sábado, novembro 22, 2025

Ter ou não ter

     Tenho opinião! Sim, essa questão não me é completamente estranha e, pensando um bocadinho, tenho opinião. Talvez não seja a mais informada ou a mais avisada mas é uma opinião sincera, na minha cabeça é uma verdade verdadeira. Juro...

    "Quem mais jura é quem mais mente" diz o dito. Teremos de considerar isto como sendo produto de algum tipo de pensamento merecedor de crédito? Talvez não, talvez não seja coisa para levar a sério. Não sei bem, não tenho opinião. Nem quero saber. Quero que se lixe!

quinta-feira, novembro 20, 2025

Rotina matinal

     

    Estou a fazer uma pintura. Começou por ser uma imagem única à qual resolvi acrescentar outras duas, laterais, com as mesmas dimensões da primeira: 100X70cm. O título, "My Sweet Lord". No "painel" central há uma luz que irradia do  alto, sugerindo uma forma cónica ou triangular, luz essa que anuncia actividade divina que se desenrola fora do campo de visão do observador. O que se passa ali, no alto? Não sei, não estou a ver.

    Todas as manhãs olho e observo a pintura durante, pelo menos, meia hora. Tenho uma passadeira com um ângulo de visão aproximado ao desta foto e caminho uns quantos quilómetros a olhar o, agora, tríptico. Surpreendo-me sempre que exerço esta actividade, surpreende-me a forma como o tempo se expande enquanto caminho, olho e sonho. Passo tempo de qualidade comigo próprio.

    Estas caminhadas contemplativas têm qualidades transformadoras que não consigo explicar (nem carecem de explicação), basta-me usufruir da coisa. Todas as manhãs. O dia que segue corre bem.

domingo, novembro 16, 2025

Lutas, jogos e esquinas

     Uma das coisas que gosto de fazer é deixar comentários nas caixas do jornal Público online. A maior parte das vezes fico com a sensação de quem ninguém leu ou, pelo menos, deu atenção ao que opinei. Deixar aqueles comentários é como tegar paredes ou mijar nas esquinas à maneira de cães e gatos. E eu opino, eu cago, eu mijo. Porque posso. 

    Deixo aqui alguns desses comentários. Descontextualizados ganham dimensões porventura inesperadas:

    O texto sintetiza o problema com clareza. Temo que a luta entre os educadores e as máquinas esteja a ser perdida pelos seres humanos. Em breve assistiremos aos resultados dessa luta. 

    Ora aqui está um belo motivo de reflexão para aqueles que andam para aí a ronronar que não faz sentido falar em luta de classes. Faz lá agora! Isso de renomear os trabalhadores como "colaboradores" é uma das coisas mais patéticas que o capitalismo já ensaiou mas que vai fazendo o seu caminho sem problemas de maior nos meios de comunicação social que, como todos sabemos, estão ao serviço da esquerda. 

    Estranha situação em que todos parecem querer atingir o mesmo fim e nada de concreto acontece. No meio desta teia complicada alguém está a falhar ou a querer falhar. 

    Pronto, não é preciso ficarmos assim, foi só um jogo de futebol. Roí a unha do indicador direito à espera que o Félix fosse lavar o cabelo, não estava era a contar que o senhor do côco perdesse as estribeiras. Apesar de tudo, um gajo está sempre à espera de um rasgo individual de um golito, de um milagre, qualquer coisa só que hoje... nada. Nadinha. Népias. É assim mesmo. Amanhã estará tudo bem outra vez.

    E por aí abaixo, como uma cascata a bater nas rochas com vontade de as transformar em seixos, em areia, em nada. 

quinta-feira, novembro 13, 2025

Sonhar

     Sonho. Sonho com o passado, imagino futuros, o presente esgueira-se, desliza como uma enguia... talvez mais como moreia ou tubarão martelo. Foge-me com uma facilidade aterradora mas não me tira o sono; e eu sonho. Sempre que acordo sei que sonhei mas não consigo recordar nada, não recordo nadinha. Népias. São assim os meus sonhos: recordações absolutamente vazias, coisas que sei que aconteceram mas que não faço a mínima ideia de qual foi o seu aspecto. Não é doença mas também, sempre te digo, não contribui grandemente para melhorar a minha saúde. No entanto eu sonho.

segunda-feira, novembro 10, 2025

Sombras frias mais adiante

     A questão não é "se", a questão é "quando"? Quando acabará o "mundo" tal como o conhecemos. A nossa civilização é insustentável, o colapso acontecerá. Inevitavelmente. Posto isto, Deus não me parece assim tão grande.

    Todos os grunhos, todos os vilões, os ditadores, os exploradores, os maiores cabrões, todos perecerão lado a lado com os tótós, os bonzinhos, os torturados e os explorados. É tudo farinha do mesmo saco!

    Por vezes ponho-me a pensar no que fariam os habitantes de Pompeia no minuto anterior ao início da fatal erupção vulcânica. Grandiosidade, banalidade, alegria, tristeza, honestidade e roubalheira, tudo levado, tudo queimado, ultrajado e soterrado por toneladas de calhaus, cinza e lava ardente. Ainda hoje andamos a desenterrar memórias então perdidas. 

    A questão não é "se", a questão é "como". Como irá acontecer? 

sábado, novembro 08, 2025

Turbulência

     Eram apenas bonecos mas existiam no caderno, no mundo do caderno eram coisas reais. Os bonecos existiam realmente no interior do caderno embora estivessem limitados à página onde foram desenhados. Mas existiam. Os bonecos. Eram verdadeiros, dentro do caderno, existiam. Eram coisas reais.

quinta-feira, novembro 06, 2025

Construtor

     Olhar para trás pode causar um torcicolo. Quando tentamos recordar o passado estamos a arriscar um torcicolo na memória (ia escrever "na alma" mas mudei de ideias quando martelei as teclas). Talvez seja por isso que costumamos ajeitar as memórias à imagem que fazemos de nós próprios, pintamos um passado bem mais bonitinho do que ele terá sido. 

    Será que essa atitude auto-complacente altera, de facto, o  tempo que ficou para trás? Ou, se ficou para trás, o tempo é imutável? O tempo desloca-se agarrado aos nossos pés, como se fosse uma sombra? Isso explicaria a atitude de Peter Pan, a tentar recuperar a sua sombra, Peter Pan a ser um menino para sempre.

    Correndo o risco de provocar à minha alma um torcicolo olho para trás mas dou com o nariz num denso nevoeiro. Não consigo andar em direcção ao passado, fico ali assim, especado, a tentar vislumbrar alguma coisa. Não é fácil. De vez em quando percebo um corpo em movimento, adivinho uma silhueta. Se, por acaso, alguma coisa se aproxima de mim ao ponto de se tornar visível depressa avalio da necessidade de a ver com clareza ou ser melhor fechar os olhos. Construo a minha história.

domingo, novembro 02, 2025

Resumindo seis décadas (e uns trocos)

     Estive demasiado ocupado a viver ou a tentar viver, não tive tempo para a Arte. Ser artista foi coisa que restou, suspensa, na borda do prato. Ainda hoje não sei se a coma se a deite no caixote do lixo da minha história pessoal. 

    Estive demasiado ocupado a perseguir quimeras, fadas, sonhos, a tentar dia após dia fugir deste mundo em direcção a outro. Qualquer outro. A minha falta de critério levou-me a sítios horrendos na maior parte das vezes mas também tive a sorte de vislumbrar um ou outro paraíso. Unicórnios nunca encontrei. Bruxas? Muitas.

    Uma noite houve uma bruxa francesa com aquele característico cheiro adocicado a suor que me disse que eu era (sou) um monge que falhou a vocação. Naquela época eu carregava forte e feio no álcool e quando tive essa interacção com a dita bruxa devia estar já bem aviado. Mas a frase ficou e a ideia regressa de vez em quando para me relembrar o passado.

    Numa outra ocasião houve um gajo intratável com quem partilhei uma sala de trabalho numa casa onde arrendávamos quartos separados a uma senhora decadente, um gajo, dizia, que me apresentou a alguém (impossível lembrar-me a quem) dizendo: este gajo é um génio com quem partilho casa. "Um génio"!? Uau, nunca me esqueci dessa situação. Esse gajo (vão 4 gajos neste parágrafo embora, na realidade, sejam apenas dois) é a única pessoa, que me lembre, com a qual deixei de falar por completo. A única pessoa com quem cortei relações de forma abrupta e consciente. Até hoje, já lá vão uns bons trinta anos.

    Estive demasiado tempo ocupado a tentar não enlouquecer, a tentar não me afundar na filha-da-putice. Nem sempre tive sucesso mas as mazelas são quase nenhumas e os danos permanentes quase não se notam. Hoje imagino-me feliz.