Tinham aquele ar de jovialidade e energia positiva que dá uma expressão meio atolambada aos corpos com aparência de serem adultos. Traziam afivelada nas beiças uma coisa que, não sendo propriamente um sorriso, é mais um esgar que permite imaginar uma vaga possibilidade de alegria. Uma alegria contida.
Na verdade e lá no fundo, ninguém queria estar ali. Dentro das suas cabeças, todos estão algures, lá fora, longe daquele lugar enfadonho. Eu, como eles, mas sem sorriso, porque sou o gajo foleiro que está a reparar nos outros.
Talvez lhes inveje o esgar apatetado, talvez eles desconfiem deste tipo, aqui, sentado a um canto, a olhar em volta com cara de quem tem alguma coisa a haver deste mundo que se recusa a pagar-lhe a dívida e a escrever furiosamente sobre um caderno quadriculado com um marcador preto de ponta demasiado larga para escrever.
O relógio vai marcando a passagem do tempo. Da parte que me toca não quero oferecer nem perder um minuto que seja daquilo que sei ser o meu dever de trabalhador contratado. É uma ética profissional ajustada ao minuto, afinada ao segundo. Em questões de pontualidade acredito no mito britânico.
Fico a pensar se a Ética, sendo um Valor universal, pode depender assim do tempo de trabalho, do lugar onde me encontro ou se esses factores espaço-temporais são irrelevantes. Penso se não será eticamente reprovável eu estar aqui sentado, a ouvir AC/DC tão alto nos auscultadores que do exterior não me chega nenhum som, enquanto vou escrevendo palavra atrás de palavra como se não houvesse amanhã.
Os outros lá continuam com os seus sorrisos de meninos. Parecem felizes mas, talvez porque não ouço patavina do que dizem, vejo-os impacientes e ansiosos por sair dali para fora. Talvez estejam a dizer coisas engraçadas, pela sua linguagem corporal, não apostaria nisso nem um cêntimo.
Chego ao fim da página. Está na hora. De súbito surge-me a dúvida: estarão eles a pensar que sou um pateta, de ar atolambado, com uns auscultadores enfiados nos ouvidos como facas sonoras, armado em esperto, a escrever só para me armar ao pingarelho? Era bem feito que pensassem assim.
4 comentários:
Normalmente diria que "há dias assim". A questão é que eu tenho a sensação que todos podem ter essas mesma sensação. E a ser assim, somos todos ilhas num oceano de incompreensão.
comentário tbm perfeito...
"Nunca substime a força de pessoas estúpidas em grande grupo"
Jorge, o mundo é um imenso arquipélago cujos habitantes desconhecem a técnica (simples) da navegação.
Beto, os comentários fazem sempre a gente pensar.
Eduardo,
Eduardo, a frase dá que pensar.
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