segunda-feira, dezembro 31, 2012

Bom Ano de 2013

Estava para aqui a ponderar a possibilidade de desejar um bom Ano de 2013 a quem ler estas linhas. Em Portugal o sentimento geral é de grande apreensão sobre o que o Novo Ano nos poderá trazer. Há razões fundamentadas que sustentam todos os nossos receios mas, como diz o povo, a esperança é a última coisa a morrer e, enquanto tiver um soprozinho de vida, devemos acarinhá-la.

Assim sendo, desejo a todos que não desliguem a máquina que vai evitando a morte cerebral da esperança. Enquanto ela não bater completamente a bota teremos ainda uma hipótese de ver 2013 trazer-nos algo que não apenas desespero e desconfiança.

Corações ao alto, hoje (pelo menos hoje) é dia de festa!

sexta-feira, dezembro 28, 2012

A lista

No atropelo dos dias a correr todos para ver qual deles chega primeiro ao último do ano fazem-se as habituais listas.

Refiro-me às listas dos melhores filmes, dos melhores livros, dos melhores dos melhores do ano, discos, personagens e acontecimentos, um caleidoscópio de factos e ideias difícil de conceber quando não se tem a eloquência cultural de um crítico jornalista.

Invejoso como sou, não quero ficar atrás das luminárias que tudo leram, tudo viram e ouviram, ganhando dessa forma uma autoridade que não tenho mas que posso fingir que tenho. A inveja tem destas coisas.

Como sou desorganizado e  chego muitas vezes tarde e a más horas ao conhecimento exigido (se frequentasse o Facebook com maior regularidade talvez me safasse) vou aqui lavrar uma lista digna da minha soberba. É possível que algumas das coisas que constam desta lista nem tenham saído este ano, não há problema.

Assim:

O melhor filme do ano foi "Vergonha" daquele gajo com nome de actor mas que é realizador e foi artista plástico. Mas também gostei muito de "Tabu" do muito nosso Miguel Gomes e poderia citá-lo antes do outro. É uma questão de pedantismo cultural...

O melhor disco (dos que ouvi) foi "Blunderbuss" de Jack White. Decerto me estão a escapar montes de coisas interessantes mas, assim de repente, não me ocorre outro o que deve fazer deste o que mais me impressionou.

O melhor livro que li este ano... caraças, esta é mais complicada. Sei que "Mel" de Ian McEwan saiu em 2012 e é um grande livro. Também me agradou "A Boneca de Kokoschka" de Afonso Cruz mas, vejo agora, que já foi editado em 2010. E depois? Li uma mão-cheia de bons livros, "O Varandim seguido de Ocaso em Caravangel" de Mário de Carvalho foi editado este ano e também poderia figurar no topo. Fico por aqui que já estou a ficar confuso.

Termino a minha singela lista com a escolha do melhor palhaço ou o maior palhação, não interessa muito para o caso. Esta é fácil e difícil: entre Miguel Relvas e Pedro Passos Coelho venha o Diabo e escolha. De preferência que escolha os dois e os leve com ele.

Até breve e boas listas.

quinta-feira, dezembro 27, 2012

Um desejo

O Natal passou, vem aí o último dia deste ano. 2012 sempre vai acabar com o mundo, aparentemente, intacto ou, pelo menos, apenas um pouco menos saudável. Nada de muito preocupante.

Desejar um Novo Ano feliz soa a conversa mole, conversa de circunstância. O melhor é não o fazer. Fico-me por um desejo mais sincero, caro leitor, quanto ao Novo Ano, desejo, apenas, que lhe sobrevivas. Dê lá por onde der.


sexta-feira, dezembro 21, 2012

Viva o Mundo!

E pronto, é oficial, o mundo acaba (acabou?) hoje.

Já tantas vezes morto e enterrado, o mundo renasce sempre, transformado, como larva que gera borboleta que gerará nova larva e nova borboleta e outra larva, por aí fora, até que alguma borboleta não encontre mais céu para voar nem raio de luz para disputar. O que não é o caso.

Alguns sinais, discretos mas perceptíveis, provam a morte do mundo: a caixa de correio vazia em vésperas de Natal; o frenesim apático de inteligência que anima os corpos que cruzam o centro comercial em velocidade de cruzeiro fantasma; a falta de esperança no novo ano que se aproxima à distância de poucos dias...

O fim do mundo não é, ao contrário do que pretendem alguns fanáticos alarmistas e maus realizadores de cinema, uma sucessão fantástica de calamidades que tudo arrasa em explosões espectaculares e multidões em fuga para lado nenhum, gritando como manadas de vitelos desmamados. Não. O fim do mundo é uma coisa secreta que acontece todos os dias. Dentro de cada um de nós, fora da realidade comum.

O mundo que hoje acaba (acabou?) é um cadáver há muito adiado. Anunciar o seu fim nos meios de comunicação social apenas tornou visível essa mortezinha quotidiana, faz ver a quem não tem olhos como as coisas são frágeis e transitórias. Nada de mais, mera banalidade essa: a agonia de um planeta inteiro dentro de cada um de nós.

E pronto. O mundo morreu, viva o mundo! É tempo de continuar a viver.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

A morte como Bela-arte

"Mata-os suavemente" é um filme que tenta fixar uma estranha forma narrativa, sobrepondo duas camadas, duas linhas narrativas, em simultâneo.

Por um lado seguimos os acontecimentos que vão constituindo o quotidiano sombrio das personagens, por outro acompanhamos, através da TV e de um ou outro "outdoor" a campanha eleitoral que marcou o fim do reinado de Bush e a ascensão de Obama à presidência dos EUA.

Há sempre uma espécie de eco, um eco da realidade histórica, que se sobrepõe ao fio narrativo e ficcional do argumento. O resultado é, por vezes, elegante, noutras ocasiões resulta num grosseiro sublinhar daquilo que está, evidentemente, retratado perante os nossos olhos.

Talvez resida aqui alguma fragilidade, uma certa incapacidade de manter um discurso equilibrado, como se o realizador ora considerasse o espectador como alguém inteligente ora estivesse a dirigir-se a um imbecil, incapaz de compreender certas subtilezas narrativas.

Em termos formais pareceu-me muito bom. Os enquadramentos e as sequências visuais têm momentos perfeitos. Quando a cena exige contenção e simplicidade, ela está lá, quando o realizador sente necessidade de estilizar a acção ao ponto de a transformar em mero artifício não hesita em fazê-lo. A violência tem momentos de uma beleza pungente, quase comovente, que divide com situações de uma crueza selvagem.

Uma última palavra para os desempenhos dos actores, merecendo destaque a prestação de James Gandolfini, um assassino a perder a mão e o jeito. Os outros, com Brad Pitt à cabeça, vão todos em grande estilo.

Enfim, um filme a ver com o agrado que formos capazes de sentir perante um objecto predominantemente sombrio.

sábado, dezembro 15, 2012

Massacres

Os massacres de inocentes sucedem-se a um ritmo estranho nos EUA (ver aqui lista). Os assassinos, nitidamente loucos varridos, dedicam a sua fúria desconcertante para os mais variados grupos.

Em Agosto um gajo abateu seis cidadãos e feriu outros três, cuja particularidade, inquietante para a sua mente perturbada, era o uso de turbante sikh. Pouco tempo antes, em Julho, um outro maluco assassinara a tiro de metralhadora 12 espectadores de um cinema no Colorado (e feriu mais 59) que se preparavam para assistir à estreia do mais recente filme do Batman.

Os assassinos suicidam-se, são abatidos ou apanhados e condenados, isso não interessa muito para o caso. A questão é: porque acontece isto tão regularmente em território norte americano?  A resposta parece ser óbvia: porque um gajo pode ir, por exemplo, ao barbeiro e, entre um corte de cabelo e uma manicure, comprar uma arma automática com munições sem ter que explicar a ninguém o desejo de possuir tão macabro brinquedo.

É conhecido o poder dos fabricantes de armas nos EUA (se fosse só nos EUA...) e a sua inacreditável capacidade para perpetuar a venda livre de pistolas, metralhadoras e bazucas lá na terra deles. O argumento económico pesa, e de que maneira, para manter esta situação selvagem.

Tudo isto configura uma metáfora poderosa do estado civilizacional a que chegámos. A morte é fácil mas o dinheiro flui... já a vida parece demasiado cara para ser preservada. A morte é, de longe, mais barata e lucrativa do que a vida.

quarta-feira, dezembro 12, 2012

Olha para mim


Há pessoas a quem a necessidade de atenção obriga a fazer coisas estranhas.

Aquele rapaz caminhava com os gestos gingões que deve ter visto nos maus da fita de um qualquer vídeo de hip hop de quarta categoria, um vídeo daqueles, cheio de gajas boas e cantores atarracados sob o peso de correntes de ouro, anéis enormes e bonés colocados às três pancadas, encavalitados no cucuruto forrado com lenço colorido. 

É um passo em cadência embriagada, ao ritmo de uma música imaginária, que lhe desorganiza o peso dos pés e das pernas, que confunde aos nossos olhos a força da gravidade. Desloca-se enredado na teia daquele complexo jogo de forças invisíveis, a serpentear dos calcanhares às nádegas, das nádegas à ponta dos ombros, a parecer que cai, mas não cai, a pisar o chão com demasiada força após um movimento da perna que parecia suave e gracioso.

Esse rapaz acompanha um outro que, não sendo tão estiloso no andar, tem uma característica complementar. Vai agarrado a um telemóvel, debruçado para dentro dele, teclando furiosamente com o polegar direito. Fala alto, como se tivesse um megafone incorporado e tem um aspecto algo patusco de aspirante a presidiário, uma dureza construída à força e demasiado óbvia. 

São dois bonecos de um museu de cêra dos horrores domésticos, dois animais de estimação a quem falta o dono, a quem falta quem lhes dê atenção e os leve a mijar no fim de mais um dia sem outra coisa que não seja exibir o aspecto duvidoso, como se isso fosse uma grande (e única) qualidade. 

Olho para eles e penso "nunca ninguém lhes disse que eram bonitos, nem mesmo quando foram pequeninos". E não vou ser eu quem lhes diz isso. Eles nunca vão ser bonitos. Se era atenção que eles queriam, aqui a têm.

domingo, dezembro 09, 2012

Aniversário

Aqui há uns dias atrás o 100 Cabeças cumpriu o 7º aniversário. Como de costume nem me apercebi (a data de nascimento deste blogue é algures para os finais de Novembro) e venho assinalar a efeméride com o atraso habitual.

Muito se tem falado da falência da Blogosfera (chegou mesmo a surgir o termo Zumbisfera) e das razões que levam a esse suave desvanecimento. A leitura de "O ÚLTIMO BLOG e outras blogagens" veio recordar-me uma série de questões relacionadas com a motivação do "blogueiro" e as dificuldades de encontrar e manter leitores (a parte em que o Eduardo expõe as características que considera essenciais para que um Blogue seja capaz de "prender" leitores é muito interessante).

Realmente, as dúvidas e as questões enrolam-se constantemente umas nas outras e vão fazendo com que o "blogueiro" ora seja assíduo, ora se sinta algo desmotivado e vá fazendo gazeta à escrita.

Seja como for, já lá vão 7 anos a "blogar" e, para ser sincero, não estou a ver o fim próximo para esta coisa. Será teimosia, ego desmesurado, simples ingenuidade ou outra coisa qualquer. A verdade é que o 100 Cabeças passou a fazer parte de mim (ou terei sido eu que passei a fazer parte dele?).

Parabéns (atrasados) a mim próprio, o 100 Cabeças!

sexta-feira, dezembro 07, 2012

A força da Palavra

Joaquim Benite

Há dias em que só me apetece dizer "foda-se"!

Expressão profundamente grosseira, de uma deselegância próxima da boçalidade camponesa que enformou a minha mais tenra infância, "foda-se" é mais do que uma palavra, foda-se é um estado de espírito.

Foda-se a morte, foda-se a vida, fodam-se os mortos e fodam-se os vivos. Dita assim muitas vezes, a palavra foda-se tem qualquer de catártico, esconjurando fantasmas e traumas com uma eficácia desarmante.

Dizer foda-se muitas vezes e de forma apropriada poupa-nos uma ida ao psiquiatra e faz-nos evitar a cartomante da esquina. Foda-se é uma expressão libertadora que contribui para a poupança de uns dinheiros que, de outra forma, seriam (mal) aplicados em terapia desnecessária.

Anteontem faleceu o Joaquim Benite, ontem o eterno deixou de fazer sentido com a morte de Niemeyer. Dizer a palavra (foda-se) ajuda a aliviar a sensação de que há fantasmas que o Inverno liberta e ficam por aí a reclamar vidas a que pensam ter direito, mesmo do outro lado do mar oceano onde nem sequer faz sentido que se morra por não estar o frio que aqui se faz sentir.

Foda-se.

Dickens intuiu a coisa com o seu Scrooge e os fantasmas natalícios. Mas, como era um homem bem educado, não utilizou, no seu conto imortal, a palavra mágica: foda-se. Convenhamos que é a palavra que falta ao conto para que seja uma obra-prima absoluta e não aquilo que realmente é, uma extraordinária obra-sobrinha.

Termino este mal-humorado post com a sugestão: leitor amigo, experimenta dizê-lo alto - FODA-SE. Se porventura não sentiste um leve sopro libertador, então repete, di-lo mais alto, grita-o se necessário for. O mundo não merece mais do que isso. Estranhamente, também não merece menos.




quarta-feira, dezembro 05, 2012

Milagre zumbisférico

Recebi um exemplar de  "O Último Blog e outras blogagens", uma espécie de milagre contemporâneo em que o virtual se transmuta em objecto palpável.

Mais credível que um deus que se fez carne ou aqueloutro que se fez livro, o milagre acima referido tem o cunho do Eduardo Lunardelli que, estou em crer, dispensa qualquer tipo de apresentação aos leitores eventuais deste meu post.

Ler "O Último Blog" é como surfar na internet só que num "book" verdadeiro, com folhas de papel e letras impressas. A sensação é estranhamente agradável, até porque não é todos os dias que temos a possibilidade de confirmar um milagre verdadeiro e é reconfortante confirmar que coisas dessas acontecem fora da estreita vigilância dos polícias do Vaticano.

"O Último Blogue e outras blogagens" é um milagre zumbisférico.

Post Scriptum Juntamente com o referido livro-milagre chegou também a colectânea de poesia intitulada Poema [entre chaves] onde o Eduardo reúne alguns dos poemas que vem postando lá no Varal de Ideias.

sábado, novembro 24, 2012

Você está aqui

Para sabermos ao certo aquilo que queremos talvez tenhamos de simplificar o leque das nossas opções. Precisamos de um desenho simples, uma linha clara preenchida com cores planas, sem sombreados ou modelações complexas. Mais De Stijl e menos Dada.

Será que apenas após compreendermos a clareza essencial da estrutura das formas (e do raciocínio) podemos aventurar-nos em loucuras visionárias sem corrermos o risco de perder o tino?

Toda a simplificação resulta de um afastamento. Um olhar afastado permite desenhar um mapa. A nossa capacidade de abstracção faz o resto, confere-lhe sentido. Consultando a linha que representa a rua onde caminhamos deslocamo-nos no sentido pretendido. Fazemos isso dentro da nossa cabeça e, em simultâneo, caminhando sobre os nossos pés. É um exercício de abstracção absoluto e, no entanto, intimamente relacionado com o mundo real.

Também para compreendermos o que se passa com a nossa sociedade necessitamos de afastamento. Analisar o tempo presente é demasiado confuso, estamos dentro dele e ainda ninguém conseguiu desenhar um mapa conceptual que o possa resumir. Estamos demasiado envolvidos.

A História é um exercício de análise do passado que permite delinear formas simples e mais ou menos lineares. O historiador concentra-se na representação de determinados aspectos e passa-nos uma imagem que somos capazes de compreender (ou pelo menos imaginamos que somos capazes de compreender).

Traçar o mapa dos acontecimentos recentes mostrando a cada um de nós em que ponto da nossa História individual nos encontramos e para onde podemos dirigir-nos sem que percamos o fio à meada é algo do domínio da utopia mais absoluta. Caminhamos às cegas, avançamos por instinto e ninguém pode garantir que não estamos a recuar ou a deslocar-nos em círculos.

Imagino que seria interessante poder olhar um mapa do tempo presente (com indicações seguras em relação ao tempo futuro e mostrando com correcção o caminho até aqui percorrido) e ter aquela indicação que é habitual nos mapas turísticos, com um círculo vermelho bem destacado e a frase mágica "você está aqui".

sexta-feira, novembro 23, 2012

Sonhar não é igual a dormir!

Pergunto a mim próprio porque insistem certos pensadores, alguns intelectuais e muitos bestuntos pretensiosos em afirmar que o mundo resvala para o abismo, que perde qualidades éticas e estéticas, que, em suma, se vai desvanecendo a idade do vinho e das rosas que teremos em mãos e deixamos escorrer entre os dedos como areia fina a procurar solo horizontal defronte ao mar?

Para que esta imagem pudesse materializar uma vaga realidade que fosse, necessário seria que o nosso mundo alguma vez houvesse tido como principais qualidades a ética ou a estética. Isto alguma vez terá acontecido?

O mundo não está menos ético ou menos estético pela simples razão de estes valores nunca foram características dominantes. A mistura ponderada de ética e estética, essa eterna utopia da "Beleza", demanda mais nebulosa ainda do que a do Santo Graal, é uma espécie de mito democrático nascido no horizonte longínquo da mais antiga das grécias que somos capazes de convocar na nossa desorganizada memória colectiva.

O mundo não está mais nem menos, está exactamente na mesma, como a lesma. Talvez o problema não seja a realidade mas sim as expectativas que construímos na tentativa de conseguir um objectivo comum. Imaginámos que poderia haver uma mais equitativa distribuição da riqueza? Está bem abelha.

"O sonho" soa quase igual a "o sono" que, como bem entendemos, estão longe de ser uma e a mesma coisa embora soem de forma perigosamente idêntica aos nossos ouvidos. Quantas vezes sonhamos acordados e dormimos sem sonhar?

sexta-feira, novembro 16, 2012

Pornografia



Macacos Sábios

Ver os mais altos responsáveis pela governação deste país aplaudir a actuação da polícia nas cenas de porrada a que todos assistimos em directo nos canais de televisão é algo pornográfico. Cavaco e Passos primeiro não tinham visto nada, não se podiam pronunciar sobre os acontecimentos.

Mais tarde, imagino que após terem visionado aquele espectáculo edificante, só puderam aplaudir o ataque indiscriminado das forças policiais sobre as pessoas que se encontravam defronte às escadarias da Assembleia, cada vez mais símbolo da vergonha do nosso regime político.

Tudo aquilo foi estranho.

Foi estranho ver meia dúzia de energúmenos a desfazer a calçada e a atirar pedrada após pedrada, horas a fio, sobre uma fila de polícias de choque em postura cristã, como se oferecessem a outra face. Coitadinhos. 

Foi estranho ver os bandidos a rir, a fazer pontaria, impunemente, alguns de cara bem destapada, sem que houvesse a mínima reacção das forças que, por comodidade, continuamos a chamar de “forças de segurança” mas que, quando se atiram à populaça, se transformam em forças de agressão.

Foi estranho ver os manifestantes que se colocaram em frente aos polícias apedrejados, quais escudos humanos, pondo em risco a sua integridade física (ó Cavaco, ó Passos, e uma palavrinha de apreço para com estes cidadãos?).

Os polícias foram atiçados, quais mastins sem açaimo, sobre os populares. Agrediram muitos que, é evidente para qualquer pessoa que tenha assistido aos desacatos, mesmo que pela televisão, não tinham atirado pedras, nem garrafas, nem petardos. Prenderam uns quantos, acusados de resistência e ofensa à autoridade. 

Há tantas imagens filmadas, tantas fotografias, tantas testemunhas oculares que decerto não será difícil provar se os que agora foram presos participaram, de facto, naquele triste espectáculo.

Tudo isto foi demasiado estranho. 

Habitual foi, apenas, a forma histérica e desproporcionada como os polícias agrediram a torto e a direito quem lhes apareceu pela frente. Os responsáveis pelas calhoadas não só as praticaram como lhes deu na real gana como ainda se pisgaram dali para fora na maior das impunidades.

O que já não foi tão estranho foi que, após um dia de greve geral em vários países da Europa, num dia em que a CGTP apresentou uma série de medidas de combate à crise que até Bagão Félix considerou dignas de atenção nas páginas deste jornal, se tenham focado os holofotes nos pobres polícias, vítimas de um bando de arruaceiros, como se mais nada tivesse acontecido. 

A quem aproveita toda esta ópera bufa? Com governantes deste calibre, assistir ao “espectáculo da democracia” é como ver um filme de “bunga bunga”. Ou pior ainda. 

Carta enviada à Directora do jornal Público (sem as imagens)

quarta-feira, novembro 14, 2012

Olha aí!

O Eduardo tinha prometido e cumpriu! Do mundo virtual para o mundo que imaginamos como sendo o real aí está O ÚLTIMO BLOG e outras blogagens. Há quem ainda não tenha lido e tenha gostado. É a literatura da Zumbisfera a invadir o espaço habitado pelos seres humanos (e restantes animais domésticos). Para quem tenha dúvidas: a blogosfera existe MESMO!
Vou querer ler.

sábado, novembro 10, 2012

China

Tenho seguido com interesse e avidez as reportagens de Paulo Moura que vêm sendo publicadas no jornal Público ao longo dos últimos dias com reflexos no blogue Repórter à Solta. (também aqui)

É um relato de viagem com contornos épicos. A escrita de Moura tem uma limpidez rara e a forma como organiza descrições de acontecimentos e informação recolhida junto das pessoas que foi contactando, fazem destas reportagens peças muito interessantes para tentarmos um rabisco que nos permita vislumbrar uma migalha da imensidão que é a China.

No jornal de hoje a peça de Moura termina de forma elucidativa.
Tao Feiya, professor de História Cultural na Universidade de Xangai, quando questionado sobre o que considera que a China tem para oferecer ao mundo, remata uma série de considerações afirmando que "Os chineses sempre foram pobres ao longo de milénios. Essa é uma das suas características mais marcantes. Por isso desenvolveram valores de trabalho, de honradez. Nenhuma família gosta de ter um filho ou um marido preguiçoso. É uma vergonha. Esses valores, de simplicidade e trabalho, talvez sejam o que a China tem para ensinar ao mundo".

Olá China.

domingo, novembro 04, 2012

Manhã cinzenta



Eu acho que ando triste mas tenho a impressão que não sou só eu quem está triste, parece-me que o país inteiro exala tristeza em suspiros profundos que depois se espraiam por aí como vento morno soprado do norte de África.

Dizer que Portugal, um país, está triste, pode parecer metáfora barata mas, a bem dizer, é o mesmo que dizer que os mercados, que são mercados, estão nervosos.

Já não bastava a Portugal a crise, agora também o céu insiste em manter-se cinzento e a chorar com frequência. Quanto aos mercados basta olhar para aqueles gajos que trabalham nas bolsas, a gesticular como se estivessem a ser electrocutados, a esbracejar como se estivessem a ser atacados por um enxame de vespas furiosas.

Este país está a precisar de consulta psiquiátrica mas não tem dinheiro para pagar a factura nem há psiquiatra à altura dos nossos problemas colectivos. Já os mercados parecem ter acalmado. Ao que se diz por aí eles acreditam que vamos pagar a nossa dívida. Talvez seja essa a fonte desta nossa tristeza… a calmaria dos mercados…

PS O Zé continua à espera que alguém se digne a operá-lo. A manhã continua cinzenta...

domingo, outubro 28, 2012

Visitação


O Dear Zé está hospitalizado. Uma hérnia discal daquelas de deitar um gajo abaixo vai levá-lo até à mesa de operações. Ontem fui visitá-lo e encontrei-o com uma boa disposição animadora. Isto de ser aberto pelo bisturi de um médico parece ser coisa trivial.

Como nunca me abriram o corpo com objectos destilados (pelo contrário, tiveram de fechá-lo algumas vezes à força de agulhas e linhas) não sei o que seja esperar deitado pelo dia da operação.

O quarto onde está o nosso caçador de imagens tem mais  duas camas. Ontem, à boa maneira portuguesa, o espaço acanhado transbordava visitas que excediam largamente o limite virtualmente admitido pelas regras do hospital. Como seria de esperar era um palratório matraqueante que muito parecia animar os doentes.

Isto ainda antes da hora marcada para o início das visitas. Umas empadinhas, uns bolinhos, um cházinho, a espera é feita destas coisas. O aligeirar das regras decerto contribui para a tal boa disposição que me pareceu descortinar no rosto do Zé, o Dear Hunter. Por sorte, os companheiros de quarto também tinham visitas fora de horas e não aparentavam sinais de enfado por terem o espaço apinhado de gente.

Entretanto chegou a hora das visitas e pareceu-me oportuno sair. "Vá lá, Zé, vê se te pões mas é daqui para fora; a deixares crescer assim a barba quando fores para o bloco operatório o médico ainda vai pensar que está a abrir o Karl Marx!"

E pronto, quando saí do quarto e atravessei a porta que dá para o corredor havia uma verdadeira multidão a aproximar-se. Parecia a batalha de Aljubarrota! Afinal de contas estava na hora da visita.

(Força Zé).


quinta-feira, outubro 18, 2012

Premonição inquietante

Não sei se é coisa normal ou sequer coisa esperada. Estou em crer que quem não anda junto aos mais jovens não faz ideia do que, na realidade, se passa.

É do domínio do senso comum falar-se da falta de conhecimentos e falta de preparação cultural das gerações que vêm atrás da nossa. Faz parte da evolução da espécie. Nunca consideramos os mais jovens como iguais e, nos raros casos em que tal acontece, é motivo de espanto profundo e sincera admiração.

As mais das vezes, essa desconsideração, quase sobranceria, dos mais velhos em relação à cultura dos mais jovens, é vista pelas mentes mais abertas e tolerantes, como sendo descabida, motivada por despeito, quase inveja, coisa provocada pela implacável proliferação das rugas bem como de alguma confusão capilar no cucuruto.

Mas, para quem, como eu, convive com jovens genuínos, daqueles que existem de facto no mundo real, jovens simpáticos, razoavelmente educados, capazes de aceitar a autoridade do professor e chegar a horas à sala de aula, para esses, a percepção do estado cultural destes cidadãos potenciais é algo de extraordinário. Ultrapassa largamente as mais baixas expectativas que possamos ter.

A cada ano que passa os alunos que sentam defronte a mim, eternamente jovens, sempre outros, mostram novos e sempre maiores graus de desconhecimento a todos os níveis. É uma coisa espantosa! Não sabem quem foi Cristo da mesma forma que ignoram por completo a localização geográfica do Egipto, ainda que já andem neste mundo há 17 ou 18 anos.

Não me conformo e ataco com fúria quase evangélica cada nova aula. Os objectivos são difusos. O tema da aula pode ser a arte grega mas acabamos a falar de Camões ou a tentar perceber o que é um preconceito. É tudo novo, é tudo motivo de espanto, por vezes quase deslumbramento. Perdemo-nos nas planícies do conhecimento. Eu à frente, eles atrás de mim, como patinhos recém-nascidos que seguem o primeiro ser vivo que lhes aparece à frente.

A verdade é que o grau de ignorância ultrapassa todas as expectativas. O que funciona mal? Porque estão os meus alunos tão alheados do mundo que os rodeia? Será o ambiente familiar? Será uma tendência quase patológica para se fecharem em mundos virtuais que podem limitar-se a um qualquer jogo de consola ou de computador que os leva a repetir maquinalmente gestos e acções em direcção a lugar nenhum? Será um mundo mediático dirigido aos adolescentes que os trata como imbecis e analfabetos funcionais desde que isso garanta retorno económico aos promotores desses canais de "informação"?

Talvez seja um pouco de tudo isto e mais umas quantas coisas que não me lembrei agora, um caldo de falta de cultura que cria cidadãos incapazes de funcionar como tal. Haverá algum plano por detrás disto? A quem interessa tanta apatia e indigência cultural?

Olho para os governantes actuais, olho para os miúdos sentados na minha sala de aula. Vejo um futuro muito pouco brilhante... ainda assim é um prazer ser professor. Dá-me alguma esperança de não cair nunca no mar da inutilidade. Quem sabe ao fim do dia contribuí para acender algum pequeno fósforo que ilumine um bocadinho uma noite muito escura?

quarta-feira, outubro 17, 2012

Negócio lucrativo

 Picasso, Monet, Freud, Gauguin, Meyer de Haan (?), Monet e Matisse

Quem serão os ladrões que surrupiam tão naturalmente obras de arte, como se roubassem pacotes de bolacha Maria nas prateleiras do supermercado? Serão empresários empreendedores que fazem o seu assalto e depois colocam o produto do roubo no mercado? Serão empregados de algum megamilionário apaixonado pelas belas-artes que lhes indica os objectos a colectar e lhes financia a acção? Serão apenas uns malucos quaisquer a quem a coisa até correu bem mas que podiam ter sido apanhados com a boca na botija?

Desta vez foi no Kunsthal Museum de Roterdão que estes anónimos artistas do gamanso fizeram a sua mais recente performance. Quando os alarmes soaram e os atarantados agentes da ordem chegaram ao local, (apenas 5 minutos depois, segundo rezam as crónicas) já os larápios haviam entrado e saído sem que ninguém desse por eles, deixando sete espaços em branco nas respeitáveis paredes do museu. Uma limpeza digna das obras levadas!

A lista de obras desaparecidas tem assinaturas de Picasso, Monet, Freud, Gauguin, Matisse e Meyer de Haan (quem é Meyer de Haan?), um conjunto de nomes capaz de fazer sonhar o mais pintado dos coleccionadores de arte.

Ao que parece o roubo de obras de arte é uma actividade extraordinariamente lucrativa, apenas batida no ranking da vigarice pelo tráfico de armas e de droga. Pode parecer estranho (ou talvez não) mas apenas 15% das obras roubadas são recuperadas e, em alguns casos, só reaparecem à luz do dia décadas depois de terem desaparecido.

Clicando aqui temos acesso a uma interessante lista de grandes roubos de obras de arte com informações sumárias sobre o que lhes aconteceu. Pessoalmente, estava convencido que a coisa não seria grande negócio. Percebo agora que estava muito bem enganado!

quinta-feira, outubro 11, 2012

Os inocentes



Os artigos que têm vindo a ser publicados no jornal Público sobre os negócios da Tecnoforma com protagonismo mais ou menos relevante de dois figurões do actual governo, nada mais nada menos que o 1º ministro e o seu principal sequaz, são paradigmáticos. 

O que incomoda mais, ainda mais do que as toscas manobras à boa maneira do tradicional chico-esperto aproveitador de oportunidades obscuras para deitar a mão a uns trocos que lhe componham o estrato bancário, é a evidente inépcia dos promotores da marosca. 

Miguel Relvas, Passos Coelho e respectivos comparsas de ocasião podem argumentar que agiram dentro da legalidade, mas, tanta falta de visão, tanta incapacidade para prever o desajustamento dos programas que propuseram para aplicar verbas europeias, prefiguram, na melhor das hipóteses, uma inocência que não é admissível em políticos e gestores da coisa pública. 

Poderão até argumentar que estavam a aprender, que é com os erros que se aprende, que agora estão mais aptos a evitar escorregadelas ridículas e mais atentos a desvios perigosos. Pois sim, para aprender há escolas e sapateiros a tocar rabecão ainda vá que não vá, já analfabetos espertalhões a passar por doutores é caso de polícia, é crime que põe em risco a vida de pessoas ou a saúde de uma sociedade inteira, a merecer castigo severo. 

Como podemos dormir descansados quando são estes seres vivos responsáveis pelos destinos de Portugal numa hora como a que atravessamos? Como podemos dormir descansados quando alguém que foi capaz de levantar a “problemática geral dos aeródromos e heliportos municipais” nos termos relatados nos artigos de António Cerejo seja agora responsável pelo negócio de privatização da RTP, só para dar um exemplo inquietante? 

Mais à frente leio outro artigo, “A alternativa responsável”, assinado por António José Seguro e o desânimo é absoluto. É isto que 40 anos de estado democrático tem para nos oferecer? Políticos de pacotilha que aprenderam tudo o que sabem nas reuniões das juventudes partidárias e nos recantos menos iluminados dos corredores da Assembleia da República? 

As historietas da Tecnoforma mais não são que a ponta do rabo do gato escondido. Houvesse mais jornalismo de investigação na decadente imprensa deste país adiado e o espelho a que nos olhamos reflectiria visões simplesmente insuportáveis. 

Já que não há justiça que julgue esta comandita que seja o povo a fazê-lo nos locais onde ainda vai tendo uma palavra a dizer: primeiro na rua, depois nas urnas. Talvez ainda haja tempo para, pelo menos, lavarmos a cara e olhar para o espelho com uma réstia de esperança.