quarta-feira, junho 08, 2011
Momento de glória
A rapariga era demasiado bonita. O rapaz imaginava. Sentia o mundo todo atirado para dentro do seu coração. Os olhos dela podiam passar por ele apenas como um pano de pó que limpa com desinteresse o tampo de uma mesa de café. Mas, na imaginação do rapaz, aqueles olhos enfiavam-lhe o mundo todo dentro do coração que mais parecia o tambor dos Cramps. E ele a fazer de herói, a exagerar na bravura.
O rapaz era um matulão pleno de coragem infantil a fintar os adversários. Um, dois, com menos dois palmos que ele e, ainda, a fintar um terceiro, apenas imaginário. Finalmente lá estava ele defronte à baliza, a desferir um remate potentíssimo perante um guarda-redes pequenino, como um passarito caído do ninho. O remate estoirou e o guarda-redes de boca aberta, olhos fechados, cabeça encolhida, esticou os braços com timidez, sentindo apenas o silvo abrasador da bola que passou por ele e entrou baliza dentro a voar como um míssil Tomahawk.
E o rapagão sempre a imaginar que os olhos da menina, bonita como o sol, a imaginar que os olhos dela vêem o mesmo que os dele, agora fechados, saboreando a glória, a imaginar que os olhos dela vêem o mesmo que os dele imaginam.
O rapagão convicto que ela sente o mesmo que o seu cérebro em brasa vai cravando, a fogo apaixonado, no seu próprio imaginário: um herói completo! Parte Hellboy, parte Batman, parte Wolverine, com um toque bem visível de Spongebob Squarepants, que a maturidade não dá para aguentar tanto músculo nem tanto potencial de malvadez.
O rapaz festeja o golo. Braços erguidos em "V", uma corrida sinuosa, os gritos da multidão atroam-lhe os ouvidos. Quando regressar verá que a menina já se foi embora e que os outros jogadores estão, apenas, profundamente irritados e desgostosos de tão evidente supremacia. Mas ele não vai compreender nada por tudo ser tão real!
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