quinta-feira, outubro 11, 2012

Os inocentes



Os artigos que têm vindo a ser publicados no jornal Público sobre os negócios da Tecnoforma com protagonismo mais ou menos relevante de dois figurões do actual governo, nada mais nada menos que o 1º ministro e o seu principal sequaz, são paradigmáticos. 

O que incomoda mais, ainda mais do que as toscas manobras à boa maneira do tradicional chico-esperto aproveitador de oportunidades obscuras para deitar a mão a uns trocos que lhe componham o estrato bancário, é a evidente inépcia dos promotores da marosca. 

Miguel Relvas, Passos Coelho e respectivos comparsas de ocasião podem argumentar que agiram dentro da legalidade, mas, tanta falta de visão, tanta incapacidade para prever o desajustamento dos programas que propuseram para aplicar verbas europeias, prefiguram, na melhor das hipóteses, uma inocência que não é admissível em políticos e gestores da coisa pública. 

Poderão até argumentar que estavam a aprender, que é com os erros que se aprende, que agora estão mais aptos a evitar escorregadelas ridículas e mais atentos a desvios perigosos. Pois sim, para aprender há escolas e sapateiros a tocar rabecão ainda vá que não vá, já analfabetos espertalhões a passar por doutores é caso de polícia, é crime que põe em risco a vida de pessoas ou a saúde de uma sociedade inteira, a merecer castigo severo. 

Como podemos dormir descansados quando são estes seres vivos responsáveis pelos destinos de Portugal numa hora como a que atravessamos? Como podemos dormir descansados quando alguém que foi capaz de levantar a “problemática geral dos aeródromos e heliportos municipais” nos termos relatados nos artigos de António Cerejo seja agora responsável pelo negócio de privatização da RTP, só para dar um exemplo inquietante? 

Mais à frente leio outro artigo, “A alternativa responsável”, assinado por António José Seguro e o desânimo é absoluto. É isto que 40 anos de estado democrático tem para nos oferecer? Políticos de pacotilha que aprenderam tudo o que sabem nas reuniões das juventudes partidárias e nos recantos menos iluminados dos corredores da Assembleia da República? 

As historietas da Tecnoforma mais não são que a ponta do rabo do gato escondido. Houvesse mais jornalismo de investigação na decadente imprensa deste país adiado e o espelho a que nos olhamos reflectiria visões simplesmente insuportáveis. 

Já que não há justiça que julgue esta comandita que seja o povo a fazê-lo nos locais onde ainda vai tendo uma palavra a dizer: primeiro na rua, depois nas urnas. Talvez ainda haja tempo para, pelo menos, lavarmos a cara e olhar para o espelho com uma réstia de esperança.


9 comentários:

rui sousa disse...

Rui, a Islândia resolveu o problema à sua maneira, mas parece que no mundo ninguém está muito interessado em conhecer aquela história, incluindo os políticos, comunicação social mas sobretudo nós, o povo. Vejo diariamente no facebook lamentos e protestos contra a actual situação. Eu decidi colocar no facebbok o seguinte comentário:

"Será que é possível fazer isto aqui em Portugal? A história recente da Islândia ( no video em baixo ) não passa nos jornais, mas mesmo que passasse duvido que os portuguesinhos a quisessem saber. A revolução pacifica foi feita na Islândia com o poder e o saber do povo, mas com sacrifício. Durante dois anos viveram quase sem dinheiro e tiveram que começar tudo do zero. Quantas das pessoas que desfilam nas nossas manifestações estariam dispostas a isso? Quantos centrais sindicais e partidos de esquerda ( porque os de direita nem é bom falar ) aceitariam partir do zero para reconstruir o país. E a função pública bem remunerada ( juízes, médicos, militares, professores ), que também desfilam nas manifestações ao lado de quem verdadeiramente sofre a crise, estariam dispostos a isso? "

E não é que ninguém se pronunciou. Porque será?

E enquanto o mundo vai caindo de podre os islandeses vão reconstruindo o seu país, com trabalho e sacrifício dos que não abandonaram o barco, e com mão pesada para os corruptos que demoraram a abandonar o barco. Só posso sentir respeito e admiração por um povo assim.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=lNt7zc6ouco

rui sousa disse...

http://www.informacaosindical.net/site16/informacao-sindical/305-cavaco-silva-versus-olafur-grimsson

Jorge Pinheiro disse...

Quanto ao post, não vejo grande diferença entre estes e outros, futuros e passados. E isso é que assusta. A qualidade de governantes vai sempre piorando e quando julgamos que já batemos no fundo, ainda descemos mais.
Quanto à Islândia, penso que não há comparação possível, excepto a nossa inveja. Um país com menos de 1 milhão de pessoas. Com estruturas e mentalidades diferentes. Com apoio da Dinamarca e da Noruega. Sem estar no euro... Penso que é comparar alhos com bugalhos e não adianta nada para a nossa felicidade.

Silvares disse...

Rui, a Islândia é um caso extraordinário e os islandeses merecem, sem sombra de dúvida, a nossa mais profunda admiração. Também tenho pensado muito sobre o que temos nós de abdicar para podermos ser livres? As respostas que se me vão formando no espírito são dúbias e, todas elas, de extrema dureza. É um debate importante.

Jorge, concordo contigo mas também discordo. Talvez seja tempo de começarmos a misturar alhos com bugalhos para ver no que dá. A separação dos ditos tem dado nisto que conhecemos.

rui sousa disse...

A Islândia deveria ser uma grande fonte de inspiração para todos nós, exactamente porque o que se passou lá tem muito pouco de ideológico e é apenas a democracia pura a funcionar, tudo ao serviço de um povo e de uma nação. É difícil? Claro que sim. Se fosse fácil também não estariam agora orgulhosamente a festejar. Eles não gostam de festejar vitórias fáceis. Ninguém deveria gostar.

Rui, há uma linha na vida que nunca deveríamos ultrapassar. Perder o orgulho, a dignidade e a nossa independência deveria ser para todos nós muito pior que perder qualquer beneficio material, fosse ele qual fosse. Sentir que isso não é um factor de união nas pessoas deixa-me profundamente triste.

Silvares disse...

Rui, só se perde algo que se tenha adquirido. Para muitos de nós coisas como orgulho, dignidade e independência mais não são que conceitos absolutamente abstractos.
Talvez alguma coisa esteja a mudar. Talvez esteja a nascer uma consciência política entre a população. Parece-me que será um processo lento... mas para que algo mude é necessário alterar por completo vários aspectos da nossa vida, seja como indivíduos seja como comunidade. Estaremos prontos?

rui sousa disse...

É isso. A tua pergunta faz todo o sentido. Eu acrescentaria ( se calhar dizendo a mesma coisa mas de outra maneira ): o que é que hoje nos une, verdadeiramente, como povo e como nação? O que é que estamos dispostos a fazer por esta coisa a que chamamos Portugal? É mesmo importante para nós sermos livres?

Jorge Pinheiro disse...

Depende. Uns tempos atrás pensava que uma inserção completa na UE nos daria mais força e independência no mundo globalizado. Agora já não sei.

Silvares disse...

Rui, sem liberdade haverá alguma coisa que faça sentido?

Jorge, partilho as tuas dúvidas.