sábado, junho 30, 2018

Arte e artistas

Muitos pretendem oferecer ao espectador comum a possibilidade de compreender o processo criativo de um artista. Tenta-se lá chegar de diferentes maneiras, seja o artista vivo ou morto. Com os vivos é sempre possível fazer uma entrevista, tentar pô-lo a explicar como lhe saem os objectos artísticos lá de dentro. Com os mortos, caso não haja registos escritos de declarações suas, a coisa fica mais complicada.

Não me parece que, perante um artista e a sua obra, seja objectivo fundamental tentar a compreensão do processo criativo que o anima. Na minha qualidade de espectador e fruidor do fenómeno artístico, parece-me mais interessante a relação que consigo estabelecer com o objecto e, por via dessa relação, talvez também com o artista.

Não se tenta compreender a magia. Ela acontece.

sexta-feira, junho 29, 2018

Fidelidade e Tranquilidade

Acreditar que o Mercado (o mercado financeiro) se auto-regula exige uma colossal dose de ingenuidade. Quem defende essa ideia ou tem interesses directos na exploração alheia e está à beira de ser um ladrão ou é um ladrão. Ou então é ingénuo, muito perto de idiota. O Mercado é uma besta voraz. É como a águia da fábula que acaba por comer as crias da coruja alegando não as ter reconhecido através da descrição que a mãe delas havia feito.

A companhia seguradora Fidelidade vendeu 2000 casas muitas delas com inquilinos lá dentro. Segundo a Lei deveria dar direito de preferência aos inquilinos. E a Fidelidade alega que cumpriu a Lei. O pormenor (e aqui se pode ver como funciona a auto-regulação do Mercado) é que a venda foi feita por atacado no valor de 425 milhões de euros. Ou seja, tens 425 milhões para comprares 2000 casas, entre as quais se encontra a tua? Não tens? Passa à frente pois há quem tenha.

A coisa fede. Agora entra-se no jogo da interpretação da Lei, pareceres de advogados, o rame-rame do costume mas já se percebeu como isto vai acabar.

O comprador foi o grupo Apollo, dono de outra seguradora, Tranquilidade de seu nome. A Fidelidade pertence aos chineses do grupo Fosun, a Tranquilidade pertence aos americanos do Apollo. Não é isto o Mercado em todo o seu esplendor? Os americanos comprometeram-se a dar preferência aos actuais inquilinos, como manda a Lei mas quem acredita que se meteram nisto para ganhar pouco dinheiro?

Fidelidade e Tranquilidade... poderia haver maior sonsice do que esta?

quinta-feira, junho 21, 2018

Sem título (arte contemporânea?)

Quem lambe botas acaba sempre a levar pontapés no focinho.

E não sei se não será bem feito...

sábado, junho 16, 2018

Notas para uma reflexão


Os professores perderam autoridade na sala de aula e os encarregados de educação perderam-na na sala de jantar. Há um desprezo generalizado pela experiência de vida, cada vez mais substituída pelo Google, esse oráculo infalível capaz de todas as respostas em fracções de segundo. Os velhos são descartáveis, são chatos e não encontram um lugar confortável na hierarquia social do mundo contemporâneo.

Por outro lado, a voracidade consumista alcandorou os putos à categoria de consumidores. Desde que são capazes de influenciar os hábitos de consumo passaram a ser levados a sério. Na maior parte das situações passaram a ser levados demasiado a sério. As sociedades actuais tendem a valorizar os designados direitos do consumidor em detrimento dos direitos de cidadania. São coisas diferentes e nem sempre compatíveis. Não é nada extraordinário ver putos a berrar porque sim, a falarem por cima dos pais, a reclamarem tudo e nada só porque lhes apetece. E porque podem. Educamos as criancinhas num vazio de valores que tudo relativiza. E os encarregados de educação, muitas vezes porque perderam o pé, encontram nos professores os bodes expiatórios perfeitos para diluírem as suas próprias insuficiências.

Vivemos na sociedade da casa dos segredos e dos brunos de carvalho; uma sociedade boçal, carente de valores que possam irmanar-nos. Perdemos a religião enquanto factor unificador e não fomos capazes de a substituir por nada. A Ética não faz sentido sem uma divindade capaz de castigar os maus e premiar os bons. Ficou o consumismo. O resultado é o que está à vista. Mais adiante nem daremos conta que já não somos livres. Nem nada que se pareça.

quarta-feira, junho 13, 2018

Novo Mundo




Conta-se que Cristóvão Colombo atracou nas costas do Novo Mundo convencido que teria chegado à Índia (daí ainda hoje chamarmos índios aos habitantes daquele imenso continente). Um erro tão grande que poderá meter impressão mas sabemos que a ignorância proporciona muitos momentos extraordinários.

O encontro entre Trump e Kim tem tudo para ser um desses momentos estranhos em que sabemos que chegámos a um lugar qualquer mas não sabemos que lugar é esse ou o que esperar a seguir.

A encenação é caricata. Não só pela configuração anatómica dos actores (os seus penteados fazem história) mas também pela forma desaustinada como costumam agir e comportar-se. Entre hoje e amanhã existe um espaço de tempo que tende para o infinito e, nessa eternidade, tudo pode acontecer, bem como o seu contrário.

Assim vai o nosso mundo.

terça-feira, junho 12, 2018

Sangue da cor do mijo

Há uma lufada de ar bafiento a percorrer este mundo onde nos encavalitamos uns nos outros. É um ar dos tempos, um "je ne sais quoi", uma atitude de prepotência descarada que os poderosos adoptam na maior das calmas e com uma naturalidade preocupante.

Nós, o povoléu, elegemos figurões para nos governarem. Uma vez alcandorados ao vértice da pirâmide, os eleitos passam a actuar como se lhes não aplicassem leis nem regras; constituem uma espécie de novíssima realeza, mas com sangue cor de mijo.

Estes governantes tratam-nos frequentemente como se fôssemos estúpidos ou, quando muito, como se fôssemos imbecis ou meros idiotas. Mentem-nos, desprezam-nos, ignoram-nos; nós, o povoléu, somos meros pormenores pitorescos nesta vida de fausto e grandiosidade mediática que é a existência dos príncipes com sangue cor de mijo.

Não há princípios, não há valores, imperam as folhas de cálculo. Os problemas são analisados à luz da economia, as ciências humanas são encaradas como se fossem bruxaria. Não tarda regressam as fogueiras na praça pública para queimar os incréus.

Democracia? Justiça social? Estado? Previdência?

Tem cuidado com o que dizes, cabisbaixo leitor, tem, até, muito cuidado com o que pensas! A realeza do sangue cor de mijo é mesquinha, traiçoeira e compraz-se com questiúnculas de merda desde que sirvam os seus propósitos que, quase sempre, não passam muito para da mera satisfação pessoal. Custe o que custar.

A nossas vidas são coisitas.

domingo, junho 10, 2018

Dia de Camões

De acordo com o calendário hoje é o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. É muita coisa para enfiocar num só dia mas fico sempre meio estonteado quando me apercebo que, no dia consagrado à portugalidade, prestamos homenagem a um poeta.

Não está em causa a grandeza da obra de Camões, ele foi um génio! Espanta-me que um povo que até há umas décadas era pouco mais que analfabeto e que, nos tempos que correm, é manco em termos de leitura, dedique tamanha reverência a um poeta.

Há muito para fazer até que o bom povo português esteja à altura da figura que hoje diz idolatrar, só não há vontade nem quem o faça.

Continuaremos, ano após ano, a prestar vassalagem a Camões até que um dia já ninguém se lembre bem de quem ele foi, muito menos do que ele fez, pensou e escreveu. Nesse dia Portugal cumprirá o seu destino.

O último a sair que apague a luz.

segunda-feira, junho 04, 2018

Morreu a senhora do 1.º esquerdo

Depois do Inverno da vida... puf, lá vamos. Com as pessoas não há cá a regeneração primaveril nem regressam os calores do estio. Temos direito a provar uma coisinha de cada vez e chega. Nada da alambazanços que a vida é como cozinha gourmet, criação de chef.

Ainda assim, é com a nossa assinatura individual que leva. Afinal de contas somos nós quem a vive, não é o vizinho do lado, que esse tem os seus próprios problemas; sonhos, pesadelos e pequenos-almoços.

A conversa vai meio parva. Não tenho coragem de cortar a direito para aquilo que estou a pensar. Custa-me dizê-lo, seja oralmente, seja por escrito. É a constatação de um certo óbvio horrendo que não valerá muito a pena estar a sublinhar com tinta fluorescente e a atirar para a frente dos teus olhos, camarada leitor.

Na verdade todas estas linhas são absolutamente inúteis... como tantas outras coisas.


domingo, junho 03, 2018

Pesadelo fôfo

Tudo treme. Abrem-se brechas enormes nas paredes. O telhado começa a ceder. Mas eu estou concentrado. Leio o meu livro, bebo o meu café, sinto os pés frios e isso preocupa-me. Não quero constipar-me.

Entretanto a casa desaba. Acabei de me levantar para ir buscar as pantufas.

sexta-feira, junho 01, 2018

Flashes macabros

O mundo teima em ser um lugar complicado, dá a sensação que tudo faz para se livrar da espécie humana, como um cão imenso que anseia livrar-se de multidões incontáveis de pulgas e carraças.

Não sei se sou pulga se carraça. Penso que sou mais pulga.

"Peixes grandes comem peixes pequenos", diz o ditado (penso que flamengo) magistralmente ilustrado por mestre Bruegel, o Velho. É uma imagem de indolente violência. Um homem agarra uma enorme navalha com que esventra um peixe gigantesco. Barriga e boca abertas deixam escorregar peixes mais pequenos que, das suas bocas, libertam outros num cenário delirante de morte.

A vida é uma guerra constante contra a morte, uma guerra infinita com vencedor anunciado. Um dia esta guerra irá terminar.