quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Personagem

Todos somos potenciais personagens literárias mas muitos não têm consciência desse facto. Ou porque não sabem ler, ou porque, sabendo ler, não lêem, ou porque lendo não sabem o que lêem, ou ainda porque, apesar de lerem e compreenderem o que lêem, não querem acreditar que a sua carne pode tornar-se papel, folhas de um livro, imaginação de um autor ou retrato, produto da argúcia de alguém que nos observa e podemos nem sequer conhecer.

Esta constatação poderá ser de extrema utilidade. Em caso de necessidade podemos poupar no psicanalista se analisarmos com calma e cuidado a evolução da nossa personagem ao longo da narrativa que é a vida que vivemos.

Em momentos de tédio podemos distrair-nos passando para o papel a descrição do momento que a nossa personagem viveu ou está a viver (descrever o próprio tédio). Podemos imaginar algo para lá do papel grosseiro com que a realidade embrulha a nossa existência, rasgar o embrulho, sair da escuridão para a luz, viver na imaginação, na nossa própria imaginação... mas... que digo eu? Que escrevo eu?

Será que existo? Ou este texto, este computador, esta mesa, a sala onde estou, o edifício que envolve este momento e este meu corpo, será tudo isto por mim inventado? Ou... ou... ou serei eu invenção de algum autor, algum escritor que perdeu o juízo e me deixou (mera personagem literária) tomar consciência da minha condição de ser imaginário, tomar consciência da minha carne de papel?

Alguns de nós são, na verdade, personagens literárias mas não têm consciência desse facto.

3 comentários:

the dear Zé disse...

andaste a rever o matrix?

João Menéres disse...

Extraordinário texto, Rui !

Um abraço.

Silvares disse...

O Matrix não precisa de revisão. Fica.

Grato pelas suas palavras João.