A Europa precisa de uma narrativa comum que contribua para o despertar de uma consciência colectiva dos diferentes povos que a compõem. Uma narrativa épica que faça sentido e nos permita voltar a sonhar. Precisamos de qualquer coisa de utópico, uma narrativa plena de ideais humanistas que nos permita recuperar o orgulho de ser europeus. Precisamos de uma narrativa à maneira das narrativas religiosas, que elegem uma personagem central e a elevam à categoria de divindade, rodeada de uma série de proféticas personagens secundárias. Precisamos de uma narrativa como as dos inventores dos nacionalismos oitocentistas que foram remexer os baús de memórias populares; lendas, mitos e personagens maravilhosas, ressuscitando velhos heróis, maquilhando-os de modernidade para fundarem os nacionalismos que hoje enxameiam o espaço europeu e impedem o nascimento de uma consciência comum aos habitantes deste continente.
Cada povo adora os respectivos santinhos e crê na sua teia particular de acontecimentos milagrosos que lhes permite ter orgulho naquilo que putativamente são. Os impérios sempre assentaram tanto na força quanto na fé, na sua capacidade de oferecer uma ilusão aos que neles vivem. O que tem a União Europeia para nos oferecer? Qual o sonho comum a todos os europeus? Actualmente a União Europeia é pouco mais que uma teia de burocratas sustentados por uma comandita de usurários a que se dá o nome, um tanto enigmático, de “mercados”. Nos últimos tempos a União comunica com os cidadãos através de uma linguagem exclusivamente económica. A heroína desta narrativa confusa é a Economia, uma espécie de divindade volúvel, vingativa e insaciável, mais apropriada para assustar as criancinhas que não querem comer a sopa do que para inspirar sonhos de grandeza humanista. E nós, europeus, portamo-nos como crianças obedientes e um tanto imbecis. Para aqui andamos, feitos baratas tontas, a esquecer o significado da palavra solidariedade e os fundamentos básicos da Democracia, a trocar direitos por deveres que aqui há uns anos atrás nem sequer nos passava pela cabeça aceitar.
Precisamos de um herói que nos inspire e faça renascer os nossos sonhos de grandeza. Precisamos de uma narrativa suficientemente global, que seja compreendida por todos os cidadãos, capaz de fazer que com ela nos identifiquemos. Mas, problema supremo: onde vamos nós desencantar essa personagem extraordinária? Que narrativa maravilhosa poderá unir os europeus em redor de um projecto civilizacional comum que tenha como base a Democracia e o Humanismo por fundamento? Após longa e aturada reflexão proponho que o herói seja Astérix. Tem a vantagem de ser uma personagem universal, apesar da sua origem gaulesa, compreensível para todos os escalões etários e há uma aventura desta personagem que poderá levar-nos a pensar sobre o que andamos para aqui a fazer, a tal narrativa luminosa e potencialmente unificadora. Falo de A Zaragata. Este livro genial dos geniais profetas Goscinny e Uderzo, deveria passar a ser leitura obrigatória para todas as crianças (e adultos) habitantes do território europeu. Impõe-se a vulgarização de uma hermenêutica de A Zaragata. Com urgência.
3 comentários:
Por Tutatis!
Excelente!
E que o céu não caia nas suas cabeças.
Fui ver na revista qual era o nome do personagem (ao lado) mestre em espalhar a cizânia...
'Tullius Detritus' !
Ficou ótimo!
Jorge, tanquiú.
Li, entre a aldeia gaulesa e a velha Europa fica o lugar de Nenhures...
:-)
O Detritus é um verdadeiro nojo.
:-(
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