quarta-feira, março 11, 2015

Comboio em fuga

As pessoas tombam constantemente para dentro de pequeníssimos écrãs. Inclinadas sobre rectângulozinhos que seguram entre dedos ágeis e esguios concentram toda a sua atenção naquele pedacinho de universo que paira um palmo abaixo dos respectivos narizes.

Na carruagem são a maioria, a quase totalidade. Alguns dos adoradores do écrãzinho elevam-no ao nível dos olhos num gesto elegante que tem algo de litúrgico, fazem lembrar o padre e a hóstia.

Um ou outro velhote, um ou outro cidadão mais entrado nos anos que a vida tem para lhes cobrar não se curvam sobre o écrãzinho, não fogem por ali. Decerto escapam também pelos olhos mas fazem-no através das janelas, através da biqueira das botas, da biqueira dos sapatos, através do olhar lançado muito simplesmente no vazio mental.

Todos estamos concentrados, cada um na sua prisão. Todos queremos libertar-nos desta, todos correremos para dentro de outra. Somos um comboio em fuga.



1 comentário:

João Menéres disse...

Excelentes estas considerações, Rui !

Um abraço.