É curiosa (mais) esta polémica com a igreja católica a propósito do mais recente livro de José Rodrigues dos Santos. No P2 deste sábado, no artigo assinado por Natália Faria, tenta-se enquadrar a polémica apresentando argumentos de vários dos polemistas. Chamou-me a atenção a passagem que diz que «ao padre Anselmo Borges não custa admitir que a Igreja “deve formar melhor os seus fiéis e promover um maior esclarecimento sobre a figura de Jesus Cristo”.»
Parece-me que o problema (se é que isto pode ser considerado um problema) é que a igreja católica encara os seus fiéis sob a figura, não tão metafórica quanto isso, de um rebanho. O padre é um pastor e todos sabemos que o pastor não explica às suas ovelhas as qualidades nutricionais das ervas que elas pastam pacientemente e em silêncio, com mais prazer do que volúpia. O problema (se é que isto pode ser considerado um problema) é que a educação católica ensina a não questionar as “verdades” porque questioná-las é um pecado e indicia ausência de Fé. A Fé dos católicos é sinónimo de crença total e entrega absoluta.
A Fé não se explica, ela é alimento para a alma dos católicos tal como a tenra erva é alimento para as dóceis ovelhinhas e é esta Fé que permite a existência pacífica de Deus. Sem Fé a existência de Deus pode transformar-se num problema de contornos monstruosos. Bastará olhar com um mínimo de atenção para o Homem, que se diz criado à Sua imagem e semelhança. Qualquer postura que questione a Fé põe em causa os fundamentos básicos da religião católica cujos pilares assentam na infalibilidade dos dogmas tão ferozmente defendidos ao longo dos séculos, nomeadamente desde a cisão protestante.
Coisas tão prosaicas quanto este livro de José Rodrigues dos Santos fazem vacilar os pilares dogmáticos do catolicismo, humanizam as ovelhas e os seres humanos contemporâneos não simpatizam muito com a ideia de que fazem parte de um rebanho, pelo menos em teoria. A igreja católica lida muito melhor com balidos de ovelhas que com vozearia humana. Parece-me que à igreja custa admitir que são os seus fiéis que a constroem e que não é ela a construir a identidade individual desses fiéis. A ignorância sempre foi o combustível principal da chama que anima a Fé católica. Substituí-la pelo conhecimento poderá equivaler a deitar água na fogueira.
Talvez por isso, de cada vez que há um livro, um filme ou uma figura pública que ponham em causa os seus dogmas, a igreja católica sai a terreiro com quatro pedras em cada mão, disfarçada de David perante pobres Golias que de gigantes têm muito pouco e desata a apedrejá-los até estes ficarem de joelhos, pedindo perdão por um crime que não cometeram. Sim, porque questionar dogmas tão estapafúrdios quanto a virgindade de Maria ou o carácter divino de um homem simples não pode ser considerado crime digno de lapidação pública como a que se está a tentar fazer a José Rodrigues dos Santos. Deixem lá o homem escrever o que muito bem entende. Se é mentira porque ficam tão excitados? Deus haverá de o castigar, não acham?
(carta enviada à directora do jornal Público)
Nota final: Não li este nem nenhum outro livro do autor citado e, muito sinceramente, não tenciono vir a fazê-lo.
5 comentários:
se a fé se questionasse, deixava de ser fé, crença, acreditar absolutamente.
se as ovelhas pensassem, deixavam de ser ovelhas.
se o J.R. dos Santos escrevesse bem. deixava de ser o J.R. dos Santos.
se eu fosse ler este livro, é porque estava maluco. porquê? por falta de fé nas qualidades de escritor.
cá está, é uma questão de fé...
se o J.R. dos Santos deveria ser apedrejado? inquestionavelmente, mas pela forma como escreve.
Ahahahahah, rio-me com vontade após a leitura deste comentário (e ri-me durante).
Inteiramente de acordo com o comentário. O homem escreve mal. Qt ao fundo da questão colocada no post,faz-me imensa confusão que as religiões considerem que depois de morto é que se está bem... E se te portares bem vais para o céu, tipo podes comer a sobremesa. Uma sociedade que acenta nisto, ainda não cresceu. É natural que sendo uma coisa sem pés nem cabeça, as religiões amuem com quem lhes quer estragar o negócio.
Sinceramente nunca li nenhum livro do Tal dos Santos. Aliás, nem sequer me lembro do último que li. No entanto não me importava de ler se alguém me oferecesse algum. A minha pensão de reforma mal dá para o chope-chope, quanto mais para livros.
Quem sabe se na paróquia cá do burgo, não existirá uma biblioteca...
Saudações do Zé Marreta.
Jorge, muito sinceramente, acho que mereço ir para o céu. Dizem que o azul me fica bem.
Amigo Marreta, nos tempos que correm rara é a paróquia que não tenha biblioteca. Valha-nos isso (já que pouco mais nos vale).
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