quarta-feira, julho 10, 2013

Confissão

Shark, shark night
colagem, 2013

Quiseram os deuses do acaso que, em tempos recentes, eu conhecesse pessoalmente várias pessoas com quem vou convivendo no espaço virtual, principalmente aqui, na zumbisfera dos blogues. A impressão com que fiquei de todos os zumbisféricos que contactei (de TODOS sem excepção) foi extremamente agradável. Pessoas simpáticas, afáveis, de trato fácil, as conversas fluiram sem rumo certo nem constrangimentos. A materialização da zumbisfera proporcionou-me, até agora, óptimos momentos de  grande descontracção.

A minha maior surpresa, no entanto, é a imagem que essas pessoas têm de mim, antes de nos conhecermos ao vivo. Nunca tinha pensado nisso mas, de uma forma geral, em comentários aqui na zumbisfera ou mesmo em conversa directa, apercebi-me que a minha pessoa virtual é algo desconfortável. No trato directo, valha-me isso, os meus amigos virtuais (agora reais) relaxaram ao perceber que não sou tão sombrio, azedo e violento como imaginavam. Ou, pelo menos, ao vivo não pareço sombrio, azedo nem violento.

Já o meu mestre Jorge Pinheiro, professor de pintura no meu último ano da ESBAL, me havia dito, há coisa de uns vinte e tal anos, que olhando os meus trabalhos ninguém imaginaria a minha pessoa. Não sei se é caso para me orgulhar se para me preocupar. O melhor é não pensar muito nisso, nem uma coisa nem outra. Mesmo a minha mãe, que não é pessoa muito interessada no fenómeno artístico (a menos que eu esteja ligado) me perguntou um dia, com algum cuidado, se havia algum trauma na minha infância que me levasse a produzir obra tão negra. O problema da minha mãe era saber se tanta monstruosidade poderia estar, de algum modo, relacionada com ela. Não, mãezinha, pode estar descansada, se alguma coisa eu pintasse por influência sua pintaria flores e passarinhos.

Não, isto é coisa pessoal, é entre mim e o mundo, uma velha luta, uma narrativa épica dentro da minha cabeça. "I'm the star of my own movie", como na canção dos Talking Heads. Não vale a pena tentar explicar o que explicado está na sua própria natureza.

Relendo o que atrás fica escrito tenho a sensação de estar ajoelhado no confessionário a bichanar os meus pecados ao ouvido preguiçoso do padre que eu não sou gajo de psiquiatrias nem coisas desse calibre. A verdade, verdadinha é que há muitos anos que dispenso os padres e falo directamente com o Big Boss. A maior parte das vezes falo com Ele quando desenho, quando escrevo e quando pinto. Talvez seja por isso que as coisas que faço ganham os contornos que têm: são orações ao Divino. Oxalá Ele exista e possa compreender-me.

Eu sei que este texto vai longo e não ajuda nada a desanuviar a minha tal imagem zumbisférica mas as coisas são o que são. Não há volta a dar-lhe. Mas prometo, caro leitor, que se nos encontrarmos um dia face a face serei o que costumo ser, no mundo real. Nem outra coisa seria de esperar.

(sorriso)

9 comentários:

the dear Zé disse...

não sei não, ainda hoje, quando te vejo, guardo uma distância respeitosa, não vá o diabo tecê-las...

Silvares disse...

Zé, convém não confiar demasiado...

Ana Bailune disse...

Sabe, eu acho que todo mundo tem seu lado negro. De uma forma ou de outra, ele acaba saindo - através da arte, por exemplo.

João Menéres disse...

Cada um é como é.
Não vale a canseira de encontrar explicações.
Seo seu género de Pintura é o seu género e o deixa feliz, para que pintar as tais florinhas e os passarinhos cor de rosa ?

Masque a sua pintura é pesada, quanto a isso, não duvide, RUI...

Obrigado pela parte que me caberá na simpatia das palavras acerca dos novos zumbis que passaram ao real.

Grande abraço ( e não é maior, porque estou aflito com a falta de tempo...).

Anónimo disse...

Rui,

não é só sua arte escura, povoada de gente feia, e formas estranhas que forma sua imagem pessoal. No princípio sua desconfiança em mostrar seu verdadeiro rosto jovem e sorridente. Optou por um personagem sombrio como sua arte. Outro componente importante é seu tom ácido, crítico e às vezes pessimista em seus comentários e textos. Tudo isso só pode levar a uma imagem que, digo agora, não corresponde absolutamente à verdadeira. Quanto as características " escura, povoada de gente feia, e formas estranhas " da sua arte, pintura, desenho e colagem, não tira o seu valor artístico. Muito pelo contrário. É um trabalho coerente, profundo, e com muita personalidade. A obra de arte não é para embelezar as salas, combinar com o tecido dos sofás, e das cortinas. Graças a deus sua mãe não teve influência na sua obra. Caso tivesse tido, o resultado seria desastroso: " flores e passarinhos" seriam um desastre. Sua obra é uma visão inteligente e consciente do mundo que vivemos. Uma linguagem pessoal e muito característica. Ela ficará como denúncia e crônica dos tempos. Nós passaremos. Pouco importa o que pensávamos do autor, do artista.

rui sousa disse...

O poeta é um fingidor.

luísM disse...

Ó Silvares é da época em que cresceste: um bocadinho do final da época do Estado Novo, muito punK do duro e a comodidade de vestir cores mais ou menos neutras e escuras que condizem com a tinta da china e pingos estranhos sem convite. Considera isso como dois percursos paralelos, que apenas quando estão juntos fazem um certo sentido. E o preto simboliza várias coisas, não exatamente coincidentes.

Mas não te esqueças do teu mau feitio, quando rebentas com o adversário, quer dizer, se não houver tempo para travar. Ora pensa lá, por exemplo, numa nossa conhecida; uma vez contiveste-te, mas noutra deves ter-lhe feito uma tesoura, da qual, penso, ela nunca recuperou.

Isto para não falar do Dear Zé, o qual ainda vive no trauma de te ter encontrado numa esquina qualquer... Faz quantos anos?!

Anónimo disse...

de perto ninguém é normal!
madoka

Silvares disse...

Meus caros, estive alguns dias longe de computadores e do 100 Cabeças. Hoje, ao ler estes comentários, dei por mim a sorrir. Afinal toda a escuridão tem um lado luminoso (o outro lado). Nem melhor nem pior, apenas diferente.
:-)
Grato pelos comentários.