quinta-feira, janeiro 30, 2014
Momento introspectivo
Ensinar a desenhar é uma coisa divertida. É como fazer uma viagem com a diferença de que, no mundo real, quando viajamos para algum lugar, esse lugar, em princípio, existe e está lá, à nossa espera. No mundo do ensino do Desenho, o lugar para onde vamos ainda não existe; imaginamos que vá existindo, à medida que avançamos.
Um dos maiores desafios para não nos perdermos na floresta (por onde sempre temos de meter quando vamos em frente na aprendizagem das coisas do Desenho) é sermos capazes de verbalizar o que nos corre pela cabeça ao tentar explicar qualquer coisa ao jovem aluno. É como se fossemos construindo a estrada à medida que a vamos pisando.
Descobrir palavras capazes de dizer coisas que (ainda) não existem e que, mesmo depois de ditas, podem continuar a não significar nada que se compreenda, exige, mais do que imaginação, alguma inconsciência.
Sim, para ensinar Desenho não podemos ser completamente sãos da cabeça (pelo menos no sentido em que normalmente se aponta a sanidade mental característica de uma sociedade economicista que é o sermos pouco mais que um calhau com laivos de Humanidade) recomenda-se até uma certa dose de infantilidade e uma dose razoável de erudição visual.
Isso é fundamental porque, quando nos faltam as palavras e aquelas que inventamos se parecem demasiado com coisas banais, há sempre a possibilidade de recorrer a uma referência visual adequada à situação. E, com um computador por perto, o Santo Google fornece-nos todas as imagens com a velocidade instantânea de um dinossauro raptor.
Quando dou aulas de Desenho sinto-me frequentemente fora do tempo. Imagino que seja isto a Fonte da Juventude.
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pensamento profundíssimo
quarta-feira, janeiro 29, 2014
domingo, janeiro 26, 2014
Momento literário
Aos poucos fomos assentando as nossas ideias, revendo-as de trás para a frente durante umas semanas até chegarmos a um projecto final. "Forma e coerência - disse o mestre. - Estrutura, ritmo e surpresa."
Paul Auster in Mr. Vertigo
Forma e coerência. Estrutura, ritmo e surpresa... uma receita promissora para todo o aspirante a criador. Se Deus tivesse lido Mr. Vertigo talvez o mundo não fosse tão merdoso.
Paul Auster in Mr. Vertigo
Forma e coerência. Estrutura, ritmo e surpresa... uma receita promissora para todo o aspirante a criador. Se Deus tivesse lido Mr. Vertigo talvez o mundo não fosse tão merdoso.
sábado, janeiro 25, 2014
Partidos
O recente episódio da disciplina de voto dos representantes do PSD no
Parlamento causou algum estrondo na opinião pública mas é bom notar que, longe
de ser um caso isolado, é apenas mais um capítulo na longa telenovela da
história da nossa Assembleia da República. Uma telenovela com argumento de faca
e alguidar e um casting cada vez mais
miserável.
Ao longo dos anos os grupos parlamentares têm oferecido espectáculos
deste nível a todos nós sem que ninguém mexa uma palha para fazer cumprir a lei
que os próprios deputados desrespeitam. A disciplina de voto no Parlamento é
uma aberração democrática e uma alarvidade partidária. Os deputados que a ela
se sujeitam deixam de merecer a confiança de quem os elegeu e mostram que o
número de cadeiras no Parlamento à disposição dos aparelhos partidários é, pelo
menos, exagerado.
Pessoalmente,
o que me preocupa é que se estes tipos se comportam assim à vista de toda a
gente como serão na intimidade e aconchego das respectivas sedes partidárias? Se
perante o país os deputados mostram que a sua liberdade de opinião não vale um
chavo tenho dificuldades em imaginar o que será uma reunião para decidir os
representantes do partido nas listas seja para que eleição for. Será como
escolher cabeças de gado manso para o redil parlamentar?
O sistema
partidário, tal como funciona, é um entrave à Democracia. A opacidade das
decisões políticas, as negociatas feitas à descarada, o evidente aproveitamento
da coisa pública por aqueles que dela deviam zelar sem que isso lhes traga o
mínimo amargo de boca, a sensação que o Zé Povo tem de estar a ser
constantemente roubado e enganado, deveriam fazer pensar os responsáveis pelos
partidos e levá-los a tentar inventar alguma coisa que inverta a actual
situação. Caso contrário, talvez a próxima Revolução seja contra eles.
quarta-feira, janeiro 22, 2014
Aparição
Rodou os olhos para fora da janela. Parecia estupidificada, sem compreender o que fazia ali, como se regressasse ao mundo dos vivos após uma breve estadia no Além. Exalava tristeza por todos os poros ao ponto de criar uma névoa breve que lhe envolvia a expressão facial.
Escrevi estas palavras no meu bloco de notas e, quando olhei de novo, a senhora já lá não estava. Desaparecera do mesmo modo que surgira, num silêncio sepulcral. Fiquei a duvidar dos meus sentidos.
domingo, janeiro 19, 2014
Transparência
Foto de João Menéres retirada daqui
Disse o Jorge Pinheiro que "Cidade Transparente", o mais recente livro de Eduardo Lunardelli, se lê de um fôlego. Eu li em dois.
De início pensei estar a mergulhar nas memórias de Eduardo. Depois percebi que não era bem assim, que os diferentes textos/capítulos do livro me levavam numa espécie de comboio a viajar numa montanha russa. Tão depressa estava lá em cima como a seguir era levado encosta abaixo em grande velocidade. De repente parava. Logo a seguir recomeçava a viagem.
Há histórias sem Eduardo, outras com ele mesmo e outras ainda talvez o tenham por lá, mais ou menos escondido, mais ou menos revelado.
Em Paraty encontrei-me a mim próprio, quase quase personagem ficcionada, a olhar em frente ao lado de Picasso com quem Eduardo conversara. No final visitei a Cidade Transparente, esse lugar extrordinário que haverá de acabar por ser de insuportável transparência.
Para terminar este post quero agradecer a Eduardo ter-me oferecido esta viagem, coisa que apenas um amigo poderia oferecer.
Obrigado Eduardo.
sexta-feira, janeiro 17, 2014
Constatação
Por vezes sinto vergonha de ser português. Noutras ocasiões sou invadido por um orgulho tremendo pelo simples facto de fazer parte deste povo. Ser português é uma esquizofrenia cavalgante.
Imagino que esta bipolaridade não seja um exclusivo do povinho cá da terra. Todo o ser humano haverá de balançar entre o aperto no coração e a largueza do espírito. Tem dias.
Uma coisa começo a notar: são os engravatados, os doutores, os espertos e outras bestas do género que me envenenam o peito. Os mais burgêssos, os simplórios, os que falam "achim" e "dijem" "coijas" banais são os que me fazem sentir mais próximo de uma humanidade que anseio seja a minha.
Sou gajo de tasca (das antigas, sujas e a cheirar a vinho a martelo, não destas limpinhas e cheias de tiques que agora ostentam "tasca" no nome e cobram caro pelo mais singelo chouriço); muitos talheres e vários copos sobre a mesa coberta com toalha de pano fazem-me tremer a merda das pernas.
segunda-feira, janeiro 13, 2014
Uma pessoa
Pelo olhar percebia-se logo que era uma pessoa muito grande enfiada num corpo pequenino. Ainda por cima era um corpo mal acabado, como se a Natureza estivesse apressada ou bêbeda no dia em que aquela pessoa extraordinária viu pela primeira vez a luz que ilumina este mundo.
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personagens (reais ou nem por isso)
domingo, janeiro 12, 2014
Elegia
Eusébio,
Tusébio,
Elesébio,
Nósèbio,
Vósèbio,
Eles aproveitam-se da tua imagem de um modo que até mete nojo. Roubam-te, vendem-te, dão-te lustro, empacotam-te, mandam-te para o Panteão, exibem-te na lapela em forma de lamento. Não imagino coisa mais feia que fazer se possa.
Tusébio,
Elesébio,
Nósèbio,
Vósèbio,
Eles aproveitam-se da tua imagem de um modo que até mete nojo. Roubam-te, vendem-te, dão-te lustro, empacotam-te, mandam-te para o Panteão, exibem-te na lapela em forma de lamento. Não imagino coisa mais feia que fazer se possa.
sábado, janeiro 11, 2014
A moldura
Nunca fui grande admirador da pintura de Renoir. Nem quando a conhecia apenas através de fotografias, bastante menos, ainda, depois de ter visto ao vivo umas quantas obras do grande mestre francês. Parece-me uma coisa pesada, sofrida, um tanto forçada. Mas é a minha opinião pessoal que vale o que vale.
Serve este introito para chamar a atenção do delicado leitor para o episódio rocambolesco do "pequeno" Renoir desaparecido que foi comprado por uma senhora americana numa feira da ladra por 7 dólares entre outros objectos (ler aqui a interessante notícia com links para outras narrativas relacionadas com o episódio).
Não pretendo reflectir sobre a questão legal que se desencadeou quando a senhora tentou vender a obra em leilão e o Museu de Arte de Baltimore veio reclamar a posse legal da pinturinha que havia sido roubada em 1951. O Museu acabou por reaver a coisa. O que me chamou a atenção nesta historieta foi a razão que levou a tal senhora a adquirir a obra.
A senhora comprou a pintura porque gostou da moldura. O facto de ter uma plaquinha com o nome de Renoir não lhe disse nada pois não fazia ideia de quem fosse o artista. Foi a moldura que a fascinou o suficiente para desembolsar os tais 7 dólares. Isto deixa-me a pensar sobre as razões que podem levar-nos a amar um objecto.
A velha questão da forma e do conteúdo que, no caso de Renoir e outros artistas seus contemporâneos (ah, os Impressionistas...), é muito mais forma que conteúdo. É de tal modo forma que a moldura se pode tornar mais chamativa que as pinceladas do mestre.
Mas é, convenhamos, uma belíssima moldura!
Serve este introito para chamar a atenção do delicado leitor para o episódio rocambolesco do "pequeno" Renoir desaparecido que foi comprado por uma senhora americana numa feira da ladra por 7 dólares entre outros objectos (ler aqui a interessante notícia com links para outras narrativas relacionadas com o episódio).
Não pretendo reflectir sobre a questão legal que se desencadeou quando a senhora tentou vender a obra em leilão e o Museu de Arte de Baltimore veio reclamar a posse legal da pinturinha que havia sido roubada em 1951. O Museu acabou por reaver a coisa. O que me chamou a atenção nesta historieta foi a razão que levou a tal senhora a adquirir a obra.
A senhora comprou a pintura porque gostou da moldura. O facto de ter uma plaquinha com o nome de Renoir não lhe disse nada pois não fazia ideia de quem fosse o artista. Foi a moldura que a fascinou o suficiente para desembolsar os tais 7 dólares. Isto deixa-me a pensar sobre as razões que podem levar-nos a amar um objecto.
A velha questão da forma e do conteúdo que, no caso de Renoir e outros artistas seus contemporâneos (ah, os Impressionistas...), é muito mais forma que conteúdo. É de tal modo forma que a moldura se pode tornar mais chamativa que as pinceladas do mestre.
Mas é, convenhamos, uma belíssima moldura!
quinta-feira, janeiro 09, 2014
Solidões (fica estranho no plural)
A solidão é um deserto enfiado no prato do almoço. Mesmo os feijões parecem desirmanados, estranhos que apenas se encontram quando enfiados na boca, mastigados e empurrados goela abaixo feitos papa. Aí sim, os feijões lá se entendem uns com os outros. Ás voltas no intestino já não há divergências, ciúmes, diz-que-disse, tentativas de burla, nada disso: ás voltas no intestino os feijões são todos irmãos.
A solidão é um deserto imenso (como todos os desertos) e é um deserto pequenino, como o prato vazio que espera o calor do almoço. A solidão, como o deserto, está rodeada de coisas por todos os lados. A solidão e o deserto são apenas ilhas no imenso arquipélago de silêncios e ausências em que se vai transformando a nossa existência.
A capacidade de verbalizar o que nos vai na mente pode não ser o suficiente para construir uma mensagem eficaz. As pessoas que falam e escrevem com dificuldade em concluir de forma clara uma ideia que preencha com eficácia os canais de comunicação, têm, muitas vezes, dificuldades em construir as ideias no próprio cérebro.
Ainda as ideias lhes dançam dentro do crânio e já lhes faltam peças. Quando saem para os ouvidos e os olhos do interlocutor, são já coisas disformes, muito diferentes das maravilhas pensadas. A distância entre o que se pensa e o que diz pode ser imensa... como um deserto. Muita gente se perde nessa distância e fica só. Como um único feijão no fundo do prato do almoço. Promessa de solidão e fome.
A solidão é um deserto imenso (como todos os desertos) e é um deserto pequenino, como o prato vazio que espera o calor do almoço. A solidão, como o deserto, está rodeada de coisas por todos os lados. A solidão e o deserto são apenas ilhas no imenso arquipélago de silêncios e ausências em que se vai transformando a nossa existência.
A capacidade de verbalizar o que nos vai na mente pode não ser o suficiente para construir uma mensagem eficaz. As pessoas que falam e escrevem com dificuldade em concluir de forma clara uma ideia que preencha com eficácia os canais de comunicação, têm, muitas vezes, dificuldades em construir as ideias no próprio cérebro.
Ainda as ideias lhes dançam dentro do crânio e já lhes faltam peças. Quando saem para os ouvidos e os olhos do interlocutor, são já coisas disformes, muito diferentes das maravilhas pensadas. A distância entre o que se pensa e o que diz pode ser imensa... como um deserto. Muita gente se perde nessa distância e fica só. Como um único feijão no fundo do prato do almoço. Promessa de solidão e fome.
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filosofia de tasca,
reflexão
segunda-feira, janeiro 06, 2014
O Eusébio
Faleceu Eusébio da Silva Ferreira. A comoção é grande, o país está de luto. Tenho sensações estranhas em relação a isto.
A onda de notícias, opiniões, testemunhos, epitáfios e mensagens de condolência é avassaladora, um maremoto de tristeza a varrer o mapa de Portugal. Pensei que me era indiferente mas já me comovi uma ou outra vez ao ouvir o rádio. Sobretudo ao ouvir palavras de pessoas anónimas em programas radiofónicos. Palavras simples de agradecimento e admiração por um homem cuja principal qualidade fora dos relvados de futebol era, ao que parece, uma extrema simplicidade.
O que me comove, penso eu, é constatar que, para o cidadão comum, a simplicidade é um valor superior. Num mundo doentiamente mediatizado e repleto de vedetas em pose surge este ícone modesto e de face humana. Um deus dentro do campo e um ser humano fora dele.
Quanto mais não seja é isto que a gradeço ao Eusébio. Todos o tratávamos por "o" Eusébio. Único e irrepetível Eusébio.
A onda de notícias, opiniões, testemunhos, epitáfios e mensagens de condolência é avassaladora, um maremoto de tristeza a varrer o mapa de Portugal. Pensei que me era indiferente mas já me comovi uma ou outra vez ao ouvir o rádio. Sobretudo ao ouvir palavras de pessoas anónimas em programas radiofónicos. Palavras simples de agradecimento e admiração por um homem cuja principal qualidade fora dos relvados de futebol era, ao que parece, uma extrema simplicidade.
O que me comove, penso eu, é constatar que, para o cidadão comum, a simplicidade é um valor superior. Num mundo doentiamente mediatizado e repleto de vedetas em pose surge este ícone modesto e de face humana. Um deus dentro do campo e um ser humano fora dele.
Quanto mais não seja é isto que a gradeço ao Eusébio. Todos o tratávamos por "o" Eusébio. Único e irrepetível Eusébio.
quinta-feira, janeiro 02, 2014
Roma
Palazzo, chiesa, pizza, spaghetti, spaghetti, pizza, chiesa, palazzo. Haverá país no mundo com mais igrejas do que Itália? Sendo Roma a capital, haverá cidade no mundo com mais igrejas do que Roma? Pizzarias e spaghetterias. Palácios... caramba, quantos palácios tem Roma?
Ruas estreitas, igrejas e palácios. Ristorantes aos molhos e milhares de turistas caminhando. A cidade está repleta de pormenores artísticos. É uma coisa esmagadora e deslumbrante. Palácio, igreja, igreja, palácio. Entrar numa igreja ou outra, assim, ao acaso, é uma experiência estonteante. Encontram-se coisas magníficas! E, de vez em quando, um rasto de Deus.
O Panteão, as piazzas, bom, as piazzas... a Piazza Navona é uma feira permanente, a Piazza dei Fiori é uma feira ocasional, a Fontana dei Trevi não percebi o que é. Fiquei com a impressão que é um portal para outra dimensão mas não posso afirmá-lo com toda a certeza.
Enfim, alguns dias a percorrer as vias romanas deixaram-me com vontade de o fazer de novo. Um dia voltarei e talvez veja o Papa. Desta vez fui ver a Capela Sistina. Para a próxima vou fazer-te uma visita, Chico, fica combinado.
Arrivederci Roma.
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