domingo, janeiro 16, 2011

O medo



“O vírus da gripe A é o predominante em Portugal, tendo sido identificado em 63 por cento dos casos analisados no âmbito da vigilância epidemiológica da síndrome gripal do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.” Esta notícia recente passou despercebida, quase uma nota de rodapé. Ninguém se sobressaltou nem houve alarme social. Está tudo tranquilo.

O ano passado por esta altura uma notícia deste género seria capa de todos os jornais diários e haveria profecias desgraçadas na abertura de cada serviço noticioso nos 3 canais de televisão em sinal aberto. Nesses dias longos artigos vasculhavam o medo colectivo e lançavam o pânico entre a população. O ano passado assistimos e vivemos uma das maiores campanhas mediáticas jamais lançadas na aldeola global, promovendo não uma vedeta pop ou um novo gadget tecnológico mas um vírus tão terrível que estava aí para nos fazer pagar os mais negros dos nossos pecados.

Porque estamos agora tão indiferentes ao dito vírus? Estaremos vacinados contra o medo? Não. Não estamos vacinados contra o medo, longe disso. As capas dos jornais e o serviços noticiosos na TV apenas mudaram a face do objecto que nos inquieta e nos tira o sono. Agora é a crise económica ou o juro da dívida pública. As pessoas sobressaltam-se, o alarme social berra, esganiçado e estridente, o mundo parece rodar ao contrário. Quem nos vale? Quem nos salva?

A comunicação social deixa-se levar (ou tem algum interesse?) nestes mind games em grande escala e transforma-se mais em veículo da paranóia do que em algo que a combata. A comunicação social alimenta o medo e o medo alimenta-se de nós todos, come-nos a vontade e o entusiasmo. Andamos perdidos, como baratas tontas.

O medo é a forma mais eficaz de tolher a liberdade. Uma sociedade amedrontada fica à mercê de homens providenciais e aceita a imposição de leis excepcionais que, de outra forma, recusaria com veemência. O medo faz de nós carneiros e nós, em vez de fazermos ouvir a nossa voz, limitamo-nos a balir. Somos animais para abate, seres vivos descartáveis. Os corpos, quando deixam de ser animados por sonhos, não valem nada. A nossa sociedade precisa de sonhos. Basta de ter medo.

carta enviada ao director do jornal Público

6 comentários:

Silvares disse...

Vénia.
:-)

Marina Ruiz disse...

já não vinha ao seu espaço há tanto tempo que quase me tinha esquecido como o professor consegue ser espectacular.

Silvares disse...

Grato pelo elogio.

Jorge Pinheiro disse...

Grande texto. Fui ao hospital com a minha mãe. Misturam a gripe com os outros doentes. Tudo com paninhos na boca. Será a crise? Eu fiquei com medo.

Silvares disse...

Talvez tenhas ficado receoso. O receio não é bem a mesma coisa que o medo.

Beto Canales disse...

Excelente.