quinta-feira, janeiro 02, 2020

O valor da coisa


Terá dito Picasso que a “a arte é uma mentira que nos ajuda a compreender a verdade”; li algures que esta frase célebre terá sido rematada com a afirmação: “na medida em que formos capazes de a compreender”. Vem isto a propósito da questiúncula levantada em torno de “A Linha do Mar”, obra de arte pública da autoria de Pedro Cabrita Reis, levantada do chão em Leça da Palmeira. 

Colocam-se duas reflexões interessantes: por um lado a distância entre mito e realidade na imagem do artista; por outro o processo de validação do objecto artístico e consequente valor monetário, temas apaixonantes se bem que dificilmente resolúveis. 

Subitamente há uma multidão que, apesar de não ligar patavina ao mundo das artes, tem opinião sobre o supostamente exagerado valor do objecto (250 mil euros mais IVA no caso vertente) embora não proponha um valor alternativo. 

Nota-se também algum cepticismo relativamente à competência artística do criador da obra, um dos nomes maiores da arte contemporânea portuguesa. 

Quando a questão gravita em torno de dinheiro todos têm uma opinião imediata que poderá basear-se, por comparação e, por exemplo, no preço do quilo de batatas ou no valor da grama de ouro (questão magistralmente exposta por Piero Manzoni na sua obra-prima de 1961 intitulada “Merda de Artista”). 

Voltando à citação de Picasso, à falta de melhor expressão que materialize a perplexidade provocada por tão complexa situação, sobra a palavra “vergonha”, que se vem tornando arma de arremesso dos néscios quando tentam expressar o espanto estupidificante que lhes é provocado pelo mundo que habitam.

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