domingo, dezembro 29, 2013

Ver



Três magníficas obras em Veneza

Ontem vi pinturas de Tintoretto na Galleria dell'academia em Veneza. Vi outras obras de grandes artistas mas foram as pinturas de Tintoretto que me preencheram. A pintura deste gajo parece mentira, parece milagre, parece extraterrestre. É deslumbrante.
Esta figura flutua, literalmente, sobre o altar da capela

Hoje estou em Roma e fui à capela Sistina. Se esquecer o facto de me ter sentido como sardinha em lata ou ovelha num rebanho pastoreado por gajos maus (no photo, no video, go the left e sei lá que mais) posso dizer que vi outro milagre.

Diz o ditado católico que "ver é pecar", é mas é o caraças! Ver é uma dádiva divina quando se vêem coisas como as que vi ontem e vi hoje. A viagem já valeu a pena, mas isso já eu suspeitava.

quarta-feira, dezembro 25, 2013

Boas festas

Esta época do ano é feita de viagens. O Pai Natal dá a volta às chaminés e eu dou umas voltas por aqui e por ali. Nas minhas voltas deixo o computador para trás e pouco tempo lhe dispenso.

Talvez por isso não tenho o costume de deixar mensagens de boas festas nem desejos de paz no mundo ou felicidades para o ano que aí vem. Hoje estou em casa mas esta madrugada abalo de novo e o computador para aqui vai ficar um pouco só, bastante abandonado.

Eu sei que há mil e uma maneiras de me manter ligado à Net mas não faço isso. Deve ser mania.

Desta vez deu-me uma coisa e decidi fazer isto:

Bom Natal e Próspero Ano Novo para todos os que lerem isto (e também para os que não lerem).

Até breve.

Soa estranho...

quinta-feira, dezembro 19, 2013

Doutores aos molhos

Toda a gente sabe que Portugal é um país de doutores. A média é próxima de um doutor por habitante. Ser doutor, em Portugal, é um estado de espírito que dispensa diploma, carimbos e secretarias. Dizem por aí que somos um país de poetas... tretas! Somos é um país de doutores.

Como bons doutores que somos cagamos sentenças e diagnósticos com uma facilidade estonteante. É que o doutoramento mais comum entre os portugueses é o doutoramento em Tudologia. Isto permite a todos e a cada um ter as mais lúcidas e definitivas opiniões sobre o que quer que seja.

Política, ciência, desporto, engenharia, direito, urbanismo são uma pequeníssima amostra de matérias que estão na boca de toda a gente e que toda a gente domina com uma mestria extraordinária. Arte e aeronáutica nem por isso mas estamos a trabalhar para aumentar, também aqui, o número de especialistas.

Por haver tanta gente extraordinária o extraordinário transforma-se em ordinário, perde o "extra". Isso explica porque é que Portugal, um país que os deuses fadaram para os grandes feitos em prol da humanidade, teima em não passar da cepa torta: tanto doutor excelentíssimo transforma o país numa ordinarice.

Precisamos de mais gente simples e boa e dispensamos tanto doutor. Os doutores estão convencidos que o seu estatuto lhes confere direitos especiais (porque são doutores) e o resultado é este: Portugal.

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Natal global!

Viva Buda, viva Cristo e o bacalhau com todos. 
Viva o Sol, a Lua e o Pai Natal. 
Viva o dólar, a Troika e viva o mundo global.

quarta-feira, dezembro 11, 2013

O bicho que roda

O ser humano é, por natureza, uma coisa que não se compreende. Isto porque, além dele próprio, não parece existir mais nada (nem ninguém) à pele do planeta interessado em debruçar-se sobre semelhante tarefa: compreender o que vai em cima destas duas patas.

Uns dias triste e sorumbático, qualquer um de nós pode subitamente saltar para um estado de espírito a rebentar de euforia. Somos assim; bichos de extremos fáceis.

Tais variações de humor, multiplicadas por milhões de milhões de seres humanos (quantos somos nós ao certo?) fazem da Terra uma coisa desequilibrada que, não tendo para onde cair na imensidão cósmica, roda. E roda, roda, vai rodando, como um animal à espera.

Mas o que espera a Terra enquanto roda sobre si própria e, para melhor disfarçar, enquanto vai rodando em volta do Sol? O que espera um planeta que se comporta como um animal, nervoso e indeciso?

Talvez espere que a Humanidade se consuma a si própria. Com maiores um menores ferimentos o planeta cá ficará depois de irmos desta para melhor (oxalá). Então talvez a Terra possa descansar finalmente e pare de rodar. Após tanto tempo deve estar mais que tonta.

sexta-feira, dezembro 06, 2013

O que raio é a realidade?

Antecipar a própria dor e sofrimento é como ter o pé descalço suspenso sobre as águas frias de um rio que corre. O pé suspenso e um monstro que se aproxima, vindo lá de trás, um monstro que poderá querer devorar-nos ou não, talvez pior do que isso. O monstro, o pé descalço suspenso, as águas frias do rio.

Não sabemos o que quer o monstro e tememos o arrepio gelado do pé submerso na água que nos vai esticar o corpo e fazer vibrar a espinha, como se fosse uma corda de violoncelo a gritar uma nota aguda e desafinada. Ai Jesus!

Além de tudo o que ficou explicado, há também a corrente. Será muito forte? Conseguiremos nadar para lá do medo que sentimos? O monstro, o rio, o nosso corpo... a dor e o sofrimento que adivinhamos mas ainda não aconteceu e pode mesmo não vir a acontecer... 

A felicidade e a alegria andam escondidas. Sabemos que andam por aí mas é o monstro angustiante, filho da dor e primo (em 2º grau) do sofrimento que pressentimos lá atrás e nos impele em direcção às águas do rio.

Algures, no meio de tudo isto, fica aquilo que chamamos realidade: a consciência que temos da tangibilidade do corpo que habitamos.

quarta-feira, dezembro 04, 2013

Santa Economia

Em nome da Competitividade e da santidade do Livre Comércio, a Humanidade pariu outra divindade, a já bem famosa Economia.

Costuma-se comparar a Economia com Jeová ou Alá, é uma espécie de brincadeira de adultos, como se uma coisa não tivesse a ver com as outras. Mas tem. A nova divindade é sustentada por uma estrutura de fiéis que cobre todo o planeta  com os seus interesses, como uma teia tecida por milhares de milhões de aranhas.

A Economia tem catedrais por todo o lado. Os altares erguidos para sua adoração são imponentes ou singelos, adoptam as mais variadas formas e tamanhos, mas estão em todo o lado. Conquistam-nos a alma e o coração.

A Economia faz-nos arder de desejo, consome-nos até não restar nada do que somos. Consome-nos até sermos aquilo que desejamos, até nos transformarmos nos objectos que possuímos.

Tal como o cristianismo ou o islamismo, a Economia tem legiões de fanáticos  fundamentalistas. Terroristas, como todos os terroristas. Provocam atentados devastadores, entram-nos casa dentro, olhos acima, cabeça abaixo; bombardeiam-nos diariamente sem dó nem piedade.

Todos os dias morremos em nome da Santa Economia para ressuscitarmos à noite, sempre que dormimos e, finalmente, sonhamos.


domingo, dezembro 01, 2013

8 anos 100 cabeças

O número de posts tem diminuído, a força das opiniões e a virulência da escrita adocicou-se um pouco, sempre passaram 8 anos desde o nascimento deste blogue!

A blogosfera, à época pujante e florescente como um jardim em plena Primavera transformou-se lentamente em zumbisfera, infectada pelo implacável vírus do facebook. A blogosfera é hoje um  cenário de walking deads.

O 100 Cabeças deixou de ser uma necessidade para se tornar uma espécie de limbo entre este mundo e o outro, aquele ali fora, do outro lado da janela. Vão ficando amigos, rotinas e visitas para tomar uns chás virtuais em casa deles, trocar dois dedinhos de conversa sobre isto e sobre aquilo...

Alguns desses amigos virtuais tomaram forma e corpo, outros esfumaram-se na irrealidade da net. Tal qual naquele mundo do lado de lá. A net ganhou uma importância assustadora na forma como define os contornos desse mundo. Realidade e virtualidade a fundirem-se perante os nossos olhos distraídos.

A cada ano que passa há menos posts mas não menos mundo. Quando comecei este blogue sentia-me um pouco incomodado com a falta de visitantes e de comentários. Hoje já não. O 100 Cabeças é uma realidade. Isso basta-lhe. Isso basta-me.

Beijos e abraços.

sábado, novembro 23, 2013

Polícias e bófias

Desta vez não houve cães à perna de ninguém!

O pessoal ficou de cara à banda com a manifestação dos polícias na escadaria da Assembleia da República (ver aqui, com vídeo e tudo). Tanto polícia à paisana a gritar, a esbracejar e com cara de poucos amigos é coisa para atemorizar qualquer cidadão enfiado nas suas pantufas.

Não me parece surpreendente que os polícias fardados, destacados para manter a ordem pública, se tenham desviado para deixar subir os manifestantes por ali acima. Parecia uma cena do World War Z!

Poderá haver explicações mais ou menos piedosas para semelhante atitude. A verdade é que a maioria dos polícias tem um respeito, no mínimo, limitado pelas regras que deveriam preservar bem como pelos "cidadãos-macacos" que deveriam defender. Os exemplos quotidianos são mais que muitos.

Basta recordar vários episódios passados naquele mesmíssimo local com desfechos bem diferentes e magníficas cargas policiais sobre pessoas indefesas.

Os polícias portugueses, pelo simples facto de o serem, colocam-se a si próprios acima da Lei. Estacionam os seus carros em situações que a um "cidadão-macaco" valeriam multas avultadas; carregam frequentemente à matracada no focinho de cidadãos indefesos e até de velhinhas que não representam ameaça, dirigem-se às pessoas em termos agressivos e desrespeitosos se para aí estiverem virados, etc e tal.

Se, porventura, dão da caretas com algum doutor ou senhor importante ficam mansos como cordeiros.

Por vezes penso: quem nos protege dos nossos protectores?

É evidente que nem todos são assim, que há muita gente boa nos corpos policiais. Eu diria que há uma razão de um polícia por cada 50 bófias. Qualquer coisa assim.

domingo, novembro 17, 2013

Natalices

Há uma canção que diz que "Natal é quando um homem quiser". Sinceramente sempre me pareceu poesia a mais mas, recentemente, o presidente da Venezuela veio tornar a cantiguinha em doce realidade (ver aqui). Nicolás Maduro é um coração de manteiga e, muito por causa disso, tem sido ridicularizado.

A intenção de Maduro é louvável, ele quer trazer felicidade e esperança ao povo. Não percebo bem a razão pela qual tão gozado tem sido.

Hoje de manhã fui ao centro comercial e, por todo o lado, há árvores e enfeites de Natal! Não reparei que alguém tenha considerado ridícula esta antecipação da festa do Menino Jesus ou do Pai Natal, conforme as inclinações mais religiosas ou mais consumistas dos festejantes.

Fica a sensação de que em nome do consumo podemos decretar sem temor a antecipação do Natal mas, se o fizermos em nome de outra coisa qualquer, podemos levar com gargalhadas jocosas pela cabeça abaixo. Não me parece justo.

Por mim o Natal até pode ser em Agosto, embora dessa forma a vaca e o burro que aquecem o Menino Jesus corram o risco de ir para o desemprego.

terça-feira, novembro 12, 2013

Pensamento nocturno (coisa de coruja)



A sensação é incómoda. Dá comichão onde não se deve coçar por ser feio. Difícil é ficar quieto. Coço o peito para disfarçar, reviro os olhos. Não consigo esconder a nervoseira. Bato o pé, bato o pé, bato o pé, e não é compasso musical. É desconforto apenas.

Olho o mundo em volta e não consigo pensar outra coisa que não seja: quanto tempo vai levar até esta merda rebentar de vez?

sexta-feira, novembro 08, 2013

Equilíbrio

Hoje é dia de greve da Função Pública em Portugal. Os trabalhadores protestam, reclamam, esbracejam, esperneiam, mas nem migalhas têm a ilusão de vir a receber.

Neste dia veio a público uma notícia que dá conta do aumento do número de multimilionários no nosso país (ler aqui), apesar da crise... ou será por causa da crise? Não só são mais como estão mais ricos. O equilíbrio acentua-se: os ricos mais ricos, os pobres mais pobres.

Haverá algum dia a mínima possibilidade de inverter esta tendência?

quinta-feira, novembro 07, 2013

Anjos

Até ao dia de ontem não me recordo de ter alguma vez ouvido falar de Rob Ford, o agora mundialmente célebre mayor de Toronto. Repare-se bem nos motivos desta súbita celebridade a nível planetário (ver aqui, por exemplo).

Pessoalmente estou-me nas tintas para o facto de ele ter fumado crack ou ter tentado desculpar-se desse facto dizendo que, provavelmente, o tinha feito durante uma bebedeira, daí não se lembrar com clareza do que acontecera. Pior a emenda que o soneto.

O que me faz reflectir sobre o sucedido é tentar perceber se um governante, uma pessoa com responsabilidades na gestão da coisa pública, não pode ter momentos em que se passe daqui para lá de Marraquexe? O que pergunto é: exigimos aos que nos governam um comportamento irrepreensível, mesmo quando estão longe dos nossos olhares, no remanso dos seus lares? Queremos ser governados por anjos?

Quanto a Rob Ford... parece-me demasiado gordo. Mas pode ser apenas impressão minha. Chiça, é mesmo complicado resistir à tentação de julgar os outros...

sexta-feira, novembro 01, 2013

Artista (mais ou menos) imortal

Terminou ontem a residência artística de Banksy nas ruas de Nova Iorque. Os trabalhos realizados foram sendo expostos aos olhos do resto do mundo neste site (clica aqui).

Banksy já se tornou o maior fenómeno da chamada street art e é conhecido um pouco por todo o lado onde houver meios de comunicação de massas que ultrapassem as notícias sobre a lingerie sexy de artistas pimba e os pensamentos profundos de dirigentes e jogadores de futebol. A cada dia que passa Banksy vai-se transformando numa autêntica lenda urbana.

O facto de manter uma identidade secreta faz dele uma espécie de super-herói de banda desenhada. Tal como o Batman ou o Homem-aranha, Banksy está a ser colocado num pedestal  na sala do museu da cultura Pop. Ele é um dos primeiros artistas a garantir que o seu nome fará parte da História da Arte do século XXI. Isto partindo do princípio que haverá alguém para virar a página do calendário para o século XXII.

Banksy já é um artista mais ou menos imortal (como todos os outros). O problema é que a imortalidade já não tem condições de garantir aos que dela gozam o triunfo definitivo sobre a morte. Só um bocadinho.

quarta-feira, outubro 30, 2013

Talvez Deus

Esta manhã, ao olhar uma pequena e irrequieta nuvem de mosquitos que dançava num raio de sol, lembrei-me que a vida é uma coisa deveras complexa. Normalmente um gajo não pensa nessas coisas, de tal modo anda aos tropeções nos problemas quotidianos.

Senti uma certa tristeza.

Quando a humanidade patinar desta para melhor não haverá nada nem ninguém para a chorar, muito menos para lhe sentir a falta. Talvez Deus.

Um melro esvoaçou lá atrás.  Depois outro que saltitou pelo chão naquele jeito meio apatetado que têm os pássaros quando andam, patas no chão. Olhei de novo os insectos bailarinos. O que comerão aqueles melros? Não sei, mas percebi que também aqueles insectos não terão ninguém para os carpir. Nem aqueles melros, nem o planeta Terra, quando o Sol se tiver extinguido e toda a vida tiver desaparecido da sua face azul, não haverá lágrimas nem gritos desesperados. Talvez Deus, ou então o silêncio.

Talvez Deus seja o Silêncio.

domingo, outubro 27, 2013

Lou Reed is dead

Um filme de acção

Gravidade é um atípico filme de acção. O espectador assiste a uma sucessão de situações e imagens espectaculares, num ambiente visual exuberante, sem se aperceber que o tempo vai passando. Os diálogos são mínimos, o espaço é tão protagonista quanto Sandra Bullock ou o fugaz George Clooney.

É, sem dúvida, um filme diferente (diferente de quê, exactamente?) que me fez dar por muito bem empregue o tempo que estive sentado na sala de cinema.

Assisti a uma sessão em ecran "normal". Há a versão 3D, com os oculinhos mas, para alguém que, como eu, usa óculos para ver dois palmos à frente do nariz, usar aqueles sobre estes provoca um certo incómodo.

A ver, sem hesitações.


sexta-feira, outubro 25, 2013

Anjos salvadores

Os partidos populistas crescem de influência um pouco por toda a Europa. Os líderes destes partidos emergentes apresentam-se como salvadores da pátria amada, regeneradores das mentes corruptas, paladinos da verdade e da justiça. Vêm degolar o monstro instalado no poder e ocupar o seu lugar: simples, belos, puros, reluzentes, eles são a esperança de Deus na humanidade.

Olhados um pouco mais de perto, os candidatos a santo têm rugas, dão peidos e cheiram mal da boca, tal como os que dizem execrar. Anda por ali muito fascista disfarçado de menino de coro, muito oportunista de Capuchinho Vermelho e vice-versa.

O problema da corrupção dos poderosos não se resolve com a vinda destes messias de pacotilha. Resolve-se com instituições democráticas fortes e uma participação cívica activa. Os anjos salvadores depressa se transformam em vingadores e depois... a desgraça.

quarta-feira, outubro 23, 2013

Eu sou o que vejo mas não vejo o que sou.

Diz-se que sem afastamento não conseguimos percepcionar a perspectiva. Parece ser evidente. Com o nariz em cima do muro não percebemos o palácio lá mais atrás.

Olhamos as atitudes dos outros e é-nos fácil opinar: "Olha que besta! Olha que estúpido! Vê-me bem aquele camelo!"

Ainda por cima parece que temos maior facilidade em depreciar do que apreciar. Se é para dizer bem preferimos ficar calados. Acho que temos vergonha. Dizer mal é o que está a dar.

Olhar para nós próprios pode ser semelhante a tentar olhar o palácio com o nariz encostado ao muro.
Eu sou o que vejo mas não vejo o que sou.

sexta-feira, outubro 18, 2013

Lixaria

O mundo está cheio de lixo. Há o lixo evidente: mares emporcalhados, ar irrespirável, destroços de todo o tipo em órbita (longe da vista longe do coração), e há aquele lixo que ninguém vê a não ser quem o traz dentro da cabeça.

Esse lixo, secreto e escondido nas contracurvas do cérebro de cada um, é um mistério  mesmo para quem o tem guardado fundo. O facto de ser tão difícil de perceber faz com que esse lixo pessoal e personalizado nos ofusque a percepção e nos leve, demasiadas vezes, a cometer injustiças, avaliações de carácter apressadas, a ditar sentenças de morte a quem merece a vida.

O lixo dentro de nós é uma poluição da alma, uma coisa perigosa.

(a propósito de um post no Varal de Ideias, aqui)

quinta-feira, outubro 17, 2013

Da governação

Há tarefas impostas por dever profissional que deviam ser proibidas pela mesma lei que nos obriga a cumpri-las. Oh, caraças, que seca tão grande temos nós de aturar quando reunidos em assembleia para decidir, ponto por ponto, dezenas de regras e regulamentos.

Pois, é uma seca tremenda, uma seca que desorienta o mais pintado e faz desesperar o mais corajoso. São montanhas de palavras escritas e revoadas violentas de palavras ditas. Talvez haja quem tenha nascido para isto.

Após umas horas deste trabalho extenuante saio para a rua que entretanto anoiteceu e tem agora bolinhas de luz, sóis pequeninos pendurados no topo dos mastros dos candeeiros. O ar está fresco. É agradável. Quando entrei na sala de reuniões estava calor, o casaco pesava-me nas costas e agora o casaco parece-me leve.

Hoje de manhã, o dia seguinte, pensei: quem é capaz de passar a vida a fazer aquilo? Estar fechado dentro de uma sala com umas quantas pessoas dispostas em círculo, com um vazio no meio, um vazio para onde se atiram ideias e palavras tentando construir ali uma coisa comum, uma coisa que se compreenda e faça sentido. Porra, que modo de vida seria esse!

Mas não é assim que se governa o mundo? Pessoas fechadas em salas, homens engravatados mulheres com laca na cabeça, todos a preencher o vazio entre eles com ideias que governem o mundo. Pessoas que passam a vida a falar, a olhar para gráficos e papéis, a tentar encontrar uma determinada ordem que ponha algum sentido na vida delas, que faça do mundo aquela coisa que põem ali no meio, entre elas.

Cá fora está-se muito melhor mas não se governa nada.

quinta-feira, outubro 10, 2013

Bom e bonito

O dia amanheceu fresquinho como uma alface. O sol, lá longe, a trepar a linha do horizonte prometia algum calor. Uma ou duas horas e o calorzinho agradável de um sol luminoso a cantar no céu virá tornar o dia ainda mais agradável.

Na rua as árvores resplandecem em variados tons de um verde magnífico e projectam no chão sombras que são rendas escuras bordadas pelo astro-rei.
Amon Ra mostra-se magnânimo e bem disposto.

Ouvem-se chilreios de pássaros escondidos na folhagem e ramos mais altos. Tento adivinhar-lhes a forma, imagino-os coloridos. Uma mulher passa por mim com uma criança pela mão. Vão apressadas, decerto em direcção à escola.
A manhã nasce bem disposta.

Os automóveis deslizam silenciosos, respeitando religiosamente os sinais de trânsito. Está tudo tão bem, tão perfeito, tão bonito que até parece mentira!

Olho em redor, desconfiado, à espera que me caia um piano em cima da cabeça ou que um demónio assassino saia detrás do caixote do lixo de faca em riste... mas nada. O dia está, simplesmente, bom e bonito.

quarta-feira, outubro 09, 2013

Vai Eduardo!

Recebi pelo  correio um envelope gordinho com carimbos brasileiros. Trazia dentro o último livro do Eduardo P. Lunardelli. Penso que todos os que lêem estas linhas sabem de quem se trata (caro leitor, se eventualmente não souber a quem me refiro clique aqui e ficará com uma ideia).

O livro intitula-se "Agudas e Crônicas", o acento circunflexo ajudando a compreender as diferenças de pronúncia de um lado e outro do Atlântico. É um volume que reúne os escritos que Eduardo vai postando diariamente tanto no Varal de Ideias quanto no Facebook. Curtos e apontados ao coração.

Lê-se de um tiro ou, melhor, lê-se como uma rajada de metralhadora, cada "crônica" puxa a "crónica" seguinte, num desfiar escorreito de leitura fácil.

Grato pelo livro, Eduardo.

domingo, outubro 06, 2013

Os infelizes

Segundo Passos Coelho Rui Machete foi “infeliz” nas afirmações que produziu quando andou a lamber botas na Rádio Nacional de Angola. Quer-me parecer que, mais do que infeliz, foi espertalhão, daquele jeito que o são todos os “chico-espertos” com cartão de militante dos partidos do “arco do poder”. Na verdade, todos os espertalhões que nos governam são infelizes. São uns tristes porque não têm escrúpulos nem cultura suficiente para compreender a grandeza dos valores éticos que deveriam orientar as suas acções enquanto responsáveis pela coisa pública. Ignorância?

Foi infeliz Paulo Portas, foi infeliz Miguel Relvas, foi infeliz Miguel Macedo, infeliz foi Aguiar Branco e é infeliz Maria Luís Albuquerque. Muito infeliz é Nuno Crato. Infelicíssimo foi Miguel Gaspar. No meio de todos estes infelizes escapa Assunção Cristas graças aos deslumbramentos da maternidade. Infeliz se mostrou Cavaco Silva quando confundiu Thomas Mann com Thomas More ou quando comeu bolo-rei de boca aberta perante uma nação estupefacta com tal falta de educação. Infeliz é o povo que elege esta gente para o representar e governar. Assim se compreende que nem Machete se demita nem Passos veja razões para o demitir.

Somos nós os responsáveis por tanta infelicidade. A nossa infelicidade é colectiva como o revelam certos estudos internacionais que tentam compreender o sentir das nações do mundo. Há mesmo quem nos designe por “latinos tristes”. Pois é, somos uns tristes. E Machete é ministro dos negócios estrangeiros mas quer-me parecer que os negócios pelos quais ele vela serão de natureza a rondar o inconfessável, natureza idêntica aos de Miguel Relvas ou de Dias Loureiro, para citar apenas dois homens de bem (como nos assegurava Cavaco em relação ao seu fiel conselheiro) que entretanto se diluíram na imensidão da sua infelicidade, desaparecendo dos radares da opinião pública e se aconchegam agora nos lençóis de seda do mais doce esquecimento. 

Isto é uma gente que não lembraria ao diabo mas que anda por aí e o povo, a querer dormir descansado, não compreende porque tem tantos pesadelos a assombrar-lhe o quotidiano. Portugal, apesar de tanto fato e gravata, é um país com muito mau aspecto.


segunda-feira, setembro 30, 2013

Noite escura

Em comentário ao post anterior o Eduardo P.L. disse...
Que esperança se pode ter quando nossa juventude ( normalmente a esperança do futuro ) está apática, distante e desencantada. O pior dos mundos.

Neste momento estou a pensar que mundo temos nós para oferecer às gerações vindouras. As imagens que me passam pela cabeça são estranhas, são imagens distópicas, dignas de um filme de ficção científica série Z, coisa a rondar o imaginário de um filme de zombies mais ou menos pacíficos. É tudo cinema de má qualidade.

A nossa juventude é resultado da nossa idade adulta. Normalmente a juventude reage aos princípios dos mais velhos. Mas, no cenário actual, temo que essa reacção seja mais violenta do que em gerações anteriores. Parece-me evidente que estamos a exaurir o planeta, esgotando recursos a uma velocidade supersónica sem acautelarmos alternativas credíveis que permitam manter os níveis  civilizacionais por muito mais tempo.

Não sei o que sentem os mais jovens mas talvez estejam a perceber que o "planeta petróleo" não será o deles, que "os amanhãs que cantam" já foram ontem. Talvez estejam a sentir que o Estado Social não aguenta a tormenta capitalista e que os ricos serão cada vez menos e mais ricos e os mais pobres cada vez mais e mais pobres. A classe média a resvalar para a base da pirâmide social que, um dia destes, deixará de ter a forma de pirâmide para tomar a forma de uma coisa estranha com uma base enorme e compacta e um topo fininho.

Meu caro Eduardo, eu diria: que esperança se pode ter quando as nossas elites se comportam como vampiros agressivos e tão desencantados como a massa popular a quem sugam o sangue e a vida?

domingo, setembro 29, 2013

Dever ou não dever (cívico)

Hoje é dia de eleições autárquicas. Mais uma vez fui votar, cumprindo o meu dever cívico. Desta feita houve uma novidade, a minha filha votou pela primeira vez numas eleições "a sério". Sim, antes de chegarmos cá fora, já todos experimentámos votar na escola para eleger os nossos representantes na Associação de Estudantes ou outras cenas do género.

Fico a pensar com os meus botões que votar na escola é como brincar à Democracia. Mas após uns segundos de reflexão fico na dúvida se a brincadeira democrática é um exclusivo de crianças em idade escolar.

Tenho a sensação de que a abstenção vai doer forte e feio. As urnas ainda não fecharam mas cheira-me que vai haver recorde. Os mais jovens não ligam a esta coisa de eleições. Não parecem acreditar na Democracia e, como tal, dizem com frequência que os políticos são todos iguais, que a política é uma merda... como se um fascista fosse igual a um comunista ou a um social-democrata.

O desencanto com a nossa podre Democracia não é um exclusivo dos mais jovens. Ouço muito adulto com um discurso do mesmo calibre e ao mesmo nível. O regime está de patas ao ar.

Seja lá como for, os meus votos entraram na urna. Paz à sua alma.


terça-feira, setembro 24, 2013

Tempos livres

Uma música suave (como que vomitada por anjos que tenham abusado na ingestão de pétalas de rosa) vai entediando o espaço. Pessoas com muitos cabelos brancos vão chegando, devagar, vão-se sentando, calmamente, tudo se passa a 5 à hora. Percebe-se que são pessoas que têm muito tempo livre.

Como se consegue tanto tempo livre? Passo a tentar explicar o que me pareceu ver naquele lugar onde o aborrecimento é feito de veludo.

As pessoas sentam-se por ali, fingindo que não têm nada que fazer. Passeiam os olhos por jornais, livros e revistas (se não tivessem tantos cabelos brancos decerto olhariam para écrãs de computador, de iPhone, de iPad, etc.), não se passa nada.

Na verdade aquelas pessoas estão a fingir distracção. Elas estão ali para caçar tempo livre! O isco são elas próprias, a sua alma a armadilha que haverá de capturar algum tempo mais descuidado que se abeire dos seus corpos estáticos. O tempo chega-se e... zás, é apanhado na armadilha. É tempo livre capturado. Parece um contrassenso (de facto é) mas as coisas são mesmo assim.

As pessoas gostam de exibir o tempo livre que capturaram. Exibem-no como são exibidos os animais selvagens, em jaulas mais ou menos espaçosas. Depende da qualidade do tempo e da qualidade do indivíduo. "Olhem bem este meu tempo livre, vejam como sou poderoso e feliz por ter semelhante exemplar no circo da minha existência."

E sorri, mostrando na sua jaula reforçada um imponente tempo livre capturado em Roma ou em Vladivostoque, olhando de soslaio para um tempito livre capturado ali, naquela sala onde a música não chateia mas também não anima, um tempo livre tão inofensivo que o guarda no bolso ou numa gaiola de plástico, daquelas onde se guardam os grilos.

Entretanto as pessoas vão-se substituindo umas às outras, muito semelhantes no aspecto e na atitude, o tempo livre a correr riscos de ser aprisionado. Tempo livre prisioneiro, é a suprema aspiração na vida de muitos de nós. Principalmente daqueles que não se incomodam com vómito de anjinho, desde que cheire a rosas. Como é o meu caso.

domingo, setembro 22, 2013

Doença de carácter

Não sei bem quando aconteceu. Foi um processo discreto e silencioso. Ontem apercebi-me de que estou a tornar-me insuportavelmente tolerante e, pior ainda, que me esforço por fazer com que os outros sejam, também eles, uma espécie de aspirantes a anjinhos.

Estou a perder aquele prazer abrasivo de dizer mal de tudo, aquele impulso descontrolado de deixar fluir o verbo como se as palavras fossem facas afiadas a cortar o mundo em fatias fininhas. Espero que seja uma doença passageira.

Espero voltar a sentir o prazer de desfazer algo à força de palavreado robusto, usado como marreta, como morteiro, palavreado capaz de retalhar as coisas que me parecem erradas, as coisas que me desgostam. Como diz Scar, a malévola personagem de O Rei Leão: "É tão gostoso ser mau!"

Mas não, pronto, de momento sou bonzinho, um estado de alma sem graça nem pimenta, uma sensaboria monótona. Se não me acautelo ainda morro e vou para o Céu.

sábado, setembro 21, 2013

Lavagem

Ontem postei aqui um desabafo com laivos de lamechice. Sentia-me cansado de trabalhos que me parecem descabidos, sentia-me tristonga, precisava de choramingar a ver se a coisa aliviava. Mas não aliviou. Sentia-me, sobretudo, vazio.

Sentado em frente ao computador precisava de executar certas tarefas que exigem de mim alguma criatividade e não saía (não saiu) nada. Quando isso acontece fico um pouco aterrorizado. Insisti, insisti e nem porcaria fui capaz de criar.

À noite fui ao cinema. Fui ver o mais recente filme de Woody Allen, Blue Jasmine. Quando saí da sala estava regenerado (Cate Blanchet é uma actriz estratosférica!). O filme até que é bastante deprimente. Muito deprimente, mesmo. Mas hoje sinto-me muito melhor, lavado por dentro. Talvez seja capaz de criar algo satisfatório.


sexta-feira, setembro 20, 2013

Desabafo

Ai caramba, ando com a cabeça feita em papas e não pára de andar à roda, como uma ventoínha!
Os primeiros dias de trabalho num novo ano lectivo nunca foram tão complicados de organizar. O que se passa? Porque é tudo tão confuso, tão pesado? Ponho-me a pensar no assunto e tenho as minhas suspeitas.

O ministério da educação tem reduzido brutalmente o número de professores nas escolas. Paralelamente continua a exigir o mesmo tipo de serviço burocrático, aumenta o número de alunos por turma e multiplica ordens e contra-ordens a uma velocidade que merecia multa por nítido excesso. As reuniões sucedem-se, os alunos enchem as salas, as aulas começam e têm de ser preparadas.

O corpo docente emagrece, muitos de nós pedem reforma antecipada apesar dos cortes nos ordenados (pensões) por já não suportarem tanta burocracia, tanta gente dentro da sala, tanta acção descabelada e sem sentido.

Menos professores para mais trabalho. Deve ser por isso que tenho a sensação de trazer um oceano a chocalhar-me dentro do crânio.

No meu caso particular torna-se quase impossível pensar em desenhar, pintar, trabalhar no Photoshop, postar nos blogues. Sou professor, não sou artista profissional (quase não tenho tempo para ser amador, quanto mais...).

Talvez dentro de uma ou duas semanas a coisa estabilize. Talvez. Até lá vou tentar manter a cabeça à tona. Preciso de respirar.

sexta-feira, setembro 13, 2013

Ser ou não ser

Por vezes penso se não seremos todos malucos. Não é loucos (loucos acarreta um certo glamour), é malucos, mesmo. Malucos implica algum desdém, alguma piedade, uma pitadinha de ironia e divertimento quanto baste mas há malícia na classificação deste rótulo. A um maluco desculpam-se algumas maluquices mas, na verdade, ele é visto com uma certa repulsa, um bicho defeituoso, potencial locatário de uma jaula.

Um louco pode ser um artista, um maluco tem mais possibilidades de vir a enveredar por uma carreira no mundo do crime. Um louco cria, um maluco destrói. Seremos todos malucos?

Matar com gás é desumano, matar com bombas legalmente fabricadas e com recibo de transacção comercial parece ser aceitável. Esta ideia pode ter saído da cabeça de um louco? Será ideia de um maluco? É, obviamente, uma merda de ideia. Uma ideia feita para nos forçar a encarar como boa a possibilidade de começar outra guerra.

Antes que me perca no labirinto desta ideia concluo, voltando ao início do post: seremos todos malucos? No que diz respeito à minha pessoa tenho dúvidas mas, no entanto, sinto-me bem disposto.

domingo, setembro 08, 2013

Pensamento vespertino

Há pessoas que nos parecem extraordinárias. Há ou não há?

Tu, caríssimo, que lês estas linhas perfeitamente alinhadas, de imediato pensaste em, pelo menos, uma ou duas pessoas. Pensaste ou não pensaste? Claro que pensaste, todos temos os nossos heróis, não há que enganar.

Os heróis podem ser reais, imaginários ou reais-imaginários. Seja qual for a sua espécie (dentre estas três) são por nós construídos. É evidente que os nossos heróis nos dão uma ajudinha na construção que fazemos deles. Por esta razão ou por aquela, uma coisa leva a outra e... pliiiiiim, temos um herói!

Sejam actos, sejam frases, seja apenas um "look" que se encaixa na imagem que corresponde ao nosso ideal seja lá do que for, vários são os materiais de que se fazem os heróis.

Quando nos chegamos a eles (estejam vivos, mortos ou assim-assim) as coisas podem mudar de figura. Na verdade, os heróis podem revelar-se tão banais quanto nós próprios e, as mais das vezes, é isso mesmo que eles são: pessoas banais que, aos nossos olhos se tornaram extraordinárias.

sexta-feira, setembro 06, 2013

Descrição

Ia à procura da ilustração de hoje de O Inimigo Público onde Obama está a cagar, na pose de O Pensador de Rodin. Obama de cócoras, calças em baixo, mão no queixo, pensativo, caga bombas que vão explodir lá em baixo, como se ele fosse um gigante (o gigante louco da guerra na pintura de Goya) ou um deus distante e aborrecido. Cagando.

Procurei no google em António Jorge Gonçalves, o autor do cartoon, e fui, mais uma vez dar à página online que tem o seu nome (clicar aí ao lado) que é uma página que, quanto a mim, merece um olhar demorado.

A ilustração referida não está lá (pelo menos ainda não está) mas há muito para ver. Já em 2009 tinha feito referência a AJG aqui, no 100 Cabeças (ver aqui) sugerindo a visita à sua obra gráfica. Agora insisto, não é demais.

À falta de imagem fica a minha descrição da ilustração de hoje (O Pensador, d'aprés Rodin). O leitor pode sempre imaginá-la.

sexta-feira, agosto 30, 2013

Bizarria

Todos sabemos quem é Edward Snowden. Perseguido pelo longo (mas torto) braço da justiça norte-americana, Snowden acabou por encontrar na Rússia um buraquito onde se esconder, pelo menos, durante um ano (ver aqui, por exemplo).

Como na Rússia nada se faz sem o consentimento de Putin, fica a sensação de que o desfecho deste episódio resulta da sua vontade de irritar um pouco o amigo americano. Quem vir no gesto deste ditador democrático (eu sei que isto é uma contradição) a concretização de uma qualquer visão altruísta provocada pelo amor à liberdade de expressão só pode estar a precisar de uma operação aos olhos e à mioleira. Com urgência.

A notícia de que o pintor russo Konstantin Altunin fugiu da Rússia a sete pés após ter exposto uma obra em que Putin e o seu alter ego Medved surgem em lingerie (ver aqui em português), lança uma luz clara sobre o buraco onde se esconde Snowden.

Com Putin não se brinca. Só ele pode brincar, os outros, quando muito, têm apenas direito a sorrir sorrisos bem amarelos. A obra de Altunin pode ter desrespeitado várias leis russas que defendem a imagem dos governantes e reprimem a apologia da homossexualidade. Por via das dúvidas o pintor achou que o melhor era mesmo por-se ao fresco.

quinta-feira, agosto 29, 2013

A máquina do mundo

Lendo as notícias que nos informam da iminência de mais uma guerra entre as forças ocidentais e um governante caído em desgraça não posso deixar de lembrar a tristemente célebre Cimeira das Lajes. A guerra rebentou e deu no que se sabe. O “nosso” lado estava tão certo das suas razões, alardeava uma tão grande autoridade moral… não havia dúvidas quanto à necessidade e justiça da invasão que levaria à queda e posterior execução (assassinato?) de Saddam Hussein.

Personagens então emergentes como Durão Barroso e Paulo Portas lá se puseram em bicos de pés e assinaram de cruz todas as pretensões de Bush e Companhia. Durão haveria de tornar-se Presidente da Comissão Europeia e Portas, além de uma condecoração entretanto recebida das mãos do inqualificável Rumsfeld, continua a ser o estadista de opiniões moralmente impolutas e decisões tão irrevogáveis quanto uma dentição de leite.


Em 2003 tínhamos Bush, que queria fazer a guerra, agora temos Obama que não quer fazê-la. Mas, ao que parece, querer e não querer a guerra leva-nos a idêntica conclusão. A guerra do Iraque não nos ensinou nada, talvez não houvesse nada para aprender. Estamos prestes a abrir nova caixa de Pandora. Fica a sensação de que a máquina do mundo serve, principalmente, para produzir guerra, miséria e morte.

segunda-feira, agosto 26, 2013

Redesign

Aqui há dias fui ao cinema com a minha filha. Estávamos em Viseu, a oferta cinematográfica não é mais entusiasmante. Insisti no filme "O Mascarilha". Um pouco contrariada a rapariga lá acedeu. Afinal de contas, férias são férias e não custa nada fazer a vontade ao velho.

A personagem preencheu parte do meu imaginário juvenil através dos livros de quadradinhos. Apesar de não ter grandes expectativas em relação ao filme penso que queria matar saudades da minha infância. Lá fomos.

O filme é desopilante. As cenas de acção têm momentos de grande espectáculo e divertimento. As personagens surpreendem com atitudes inesperadas e há pormenores de uma violência cruel que, no contexto, provocam o riso apesar de tudo. Ao contrário do que eu esperava, a narrativa não era tão linear quanto seria de esperar numa coisa deste género. Talvez por isso o filme tenha sido um fracasso de bilheteira nos Estados Unidos (ver aqui).

É de salientar o "redesign" da personagem de Tonto, o índio, interpretada por Johnny Depp. Os maus são muito maus e os bons... nem por isso. À saída vínhamos com um sorriso estampado no rosto. Afinal valera a pena.

terça-feira, agosto 20, 2013

Filosofia de Tasca (outra vez)

"Há sempre uma réstia de verdade em todas as mentiras" pensou ele enquanto remexia as moedas no fundo do bolso das calças. "Quanto mais não seja, a verdade precisa da mentira para existir, nem que apenas por oposição." Largou as moedas e esfregou a cabeça com as duas mãos, como se remexesse shampô anti-caspa na cabeleira fina e oleosa. "Não parece justo continuar a mentir-lhe mas, se as minhas patranhas a deixam tão feliz, quem sou eu para estragar tudo dizendo a verdade?" Olhou a ponta dos sapatos... "Afinal somos apenas dois animais!"

sexta-feira, agosto 16, 2013

Distopia

Hoje fui ao cinema (há muito tempo que não ia ver um filme na sala de cinema) ver Elysium, o mais recente filme do realizador sul-africano, Neil Blomkamp. Quando me sentei sabia muito pouco acerca do filme. Tinha visto ontem à noite uma entrevista com Matt Damon, que interpreta a personagem central desta distopia (wiki) de Ficção Científica. A coisa pareceu-me bem, fui ver.

A sinopse de entrada e os planos iniciais de uma cidade futurista que parece feita de lixo amontoado fizeram-me pensar imediatamente nos contos de Phillip K. Dick. Mais um ou dois minutos de filme e não me saía da cabeça como tudo aquilo era semelhante a Distrito 9.  Tudo agradável para um espectador como eu.

No intervalo abri o jornal e procurei a crítica ao filme. Lá estava, Elysium é do mesmo realizador que Distrito 9 e Jorge Mourinha, o autor daquelas linhas, referia também o universo de Phillip K. Dick (falar apenas de Blade Runner é limitativo mas compreende-se quando se fala de cinema). Ok, as minhas referências funcionavam na perfeição, fiquei contentinho comigo próprio. Estas pequenas vaidades...

Ao chegar aqui, defronte do teclado onde matraqueio estas palavras, procurei no Dicionário do Aurélio online a palavra "distopia". Para minha surpresa não consta no referido dicionário. Um salto à inevitável Wikipédia forneceu-me dados interessantes quanto à origem da expressão que desconhecia por completo (ver link mais acima que tem uma curiosa lista de exemplos de distopias cinematográficas).

Procurei noutros dicionários de português e encontrei esta descrição em "antiutopia" que pode servir de sinopse a Elysium: "representação ou descrição de uma sociedade futura caracterizada por condições de vida alienantes ou extremas, que tem como objetivo criticar tendências da sociedade atual, ou alertar para os perigos de determinadas utopias

antiutopia In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-08-16].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/antiutopia>."

O filme, não tendo nada de extraordinário nem sendo particularmente inovador, é, no entanto, suficientemente cativante e merece uma ida à sala para ser visto.


quarta-feira, agosto 14, 2013

Verão leituras

O Verão traz sempre consigo uns quantos livros que se lêem debaixo do guarda-sol, à beira do mar ou nalguma esplanada mais recatada com boa cerveja fresca, de preferência.

Nos últimos tempos tenho dado primazia a autores portugueses e foi de Afonso Cruz a minha última destas leituras estivais. Li O Pintor Debaixo do Lava-louças(ou loiças) que confirmou as boas impressões que me haviam deixado Jesus Cristo bebia cerveja e A boneca de Kokoschka, também deste autor.

Para quem nunca leu Afonso Cruz deixo a recomendação de que o faça. O rapaz é um artista!

Entretanto li também O relatório de Brodie, um livrinho de contos de Jorge Luís Borges editado pela Quetzal que é um primor. Desde a textura da capa à magnificência da escrita, é um livro que dá prazer ter nas mãos.

Mas, com tanto tempo livre, o Verão permite isto e muito mais. De Pedro Gamboa li Almas a saque, uma história de paixão com final pouco feliz que me revelou um autor que desconhecia (mas que conheço pessoalmente).

Entretanto fui ontem à Biblioteca Municipal de Almada levantar outros dois livros de contos. Depois de os ler talvez diga alguma coisa.

Boas leituras. É Verão.

segunda-feira, agosto 12, 2013

Pensamento à beira-mar

Tantas certezas sobre como as coisas são e não são, podem plantar no teu peito sementes de amarga angústia. Não lhes desejes as flores, muito menos lhes queiras provar os reluzentes frutos.

quarta-feira, julho 31, 2013

3 clics

Onde vamos nós desencantar motivos de alegria e sossego? De súbito tudo se encaixa suavemente, as peças perfeitas na adaptação das suas às formas das outras. Clic, clic, clic, fazem elas baixinho e depois... silêncio, sempre que encontram a posição absoluta, o seu lugar na perfeição do mundo.

Clic, clic, clic, fazem as peças a encaixarem-se umas nas outras, ajudando o Universo a ser um pouco menos absolutamente caótico, as peças atenuando o caos nos seus clics delicados.

Como dei eu com esta visão reconfortante? Como cheguei a este momento adocicado, lamechas, mesmo? Eu sei como foi. Isto aconteceu-me hoje o dia inteiro. Encontrei este lugar que não é físico, uma perfeita conjugação de factores, como se vivesse a glória súbita de ter descoberto uma fórmula matemática habitável. Mas isso... fui eu que encontrei.

Onde irás tu desencantar os teus motivos de alegria e sossego, caro leitor? Problema teu. Poderia levantar um pouco o véu sobre o local e a companhia que compõem este meu momento paradisíaco mas nada garante que funcionasse contigo da mesma forma.

Sei que cada um de nós vive permanentemente às portas do inferno. Disse um filósofo que "o inferno são os outros" mas, sempre te vou dizendo: os outros também poderão ser o paraíso.

segunda-feira, julho 29, 2013

Ir à guerra

Estava a ler uma banda desenhada com o Super Homem a desancar uns mauzões vindos de outro planeta numa batalha sem quartel nas ruas de Metropolis. A coisa metia sopapo de meia noite, figurões a trambulhar de encontro aos prédios que abriam fendas nas paredes e automóveis a levar piparotes que os deixavam de rodas para o ar.

A luta era brava e o Super Homem, como sempre, acabou por vencer e os mauzões ficaram cobertos de nódoas negras e orgulho ferido. Tudo está bem quando acaba bem. Mas...

Dei por mim a pensar naqueles cidadãos que, apanhados no calor da refrega, ficaram com as paredes do apartamento de buraco aberto sobre a rua, os outros que seguiam dentro dos tais automóveis, amassados e bons para a sucata. Ninguém se feriu? Quem paga os estragos? O Super Homem salva a cidade, a nação, salva o planeta, mas isso tem efeitos colaterais que os argumentistas desprezam.

Eu sei que o Super Homem é bom e quando parte tudo em volta é porque não tem alternativa.

Quem escreve as histórias do Super Homem nem sempre dá grande atenção aos cidadãos anónimos. Os figurantes deviam ter direito a uma atençãozinha particular. Quando não, estão ali apenas para justificar os grandes feitos dos heróis e motivar as acções dos vilões. Quanto ao resto: que se lixem! Ou talvez nem tanto... enfim...

quinta-feira, julho 25, 2013

Mundo de aventuras


Os "outdoors" publicitários não mentem: o mundo é para as pessoas bonitas, as pessoas perfeitas. O cabelo sedoso, a pele limpa, os dentes correctamente alinhados em fileiras a fazerem lembrar uma parada militar de soldadinhos brancos, puros, brilhantes como as estrelas no céu.

Na TV os apresentadores sorriem sempre, rebentam de felicidade e oferecem coisas aos telespectadores que telefonam. O ritmo a que falam deixa sem respiração os mais resistentes: tomem lá dinheiro, tomem lá prémios, tomem lá felicidade! Tudo parece bem, tudo parece a caminho da perfeição.

A artificialidade tornou-se mais real que a substância. Quero aqueles "jeans", quero aquele perfume, quero aquele corpo!

Envelhecer é uma doença. Ser velho não está na moda. Compre o creme milagroso, acabe com as rugas. Faça o implante de cabelo, engane a calvície. O mundo oferece-lhe o milagre do rejuvenescimento, só tem que ter dinheiro disponível.

Longe vão os tempos dos aventureiros que arriscavam a vida em busca da Fonte da Eterna Juventude nas profundezas de selvas impossíveis. Agora, para beber da água dessa Fonte, só precisa de um computador ou de um telemóvel de última geração. E uma conta bancária recheada.

sexta-feira, julho 19, 2013

Um cadáver esquisito

A polémica em torno do Acordo Ortográfico não morreu, antes pelo contrário. As vozes discordantes têm-se feito ouvir continuamente, nunca desistindo de apontar as incontáveis incongruências do Acordo.


Fazendo valer o ditado que diz que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura, uma petição,“Pela desvinculação de Portugal ao ‘Acordo Ortográfico da LínguaPortuguesa’ de 1990”, vai se discutida na Assembleia da República.

Durante algum tempo não tive uma opinião muito concreta acerca desta coisa. Tentei adaptar-me mas, na verdade, nunca cheguei a escrever segundo as normas do Acordo.  Há demasiados pormenores que não compreendo, regras que me escapam. 


O Acordo gerou polémica em todo o lado e não me consta que tenha sido adoptado por nenhum outro país além do nosso. Portugal orgulhosamente só, mais uma vez. Que triste.


Uniformizar a ortografia não me parece de grande utilidade. Os povos de língua portuguesa continuarão sempre a utilizar os seus vocabulários específicos; telemóvel é celular, autocarro é ônibus e um fato completo continuará a ser terno por terras brasileiras.


Nos dias que correm estou, decididamente, do lado dos que dizem que se lixe o Acordo Ortográfico. Concluo com outro ditado popular "o que torto nasce tarde ou nunca se endireita".  O Acordo que se lixe.

quarta-feira, julho 17, 2013

Café (com pouco açúcar)

Quantas vezes nos deixamos amarrar a personagens que não somos nós? Vivemos dentro de outra pessoa e nem sempre nos apercebemos disso. A quantos de nós acontece algo assim o tempo todo de uma vida? Uma vida inteira a viver acontecimentos que não correspondem ao que nos vai na alma, a fazer coisas que são coisas de outro corpo, coisas de outra personagem, uma vida inteira a representar no filme errado.

Há quem sofra por isso, há quem nem dê pelo engano. Há quem seja feliz assim. Há quem se aperceba da troca de papéis mas não diga nada, não faça nada, continuando a representar aquele papel. Do mal o menos.

Trocar de personagem a meio da vida requer coragem e lucidez. Rasgar a alma e esperar que outra nova nos cresça é doloroso e não tem resultados garantidos. As personagens que representamos não trazem instruções nem têm garantia ou prazo de validade.

A vida é um risco. O problema é que só vivemos uma.
Só vivemos uma vida de cada vez.

quarta-feira, julho 10, 2013

Confissão

Shark, shark night
colagem, 2013

Quiseram os deuses do acaso que, em tempos recentes, eu conhecesse pessoalmente várias pessoas com quem vou convivendo no espaço virtual, principalmente aqui, na zumbisfera dos blogues. A impressão com que fiquei de todos os zumbisféricos que contactei (de TODOS sem excepção) foi extremamente agradável. Pessoas simpáticas, afáveis, de trato fácil, as conversas fluiram sem rumo certo nem constrangimentos. A materialização da zumbisfera proporcionou-me, até agora, óptimos momentos de  grande descontracção.

A minha maior surpresa, no entanto, é a imagem que essas pessoas têm de mim, antes de nos conhecermos ao vivo. Nunca tinha pensado nisso mas, de uma forma geral, em comentários aqui na zumbisfera ou mesmo em conversa directa, apercebi-me que a minha pessoa virtual é algo desconfortável. No trato directo, valha-me isso, os meus amigos virtuais (agora reais) relaxaram ao perceber que não sou tão sombrio, azedo e violento como imaginavam. Ou, pelo menos, ao vivo não pareço sombrio, azedo nem violento.

Já o meu mestre Jorge Pinheiro, professor de pintura no meu último ano da ESBAL, me havia dito, há coisa de uns vinte e tal anos, que olhando os meus trabalhos ninguém imaginaria a minha pessoa. Não sei se é caso para me orgulhar se para me preocupar. O melhor é não pensar muito nisso, nem uma coisa nem outra. Mesmo a minha mãe, que não é pessoa muito interessada no fenómeno artístico (a menos que eu esteja ligado) me perguntou um dia, com algum cuidado, se havia algum trauma na minha infância que me levasse a produzir obra tão negra. O problema da minha mãe era saber se tanta monstruosidade poderia estar, de algum modo, relacionada com ela. Não, mãezinha, pode estar descansada, se alguma coisa eu pintasse por influência sua pintaria flores e passarinhos.

Não, isto é coisa pessoal, é entre mim e o mundo, uma velha luta, uma narrativa épica dentro da minha cabeça. "I'm the star of my own movie", como na canção dos Talking Heads. Não vale a pena tentar explicar o que explicado está na sua própria natureza.

Relendo o que atrás fica escrito tenho a sensação de estar ajoelhado no confessionário a bichanar os meus pecados ao ouvido preguiçoso do padre que eu não sou gajo de psiquiatrias nem coisas desse calibre. A verdade, verdadinha é que há muitos anos que dispenso os padres e falo directamente com o Big Boss. A maior parte das vezes falo com Ele quando desenho, quando escrevo e quando pinto. Talvez seja por isso que as coisas que faço ganham os contornos que têm: são orações ao Divino. Oxalá Ele exista e possa compreender-me.

Eu sei que este texto vai longo e não ajuda nada a desanuviar a minha tal imagem zumbisférica mas as coisas são o que são. Não há volta a dar-lhe. Mas prometo, caro leitor, que se nos encontrarmos um dia face a face serei o que costumo ser, no mundo real. Nem outra coisa seria de esperar.

(sorriso)

segunda-feira, julho 08, 2013

Rejeição abjeccionista

A bosta mole em que se transformou a vida (!?) política portuguesa nos dias mais recentes é coisa para nausear os estômagos mais calejados. Como sobreviver a tamanha sucessão de vilezas e putices, é algo que vou ter de treinar.

Perdi definitivamente qualquer réstea de respeito que pudesse obrigar-me a inventar em relação aos patetas que nos governam. Sinto a mais profunda abjecção em relação a esta gentalha enfatuada. Estes papa-hóstias, estes sabujos, cães-de-colo perfumados que lambem o cú e os tomates, como qualquer outro cão, como um cão vadio, estes mentirosos compulsivos, falsos, dissimulados, estes imbecis estão a destruir o que resta da frágil imagem da Democracia. Estes seres vivos são a ruína da Democracia, são os sacerdotes da democracia, com "d", a coisa nojenta em que sobrevivem.

A partir de hoje nunca mais irei referir-me a Portas, nem a Passos Coelho, nem ao palhaço-mor (já nem me dou ao trabalho de nomear o palhaço-mor). A partir de hoje estes insectos deixam de merecer o que quer que seja além de uma pisadela que os espalme no soalho e os reduza à sua dimensão rastejante e infecciosa.

Morram todos, morram, pim.