quarta-feira, junho 29, 2016

Numerologia

Os números servem para significar tudo e mais alguma coisa.

A vontade popular expressa em números, é a única forma conhecida de revelar ao mundo uma síntese daquilo que não se consegue explicar de outra maneira.

É como quando avaliamos um trabalho de Desenho: pegamos na capacidade técnica, na construção espacial, na eficácia (!?) da comunicação, etc. e esprememos tudo muito bem espremido e.. cai um numerozinho que passa a significar a qualidade do objecto. Como exercício de magia não está nada mal.

Contar votos e esperar que eles signifiquem algo concreto é outro exercício de fé na santidade dos números.

terça-feira, junho 28, 2016

Vontade popular

Até que ponto o resultado do referendo britânico reflecte a divisão entre um mundo urbano e cosmopolita e um mundo rural, menos formado nas visões que o Mundo oferece aos que para ele olham e nele viajam?

Até que ponto a elaboração de um discurso complexo, resultado da observação do mundo, que tenta reflectir sobre a sua variedade, um discurso construído no coração da cidade, vai perdendo consistência e clareza à medida que se desloca em direcção às periferias, até ser transformado no antiquíssimo "bar-bar", a linguagem que os gregos da antiguidade clássica atribuíam aos povos que lhes eram estranhos?

Em Democracia, o conhecimento e a ignorância equivalem-se no momento do voto, misturam-se e diluem-se na contagem dos boletins e acabam por ser uma e a mesma coisa quando são publicados os resultados da votação, expressando a vontade popular.

segunda-feira, junho 27, 2016

Momentos

A avestruz enterrou a cabeça nos meus olhos e ficou a pensar-me os pensamentos.

"Xô, sua puta!" pensei eu, mas ela fez de conta que não ouvia e por ali fez menção de continuar.

Abanei a testa, enfiei um dedo no ouvido e nada. A avestruz parecia ter vindo com intenção muito firme de ficar.

O medo dela a confundir-se com o meu receio de que o mundo pudesse transformar-se de súbito em areia seca, areia do deserto, areia quente, areia a escorrer na ampulheta ferrugenta que pretendia marcar o Tempo que teimava em não passar.

Assim passei o resto do dia, com uma avestruz enorme a enfeitar-me a testa, as suas penas graciosas a marcarem o compasso dos meus passos e as pessoas a fingirem que não viam, as pessoas a fingirem que não se passava nada de extraordinário.

Quando cheguei a casa reparei que havia um elefante no meio da sala. Lá consegui arrancar a avestruz depois de muita luta e atirá-la para o fundo da sanita. Descarreguei o autoclismo e ficou tudo entupido.

O elefante era simpático.

domingo, junho 26, 2016

O medo de Astérix

Aquilo que Astérix e os irredutíveis gauleses mais temiam está a acontecer a todos os europeus que habitam dentro das fronteiras da União: o céu está prestes a cair-nos nas cabeças.

Sou dos que acreditam que a União Europeia é a melhor forma de sonhar o Futuro. Os objectivos a alcançar estão distorcidos, a forma de construir a União tem sido mal orientada? Sim. Mas isso não significa que troquemos um sonho por um pesadelo.

Sou dos que acreditam que, longe de destruir o espaço comum em que vivemos, deveríamos reflectir sobre a forma de o refundar.

Sinto-me, de novo, um adolescente a viver o tempo do "no future".

quarta-feira, junho 22, 2016

Ausência de graça

Eu sei que não tem graça mas não consigo evitar um sorriso; mais, não consigo segurar o sorriso que me rebenta na face: largo uma gargalhada que cai sobre a senhora como uma bomba!

Ela, coitada, tenta recuperar a vertical um pouco torcida para a frente que levava antes de escorregar na casca de banana, tal qual um desenho animado, antes de ter volteado pelo ar, antes de ter aterrado com a violência de uma cagadela de gaivota no pára-brisas do meu carro.

Toda torcida procura recuperar os objectos espalhados no alcatrão: um molho de chaves, um batom, uma revista Caras, algumas moedas, a carteira, enfim, a mala, vazia, repousa estranha e só, lá mais para a frente, aos pés de um homem alto que parece uma girafa.

Isto não aconteceu mas não sei como aqui cheguei que raio de imaginação foi esta? Ainda por cima sei que isto não tem graça.

segunda-feira, junho 20, 2016

Europa


Ficar na Europa ou sair dela? A poucos dias do referendo no Reino Unido a questão faz tremer muita gente e deixa os mercados à beira de um esgotamento nervoso. Os lideres europeus clamam a importância de pertencer à Europa, de contribuir para o fortalecimento do projecto europeu, de fazer nossos os Valores da Europa. Pessoalmente, não poderia estar mais de acordo com os nossos queridos lideres mas… que projecto, que Valores, que Europa?

                Olhando para a União Europeia fico confuso; o que une todos estes povos, que força contribui para que possam sonhar com um futuro comum, que raio de coisa faz de nós “europeus”? É uma questão cultural? Resumir-se-á a uma matriz religiosa? Ser “europeu” é uma imposição dos mercados? Creio que quando o debate se desenvolve são as questões económicas que ganham protagonismo. Os Valores são muito bonitos mas não criam dinamismo empresarial, o cristianismo resume-se a uma ladainha para acalmar os rebanhos, aquilo que realmente mexe com as consciências parece ser o vil metal. Mais nada.

                O que une um eslovaco a um português, um húngaro a um espanhol, um sueco a um cipriota, um inglês a um irlandês do Norte? O que haverá em comum que possa unir todos estes cidadãos? Está visto que o Valor da solidariedade não serve, que o amor pelo próximo é coisa sem o mínimo sentido, que o estudo da cultura clássica se esgotou há séculos; o património imaterial europeu é olhado com desdém, é uma treta. Já se falarmos de património material a coisa pia mais fino. A Economia parece ser a cola que vai pegando as partes que constituem esta nossa Europa. Mas é uma cola produzida com a saliva dos lideres que discursam perante as câmaras de televisão e agem na sombra fresca dos gabinetes. Esta Europa está colada com cuspo.

                Ficar na Europa ou sair dela? Regredir para um estádio medieval ou encarar a possibilidade de uma imensa nação do futuro? Talvez a questão seja outra, talvez devamos perguntar: o que é a Europa? Parece que antes de ser a designação de um continente foi nome de uma princesa fenícia que despertou a gula de Zeus que se transformou em touro e a raptou (terá isto alguma coisa a ver com aquele touro em Wall Street?). Se conseguirmos responder a esta pergunta talvez depois possamos questionar os povos sobre a sua vontade de pertencer ou não ao que quer que isto seja. Enquanto procuramos a resposta, um referendo como o britânico não passa de uma anedota de muito mau gosto.


                

sexta-feira, junho 17, 2016

Fato

Um gajo acorda soterrado em pensamentos confusos até que regressa ao corpo que irá vestir durante o dia. Os primeiros momentos dentro deste fato podem ter aspectos variados; umas vezes desilude-nos, outras alivia-nos, pode ainda surpreender-nos estar tão largo ou apertado. O corpo é uma coisa potencialmente estranha.

quarta-feira, junho 15, 2016

Rua escura

A música não era boa, o cão cantava um bocado mal.
A chuva caía ao contrário, subia em direcção às nuvens.
Os carros estavam todos estranhamente parados.
As pessoas sorriam, traziam as respectivas caras parvas e iguaizinhas umas às outras.
Eu tinha a tua imagem na carteira mas tu não estavas ali.
Os prédios deslizavam, discretos nas suas fachadas lisas.
Se isto fosse um sonho havia de acordar encharcado e a gritar o teu nome no escuro.

segunda-feira, junho 13, 2016

Euro 2016

Decorre o campeonato da Europa em futebol. Joga-se em França, país em estado catatónico. Atentados terroristas, greves, cheias, o que mais poderia acontecer à nação gaulesa? Uma invasão de hooligans vindos de todos os cantos da Europa, era o que faltava para deprimir ainda mais os conterrâneos de Asterix.

Apesar dos arraiais de porrada a que temos assistido em várias cidades gaulesas confesso que vou marcando cada jogo que termina com uma cruzinha. Já foram jogados 8 de 50 e tal jogos e ainda não houve nenhum atentado, nenhuma bomba explodiu a não ser as bombas da cretinice, habituais nestas andanças.

Amanhã estreia-se a selecção portuguesa. Que tudo corra pelo melhor.

Vazio, vazio, vazio!

Há dias em que me apetece não me interessar por nada. São dias em que gostava de poder apagar os pensamentos como se passasse a borracha sobre um desenho desinteressante. Limpar a folha até não restar mais nada.

Hoje é um dia desses.

Não me apetece escrever isto. Não me apetece deixar de o fazer. Não me apetece pensar. Nada me apetece.

"Então porque carga de água haverei de estar a ler esta porcaria?" Pensas tu, paciente leitor: "Porque carga de água há-de este gajo de estar a escrever estas linhas?"

É necessária muita paciência para me aturar, reconheço, mas também sei que só me atura quem quer.

quarta-feira, junho 08, 2016

Novos líderes

Donald Trump será candidato à presidência dos Estados Unidos da América.

No Perú assiste-se a uma luta acesa entre dois candidatos, sendo que Keiko Fujimori é filha do ex-ditador que se encontra a cumprir uma pena de prisão efectiva de 25 anos. Keiko poderá vir a ser eleita caso a diferença de 47 mil votos que a separa de Pedro Pablo Kuczynski venha a ser superada quando todos os votos forem contados.

Outra disputa eleitoral acesa aconteceu entre um representante da extrema-direita austríaca e um antigo elemento do Partido dos Verdes que acabou por ser eleito presidente com uma margem de diferença tão magrinha como aquela que separa a menina Fujimori do seu adversário. América e Europa, as posições políticas extremam-se, radicalizam-se e os povos dividem-se ao meio, irmãmente.

Nas Filipinas foi eleito Rodrigo Duterte, um político agressivo mais semelhante a um justiceiro de bairro que a um Presidente de República tal como o imaginamos na Europa. Mas, como imaginamos nós um Presidente?

No Brasil, Dilma Roussef foi impedida de continuar a presidir aos destinos da nação num processo que, aos olhos de um europeu, teve aspectos incompreensíveis, destapando uma lei que parece ter sido elaborada por um grupo de crianças a inventarem um jogo de faz-de-conta.

Donald Trump é candidato à presidência dos Estados Unidos da América.

A lista de acontecimentos perigosos para a Humanidade poderia continuar por aí fora. Se observarmos com atenção, os casos expostos têm qualquer de comum, há um traço grosseiro que os une. Personagens tresloucadas (ecos de Hitler? Ecos de Staline?) emergem do meio da merda como se fossem anjos anunciadores do Apocalipse.

São lideres eleitos através de campanhas televisivas emitidas entre um anúncio da McDonald's e outro da Coca-cola, eleitos entre um cagalhão e um arroto. São líderes eleitos não para construir algo (que não sejam muros) mas sim mandatados para destruirem alguma coisa.

Assistimos sentados ao fim da Democracia.




segunda-feira, junho 06, 2016

Memória

Recordar é uma coisa, recordar com precisão, é outra; e bem diferente!

Recordar recuperando sensações, vislumbres, objectos incompreensíveis, coisas incompletas que geram emoções inacabadas, momentos escorregadios, odores descomprometidos, pêras, nuvens, um sorriso a fugir na esquina, recordar assim é uma coisa.

Pretender fixar com exactidão cirúrgica a ordem precisa dos factos ocorridos, é outra coisa. Muito diferente.

A memória é como uma criança malcriada.

domingo, junho 05, 2016

Dúvida existencial

Ter convicções pode tornar-se cansativo. Uma maçada! Talvez o melhor seja fechar os olhos, suspirar, atirar a cabeça para trás e deixar a indiferença a ocupar-lhe o lugar.

Incomodo-me de cada vez que sou levado a reconhecer que os meus inimigos até podem ter razão num ou outro ponto, por vezes um ou outro ponto muito importante. Que fazer nestas circunstâncias? Admitir a visão alheia? Rebater, mesmo que sem convicção? Foda-se esta merda.

Ser Humano é a coisa mais complicada com que um Ser Humano se debate. De momento essa é a minha única certeza.

Hoje não quero pensar mais nisso. 

sábado, junho 04, 2016

Pensamento matinal.

Hoje não trago pinturas dentro da cabeça. Sinto-me desorientado.

sexta-feira, junho 03, 2016

Pensamento vespertino

A imagem digital é uma espécie de suicídio da estética.
A banalização do clique fotográfico é uma espada de Dâmocles suspensa sobre o gracioso pescoço da beleza.
Longe vai o tempo em que cada fotografia era resultado de um mínimo de reflexão pois a revelação e ampliação do material fotografado custavam dinheiro.

quarta-feira, junho 01, 2016

Amarelices

Pode a educação ser um negócio? Sim, pode, tal como a produção e comercialização de carne de porco, a venda de indulgências ou o tráfico de estupefacientes. Tudo se pode produzir, colocar no mercado e ser passível de proporcionar lucros aos comerciantes. É uma questão de "olho para o negócio". Simplicíssimo.

Deve o Estado investir no negócio da educação? Alto e pára o baile! Num estado que se pretende democrático, o Estado não deve investir na educação enquanto negócio. Quem quiser arriscar uma tentativa de comercialização no campo da educação que o faça por sua própria conta e risco. Tal como fazem outros comerciantes e empresários, seja no campo da agropecuária, das drogas leves e pesadas ou no comércio dos favores divinos.

Num estado que se pretende democrático, as instâncias do poder têm outros deveres quando se trata de educação. Os amarelos que se lixem.