A solidão é um deserto enfiado no prato do almoço. Mesmo os feijões parecem desirmanados, estranhos que apenas se encontram quando enfiados na boca, mastigados e empurrados goela abaixo feitos papa. Aí sim, os feijões lá se entendem uns com os outros. Ás voltas no intestino já não há divergências, ciúmes, diz-que-disse, tentativas de burla, nada disso: ás voltas no intestino os feijões são todos irmãos.
A solidão é um deserto imenso (como todos os desertos) e é um deserto pequenino, como o prato vazio que espera o calor do almoço. A solidão, como o deserto, está rodeada de coisas por todos os lados. A solidão e o deserto são apenas ilhas no imenso arquipélago de silêncios e ausências em que se vai transformando a nossa existência.
A capacidade de verbalizar o que nos vai na mente pode não ser o suficiente para construir uma mensagem eficaz. As pessoas que falam e escrevem com dificuldade em concluir de forma clara uma ideia que preencha com eficácia os canais de comunicação, têm, muitas vezes, dificuldades em construir as ideias no próprio cérebro.
Ainda as ideias lhes dançam dentro do crânio e já lhes faltam peças. Quando saem para os ouvidos e os olhos do interlocutor, são já coisas disformes, muito diferentes das maravilhas pensadas. A distância entre o que se pensa e o que diz pode ser imensa... como um deserto. Muita gente se perde nessa distância e fica só. Como um único feijão no fundo do prato do almoço. Promessa de solidão e fome.
3 comentários:
Belo texto. Deserto, um feijão fome e solidão.
Grato pelas suas palavras e pelo exemplar de "Cidade Transparente" que acabo de receber em minha casa. Muitíssimo obrigado, caro Eduardo.
Silvares, fica me devendo uma crítica. Abçs
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