segunda-feira, junho 27, 2016

Momentos

A avestruz enterrou a cabeça nos meus olhos e ficou a pensar-me os pensamentos.

"Xô, sua puta!" pensei eu, mas ela fez de conta que não ouvia e por ali fez menção de continuar.

Abanei a testa, enfiei um dedo no ouvido e nada. A avestruz parecia ter vindo com intenção muito firme de ficar.

O medo dela a confundir-se com o meu receio de que o mundo pudesse transformar-se de súbito em areia seca, areia do deserto, areia quente, areia a escorrer na ampulheta ferrugenta que pretendia marcar o Tempo que teimava em não passar.

Assim passei o resto do dia, com uma avestruz enorme a enfeitar-me a testa, as suas penas graciosas a marcarem o compasso dos meus passos e as pessoas a fingirem que não viam, as pessoas a fingirem que não se passava nada de extraordinário.

Quando cheguei a casa reparei que havia um elefante no meio da sala. Lá consegui arrancar a avestruz depois de muita luta e atirá-la para o fundo da sanita. Descarreguei o autoclismo e ficou tudo entupido.

O elefante era simpático.

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