a possibilidade da magia coexistem no espaço e no tempo da narrativa deixando o espectador sempre em suspenso, agarrado, mergulhado, profundamente interessado, diria.
"Ex Machina" tem um ritmo diferente. Levados para o interior de uma propriedade isolada, habitada por um génio da Inteligência Artificial e algumas estranhas criaturas, acompanhamos uma inquietante narrativa que, no final, deixará a pensar o mais incapaz de se interessar pelas coisas do pensamento.
Dois filmes que têm em comum excelentes (extraordinárias!) interpretações: que actores, que actrizes, que directores!!! E também o facto de nos conduzirem em direcção a mundos de sonho e realidade, de nos fazerem esquecer a sala, o lugar onde fica o nosso corpo, ao ponto de acreditarmos no que estamos a ver.
Os trabalhadores do Metro de Lisboa fazem tantas grevezinhas (de horas, de turnos, greves pequeninas, greves repartidas, greves constantes) que acabam por transformar um direito constitucional e indiscutível numa espécie de sarna social.
Não sou a pessoa mais indicada para discorrer sobre tão complexo tema. Tantas greves, greves a toda a hora, decerto exigem um conhecimento minucioso da vida da empresa a alguém que pretenda tentar imaginar as causas de tão persistente luta laboral. Convocar estas greves é trabalho de relojoeiro, aderir a estas greves será um dever dos trabalhadores, imagino eu.
A verdade é que a frequência com que damos com o nariz na porta do túnel do Metro é tão grande que já ninguém liga à coisa. Já ninguém se impressiona com a luta dos trabalhadores, antes pelo contrário. Eles fazem greve com tanta insistência que toda a gente desconfia do ardor com que aderem à luta tanto como desconfia da eficácia do movimento grevista.
A banalização da greve é como o abuso de antibióticos; perde força e efeito.
Não tenho nada contra quem muda de opinião. Só os burros não mudam, como disse, um dia, Mário Soares ao esquivar-se a mais uma das suas lendárias incongruências políticas.
Uma pessoa percebe que aquilo que imaginava não corresponde a nada que se possa assemelhar a realidade e tenta encaixar as coisas de novo, para que façam sentido. Perfeitamente normal.
Já custa mais a engolir quando um profeta de determinada ideia (ou ideologia) se desconverte de súbito, alegando que viu a luz. Ok, tudo bem, mas porque levou tanto tempo a mudar de perspectiva? As montanhas de provas que lhe foram sendo apresentadas e que ele sempre refutou e reduziu a pensamentos sem sentido, quando não os classificou como maldosos ou subversivos, fizeram, de repente, sentido?
Desconfio dos profetas fervorosos. Uma pessoa que tem certezas tão absolutas ao ponto de professar uma Fé incontestável não merece a minha confiança. Sou de opinião que devemos deixar sempre um espaço à possibilidade de não sermos burros.
Nos últimos dias tenho-me abstido de visitar o Facebook. Não o faço por nenhuma razão em especial. Sinceramente, não sei porque me tenho mantido afastado da coisa. Penso que estou um pouco farto daquilo, mas não tenho a certeza que seja essa a verdadeira razão da minha ausência virtual.
Os "gosto" deixados ao acaso, como cócó de pássaro a cair do alto, os comentários com "stickers", os "smileys" por tudo e por nada, os amigos (penso que conheço todos os meus amigos do Facebook ou, pelo menos, sei quem são) a fazerem exactamente o mesmo que eu, como se fôssemos todos parte do mesmo corpo, tentáculos de um imenso polvo.
Estou a olhar o teclado e a pensar "também não há razão para seres tão radical... vai lá espreitar". Isto sou eu a tentar-me a mim próprio: Cristo e Demónio em simultâneo, a olhar o abismo sabendo que, vença quem vencer, mais tarde ou mais cedo vou acabar por ceder e atiro-me do penhasco abaixo, indo bater com os ossos no Facebook.
O Facebook é ciumento e não deixa grande margem para outras relações. Ou te dedicas a ele ou não te dedicas, não parece haver meio termo. Ou estás o tempo todo com a testa enfiada no écrã ou sentes tremuras e privação; os dedos saltam nas tuas mãos à procura das teclas, dos "stickers", dos "smileys", dos "gosto"... oh, os "gosto"... os teus dedos procuram o conforto das teclas.
Rai's parta esta coisa! O Diabo é virtual! (Entretanto já lá fui outra vez...)
Pessoas sussurram, espalhadas pela sala, sussurram. Sussurram por serem poucas e a sala pequena pois quando há muita gente as pessoas falam alto. Quando está muita gente nesta sala as pessoas todas parecem berrar, embora apenas falem mais alto do que seria de esperar.
As pessoas fazem-se ouvir.
Mas, por agora, sussurram. Serão segredos aquilo que levam as palavrinhas que lhes saem da boca? Serão mexericos, pequenos insultos, pequenas verdades, grandes mentirinhas? Se fossem coisas de ouvir as pessoas haveriam de falar mais alto. Sussurram como se falassem com Deus, como se estivessem escuras numa igreja sombria e fria.
As pessoas sussurram. As pessoas zumbem. Como laboriosas abelhas, recolhem pólen das ideias para produzir sabe-se lá que merda de mel!
Enfiar os Cramps pelos ouvidos dentro ajuda bastante a fazer o percurso através dos túneis do Metro de Lisboa.
Sinto-me glóbulo vermelho, leucócito. Levado num fluxo, sou sanguíneo ou então serei água a fugir num esgoto. Sinto-me uma merda qualquer. Uma coisa que puxa e que é puxada, coisa que leva tudo à frente, a correr, a correr dentro de um tubo, a correr desvairada. Sinto-me goo goo muck.
Agora tenho um interior luxuoso: aveludadas tripas, alma acetinada e um olhar carmim a deitar sobre o mundo esta estranha luz que banha o túnel onde vou dançando os meus passos. Por momentos viajo no tempo, regresso à adolescência.
Entro no comboio e vou à boleia no ventre de um fantasma, avanço ao ritmo dos seus movimentos peristálticos. Chegado à última estação sou cagado na plataforma. Regresso ao mundo do costume.
Tiro os auscultadores. Já não me sinto tão goo goo muck mas há sempre qualquer coisinha que fica.
De que estávamos nós à espera? Que Bruxelas permitisse a um governo
grego de extrema-esquerda governar de acordo com a sua ideologia? Alguém
imaginou que o sistema económico e financeiro, que alicerça os seus lucros na
exploração da fraqueza alheia, fosse benevolente com um governo hostil ao
capitalismo, um grupo de extremistas a fazer valer a sua utopia desvairada de
uma sociedade capaz de integrar os que comem dos caixotes do lixo?
A vitória eleitoral
do Syriza estava, desde o princípio, condenada a ser a materialização da
derrota de todos os que sustentam um discurso anti-austeridade, por muito
possível ou muito justo que ele possa ser. Os “mercados” esfregaram de contentamento
as mãozinhas nervosas quando Tsypras formou governo. Alguém estava à espera que
os vampiros prescindissem do seu ancestral direito a comerem tudo e não deixar
nada?
Permitir ao governo grego experimentar as suas visões para a resolução
dos problemas que apoquentam os famélicos da União Europeia seria extremamente
perigoso para um monstro burocrático que se sustenta e alimenta da miséria
alheia. Seria como acarinhar um vírus enquanto se observa a infecção por ele
provocada a ganhar saúde e a contaminar a União.
Não! A Grécia terá de ser impiedosamente castigada e o seu governo
humilhado até não ser mais que um bando de pedintes de mão estendida a implorar
perdão e misericórdia no falso Areópago que é a Comissão Europeia.
Estamos a assistir ao fim da “Europa a 28”. A morte da utopia grega do
Syriza será a morte desta coisa informe em que se transformou o sonho europeu.
Trocar Valores por economia não une nações. Antes pelo contrário.
Oremos,
irmãos, para que o que o que se vai seguir não seja catastrófico.
A senhora fala de um modo peculiar, com os olhos apontados a algum lugar acima da minha cabeça. O tom de voz elevado (quase esganiçado), pequenas acumulações de saliva a brilharem aos cantos da boca que se contorce como se as palavras a incomodassem, a senhora esforça-se por parecer simpática mas, infelizmente, não é nada simpática.
Suporto a troca de palavras com bravura, faço de contas que sou criança pequena, que não reparo no desconforto da senhora por se obrigar a falar comigo. Tento fixar os olhos dela nos meus como se tentasse agarrar duas bolinhas de mercúrio com as pontas dos dedos, por momentos quase consigo, mas logo o olhar baço da senhora desliza para o topo da minha cabeça (estarei despenteado?) e tudo volta à estaca zero.
Quando o assunto se esgota e ela sorri um sorriso muito mais triste que o de uma mãe no funeral do seu filho, é com mútuo alívio que desabafamos "bom dia" em uníssono e, após polidamente pedir licença, fecho a porta e regresso ao sótão onde continuo a pintar.
É uma sensação estranha. Ter plena consciência da mediocridade dos que ocupam os lugares cimeiros da hierarquia do Estado. Saber, sem esforço, que ou são desonestos ou simplesmente inaptos para o desempenho dos cargos de chefia e decisão que lhes atrapalham o cinzento das ideias.
Uns são mais para o mesquinho, outros simples imbecis. Alguns são maldosos e maquiavélicos competindo com seres intelectualmente indigentes, a quem o fato e a gravata dão aquele aspecto grave e digno com que enganam as câmaras fotográficas e vão convencendo o Zé Pacóvio de possuir condições mínimas para fingirem ser o que são. Uma coisa têm em comum: são todos doutores ou, se o não são, vão sê-lo rapidamente.
É estranha esta sensação de que todos os malabaristas, palhaços, ursos, trapezistas, atiradores de facas e demais personagens circenses que ocupam os lugares cimeiros da hierarquia do Estado não passam de arrivistas incultos. Devo estar a ficar velho. E jarreta.
Decerto estou a delirar, a ficar gágá, já não percebo nada do que realmente se passa à minha volta. Ando confuso. Como poderia ser verdade aquilo que imagino? Se é o povo que elege estes gajos como poderia o povo elegê-los uma e outra vez apesar de tudo? Teria de admitir a possibilidade de o povo ser simplesmente burro ou, pior hipótese, ser um povo de aspirantes a aldrabão que idolatra os que provam ser os mais aldrabões de todos vendo neles a figura do chefe ideal.
Esta nossa vida virtual deixa um rasto longo e mais pegajoso que o de uma lesma gigante. Nós morremos e continuamos a receber felicitações automáticas pelo nosso aniversário, ofertas de negócios irrecusáveis, oportunidades únicas para umas férias inesquecíveis no próximo verão. Mensagens brutalmente pujantes, a transbordar de felicidade e com promessas de um futuro muito, mas mesmo muito, melhor!
Melhor do que a morte? Promessa um tanto arriscada uma vez que a vida é coisa vagamente conhecida, já a morte...
Enfim, quando morrer gostaria de ser apagado da NET. Gostaria de ficar apenas na memória daqueles que realmente me conheceram, daqueles com quem me cruzei e dexei algum tipo de impressão ao longo da minha vida verdadeira.
Que me desculpem os amigos que conheço apenas por esta via mas: blogues fora, página no Facebook apagada, e-mail eliminado, etc. até ao mais completo olvido virtual. Haverá alguma empresa que se dedique a receber estas últimas vontades e se comprometa a levá-las a cabo?
Parece-me uma frágil oportunidade de negócio para jovens informáticos com espírito empreendedor. Frágil como a vida.
João Miguel Tavares veio lembrar-nos o triste TINA (There Is No
Alternative), no linguajar dos súbditos de Sua Majestade britânica que ele
próprio traduz com NHA (Não Há Alternativa) na bela língua de Camões. Servem os
acrónimos para justificar a triste sina dos povos endividados e “ totalmente dependentes
do financiamento exterior para fazer face às obrigações mais elementares” como
refere o cronista no seu texto de 30 de Abril nas páginas do Público.
Até compreendo a ideia, a coisa é terrível, estamos entregues aos
mercados, esses bichos temperamentais que nos emprestam dinheiro a juros. Bicharada
gorda e insaciável que não abdica do direito que tem a explorar o Zé Pacóvio
seja ele português, grego, espanhol ou irlandês, tal e qual como nos filmes em
que os mafiosos aproveitam a fraqueza alheia (principalmente a dos tasqueiros)
para ganhar dinheiro fácil. É a lei da selva, as bestas mais agressivas e
poderosas regulam, a incauta carneirada tem de aguentar ou ser comida. NHA para
as políticas de austeridade, o povo é que paga.
Tudo isto faz muito sentido para quem tem a barriga acomodada e um
tecto jeitoso sobre a cabecinha pensadora. Conclui sabiamente João Miguel
Tavares que “convém começar por aceitar o que não podemos mudar, para depois
mudar aquilo que podemos.” Eu, tal como o cronista, sou daqueles a quem a
barriga não encolhe de fome nem o tecto deixa passar o frio nem chuva sobre a
cabeça pensadora. Mas nós, os que vivemos com problemas suportáveis, não somos
a totalidade da população, duvido até que sejamos a maioria. Há toda aquela
horda de “famélicos da terra” para quem o TINA (ou NHA) significa miséria e não
apenas incómodo.
A guerra é um negócio? TINA. Os países mais ricos do mundo são os
principais produtores (e traficantes) de armas? TINA. A esmagadora maioria das
pessoas tem de suportar condições de vida degradantes para que 1% de seres
aparentemente humanos vivam de forma que nem sequer somos capazes de imaginar?
TINA. O planeta tem de se parecer com uma lixeira nojenta para que este modo de
vida se perpetue (até rebentar com esta coisa toda)? TINA.
TINA mas é o
caraças! Pensar que tudo se resume a TINA é ser preguiçoso, é deixar cair a
ideia básica da Democracia e aceitar ser saco de sangue para vampiro. Eu digo:
TINA que os pariu!
Já agora, para terminar, quero lembrar ao João Miguel Tavares que “NHA,
NHA, NHA” soa a refrão de um hit de Kylie Minogue, pop bonita de ver e ouvir
mas só para quem gosta ou está distraído.