sexta-feira, outubro 27, 2023

Não desesperança

     Viajava na carruagem de metro razoavelmente vazia apesar da hora matinal. E pensou:

    "Não será o desespero a extinguir a nossa espécie. O desejo prevalece mesmo, mesmo até ao último suspiro. Enquanto houver desejo a luta da vida por si própria nunca irá esmorecer. Não há desespero que apague o desejo."

    As portas abriram-se sobre a plataforma da estação onde desejava sair. E saiu:

    "Ao contrário do que nos querem fazer crer, a simples existência basta bem para que sejamos humanos."

    Já sentado perante o café e o pão com queijo (sem manteiga) continuou a dialogar com os seus fantasmas:

    "A humanidade não se revela na angustiosa tarefa de inventar novas formas e justificações plausíveis para a velha compulsão consumista que nos trouxe até aqui, à beirinha do abismo. A humanidade é algo que repousa em cada um de nós esperando serenamente a sua oportunidade para ser ouvida."

    Já na rua, meio devorado pela cidade, despediu-se de si próprio. Era necessário vencer mais aquele dia.

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