terça-feira, setembro 25, 2012

A lição da amêijoa

Vejo a publicidade de uma cadeia de supermercados que anuncia, óptimo negócio a preço convidativo, a oferta de um produto exótico: a amêijoa vietnamita. Dá que pensar, a mera existência de semelhante possibilidade de negócio, ao alcance de qualquer cidadão, mesmo daquele que tenha o pé quase descalço.

Trata-se de um produto surpreendentemente barato e vem de tão longe... a amêijoa da Ria Formosa, que vem já dali, que tem de percorrer uns míseros quilómetros em território luso, é tão mais cara! Como pode isto acontecer?

Fenómenos da globalização que qualquer economista de pacotilha ou merceeiro que comercialize bivalves decerto me explicaria com rapidez e eficácia graças a um especialíssimo olho de falcão negociante.

Eu, mero consumidor, ignorante destas maravilhas planetárias, espanto-me, simplesmente, e olho o fenómeno como se observasse uma aparição milagrosa da Virgem Maria no tabuleiro da ponte em hora de ponta.

Ainda há pouquinhas décadas atrás, as amêijoas vietnamitas eram tostadas a fogo de napalm, cuspido dos céus pelos nossos aliados americanos. Naquele tempo os comunistas combatiam os meus irmãos capitalistas com uma ferocidade digna do mais tremendo dos dragões numa das guerras mais sangrentas que a memória do século XX registou a contragosto.

Eram dois mundos de tal forma antagónicos, pareciam tão irremediavelmente apartados e, agora, isto. O Vietname é hoje um dócil destino turístico, o professor Henrique Calisto foi, durante alguns anos, treinador da sua selecção nacional de futebol e andamos a comer amêijoas à Bulhão Pato nadas e criadas em pleno território vietnamita!

Tanta morte, tanto ódio, tanta angústia, tanto desvario animalesco para agora termos na travessa de alumínio a apetitosa amêijoa vietnamita. Os antigos camaradas vietcong também têm o direito a sonhar com um écrã LCD e um carrito que queime gasolina. O capitalismo triunfou, de facto?

Ainda não acabei de escrever a frase anterior e já me sinto tentado a concluir que as guerras só se ganham (ou perdem) depois de muito bem assente a poeira levantada pela última bomba.

3 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

Muito bem observado e dito. Tanta coisa para acabarmos na ameijoa que, diga-se de passagem, é de qualidade inferior, mas come-se.

Silvares disse...

Jorge, a boa confecção disfarça a fraca qualidade...

Jorge Pinheiro disse...

Sem dúvida. É o caso.