Quando regressamos a um local que nos impressionou as nossas expectativas são conforme a nitidez das recordações que dele guardámos. O tempo encarrega-se de colorir e fazer brilhar as imagens ou, pelo contrário, dá-lhes contornos inesperadamente desagradáveis e obscuros; a memória está longe de ser algo em que possamos confiar plenamente.
Há uns anos atrás estive no Museu do Louvre e, nessa ocasião (ver aqui post sobre essa memória), procurara em 1º lugar "A Virgem do Chanceler Rolin", uma pinturinha de Jan Van Eyck que, na altura, me cortou o fôlego de forma tão absoluta e avassaladora que me fez chorar de comoção. A recordação que guardei foi de tal modo marcante que, neste regresso ao mesmo local, lá andei até encontrar a dita tábua pintada pelo mestre flamengo.
O tempo passou mais sobre mim que sobre a dita pintura que já vai na provecta idade de cinco séculos, mais coisa menos coisa e eu nem meio século tenho ainda. Sobre um objecto como aquele o tempo de vida já pouco poder o tempo detém mas, sobre um tipo como eu, o tempo muito pode e muito faz. A memória de um objecto luminoso e colorido como poucos (ou mesmo nenhum outro) excitava-me os sentidos. Neste reencontro tudo me pareceu diferente.
A tabuinha lá estava, rodeada por outras obras de que guardava, também, gratas recordações mas, desta vez, pareceu-me tristonha e pouco vibrante. Aguardei pacientemente que alguns visitantes munidos de "audio-guides" passassem ao ponto seguinte do seu percurso. Aproveitei para rever com detalhe a obra de Rogier van der Weyden, o "Tríptico da Família Braque" que também me apareceu escura e pouco de acordo com a memória gloriosa que dela guardava. Que raio!
Quando o espaço em redor da "Virgem..." se desocupou tomei o meu lugar. Sentia um direito especial para a contemplação daquela obra-prima da pintura universal. Afinal de contas fizera-me chorar na ocasião do nosso primeiro encontro e, desta vez, a química extraordinária que entre nós se havia estabelecido estava mais fraquinha que uma vela a tentar brilhar junto de um holofote.
Olhei e voltei a olhar. Mudei de posição, torci a cabeça, semicerrei os olhos e... nada! A magia não estava ali. Senti-me inquieto, incomodado mesmo. Olhei em volta mas não notei nada de especial nas outras pessoas. Tudo parecia estar dentro da mais aborrecida das normalidades.
Reli o post que escrevi em Março de 2006 sobre esta pintura e fiquei (estou) a pensar.
Talvez as condições de iluminação da sala agora sejam diferentes (tenho a sensação de que se trata de outra sala!), não posso afirmar nada de concreto. Talvez não seja possível repetir uma sensação tão marcante e avassaladora como aquela que quase me derrubou da primeira vez que vi "A Virgem...", talvez...
Agora sinto-me um pouco triste. Não encontrei outra vez aquela sensação de extraordinária felicidade que tivera anteriormente. Talvez nunca mais a encontre. É como recordar a primeira paixão. Lembras-te, estimado leitor? Lembras-te de sentir o coração aos pulos, o olhar desorientado, o corpo a ser atraído para a pessoa amada como se ela fosse um irresistível ímane que atraísse a tua carne, que atraísse todo o teu ser e te sugasse a alma? Há quanto tempo não experimentas essa sensação?
Há coisas que se sentem uma vez na vida. O resto será sempre saudade.
5 comentários:
As sensações só se sentem pela primeira vez. É isso que as distingue das percepções. Por isso nos lembramos de coisas que vivemos pela primeira vez, em idade muito recuada (sensações) e esquecemos as percepções da sua repetição. Abraço.
tadito
Jorge, grato pelo esclarecimento. Mas não deixa de ser algo frustrante...
Dear Zé, na minha terra diz-se que "taditos" são os... taditos.
:-)
Rui,
ainda bem que tivestes essa maravilhosa sensação. O pior é quando acontece a primeira e grande decepção ou frustração. Nem sobra saudade! Comigo aconteceu com a Monalisa.
Eduardo, a Mona Lisa já tentei visitar por duas vezes mas ela tinha demasiados convidados na sala, nem deu para conversar!
:-)
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