Um olhar de soslaio e uma sobrancelha franzida; o livro aguarda paciente (como só os livros sabem ser) o regresso dos teus olhos. Agora sim, os teus olhos focam-se de novo nas letrinhas organizadas em elegantes conjuntos de palavras que sugerem surpreendentes universos de significados.
A tua sobrancelha continua franzida, a leitura não satisfaz a curiosidade que te rói a humidade do cérebro. A intensidade luminosa que o sol atira à janela suja e essa timidez disfarçada de indiferença, impedem que voltes a olhar a mulher sentada a teu lado.
Pensaste que era bela, mas, na contra-luz do astro-rei, a mulher é pouco mais do que uma silhueta enfeitada por tonalidades que viajam entre o amarelo e o cor-de-laranja mais quente que pudeste observar nos últimos tempos.
A curiosidade, o sol, o livro, essa tua sobrancelha, tudo se enrola e te incomoda o desejo de perceber que raio de coisa está para aí a acontecer. Talvez não aconteça nada. Isso é, ainda mais, irritante.
Talvez a mulher não mereça esse levantar de sobrancelha que te vai descobrindo o canto do olho, talvez esse olhar que tentas atirar-lhe não mereça o esforço.
Talvez o livro não seja tão interessante como pensaste quando pagaste a conta na caixa da livraria. A mulher pode não ser tão bela quanto imaginas. O sol não te permite chegar a nenhuma conclusão satisfatória.
O barco está a atracar. A mulher levanta-se e passa por ti. Tens de encolher os joelhos para não lhe tocar. E não lhe tocas nem a olhas nem nada. Enfias os olhos até ao pescoço numa frase qualquer.
Não estás a ler, estás apenas a pensar como podes ser tão mansamente selvagem que devoras o teu próprio desejo como uma fera inventada devora as suas crias recém-nascidas só por serem fofinhas.
Dás por ti a pensar que a banalidade pode ser a mais incomodativa das aventuras, uma dessas aventuras em que não acontece nada. O barco atraca. Chegaste ao teu destino e ficaste só.
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