Começa um ano novo e toda a gente desata a virar páginas. Imagino que as virem no sentido do fim da narrativa que estão a seguir, sim, porque podemos virar páginas voltando para trás. Da parte que me toca prefiro conceber a minha história numa única página. Uma página grande, imensa, toda riscada com um diagrama caótico e confuso, repleta de pequenos textos, desenhinhos, setas para cima e para baixo, espirais ascendentes, manchas indefinidas, eu sei lá, uma página que seja um mundo, o meu mundo.
Há dentro de mim discretos desejos que espreitam por detrás de vícios antigos, outros tentam não incomodar os meus sólidos e gordos preconceitos. Sinto o sopro de ténues possibilidades de mudança que, bem vistas as coisas, não dependem tanto da passagem do ano, antes vão brotando de uma passagem do tempo mais vasta, indiferentes às páginas do calendário, agarradas aos ponteiros de relógios pendurados nas paredes da minha imaginação.
Se a minha imaginação tem paredes é bom que lhes abra amplas janelas.
E pronto: cada dia uma página virada, cada promessa uma página a virar, cada mentira uma página rasgada. Imaginamos a nossa vida como se fosse um livro. Quando os livros desaparecerem por completo as vidas dos nossos descendentes serão muito diferentes. Decerto não haverá virar de página no final de cada ano, talvez nem haja nada para ser virado, talvez tudo se organize numa linha recta infinita, como a Recta dos Números. Ou talvez não.
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