quarta-feira, setembro 24, 2025

Um momento

     Talvez não tivesse tomado a melhor opção. Talvez pudesse ter evitado aquilo. Talvez, talvez, talvez. Talvez fosse estúpido estar agora a lamentar-se. Deus ofereceu-lhe aquele coração de manteiga e ele não pôde rejeitá-lo. É o que é, o que sempre foi: um filho da mãe sensível como um Ursinho Carinhoso. Soube naquele momento que, a partir de agora, havia de carregar aquela cruz para o resto da vida.

    Mirou o sangue na sua mão esquerda. Sentia uma apatia tão grande ...! Era como se tivesse sido transformado em montanha, como se agora fosse a porra do cabrão do Adamastor. Precisava de pisgar-se dali para fora mas sentia as botas pregadas ao chão; não conseguia tirar os olhos da sua mão esquerda. Veio-lhe à memória a canção de Nick Cave, Red Right Hand, o que lhe provocou uma dolorosa convulsão na barriga, uma espécie de riso violentamente abafado pela mágoa. A mão vermelha era, afinal, a esquerda. 

    Pela janela entrava o canto de um pássaro. O ar estava fresco. Aquela manhã podia ter sido tranquila, um Domingo igual aos outros. Mas não, tudo acontecera inesperadamente e agora ali estava, a mão ensanguentada e uma tristeza tão grande no peito que parecia ter dentro dele uma ratazana ávida de liberdade. 

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