sexta-feira, dezembro 31, 2010

2010... 11


De que andas tu à procura quando não procuras nada?
Há, na tua cabeça, ecos de coisas que te esqueceste de pensar.
Amanhã é um novo ano, coisa de calendário.
Que te seja leve, é o meu desejo.
Beijos e abraços.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Ler


Acabei de ler o romance "Estrela Distante" de Roberto Bolaño. Se "2666" me tinha impressionado favoravelmente, com este 2º livro do autor chileno decidi ler tudo o que encontrar assinado por ele. O gajo escrevia de uma forma assombrosa. Quando leio Bolaño é como se estivesse a ler as coisas que gostaria de ter sido eu  a escrever, forma e conteúdo, e é perante a grandeza da sua escrita que compreendo como me falta arte e, sobretudo, como me falta vida. Resumindo, percebo como me falta tudo!

Diz o ditado que "não há bela sem senão"; e o senão nesta história de contornos felizardos é a edição que me foi oferecida no dia de Natal. A coisa saiu com a chancela da Teorema e além de uma capa assim a dar para o muito ranhoso tem um conjunto de gralhas e descuidos vários, capazes de irritar o mais santo dos leitores, pormenores que sugerem que a edição foi feita à pressa ou então com falta de tempo.

Nada que impeça a leitura deslumbrante de mais esta história negra como a noite escura, contada com um brilho capaz de ofuscar a luz do sol. Decerto exagero nos elogios, mas não faz mal, Bolaño merece o exagero.

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Coisas redondas


Aproxima-se o final de ano e surgem as tradicionais listas das coisas mais importantes do ano. Ele são os 10 melhores livros ou as 100 pessoas mais glamorousas, as 50 medidas do governo para atacar a crise, listas sempre compostas por números redondos.

Não encontramos os 11 melhores discos nem os 27 cientistas mais relevantes no panorama internacional. Nada disso. As listas têm sempre 10, 50, 100 elementos, como se esses números encerrassem alguma espécie de magia sobrenatural (que a magia do costume, a magia do quotidiano, não impressiona por aí além).

Esta redondice numérica deixa-me sempre a pensar que há-de haver por aí muita injustiça. Ou alguém (ou alguma coisa) entra na lista indevidamente, só para arredondar, ou então cai fora por estar a estragar a beleza da coisa.

A partir de agora vou dedicar-me a procurar as coisas (ou as pessoas ou o que quer que seja)  que estão a mais ou a menos nestas listas, as pontas indesejadas ou os elementos integrados apenas para embelezar.

Nesta minha nova busca descobri que a elaboração de tais listas redondas é, por si só, absolutamente redundante. Percebi que as listas são feitas apenas porque sim e apenas não seriam feitas porque não.

Daí que este post seja, tal como essas listas, uma espécie de coisa nenhuma, uma coisa redonda e imperfeita, como apenas as coisas redondas podem ser. A minha busca acabou mal tinha sido iniciada.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Plásticos

Os homens dos anúncios publicitários não têm pêlos. Não têm pêlos no peito, nem na cara, nem nas pernas, são pelados. Mais barbeados que o rabinho de um bébé, tão lisos e limpos como o chão de um corredor de hospital futurista. São avatares do homem que aí vem, o homem que já quase existe e não tarda em chegar. Representam a imagem do homem desejado pela sociedade de consumo pós-industrial.

Seja por obra e graça do Photoshop ou da depilação a laser, são homens-bonecos, próximos da coisa de plástico, como se fossem todos clones do namorado da Barbie, reproduções baratas de estátuas gregas para vender a pataco. A invenção desta new thing parece dizer-nos ao ouvido: vê lá se te aperaltas e te deixas de merdas pois isso é que é importante e faz a felicidade brilhar. Revoluções? Isso é coisa de tipos feios e barbudos, cheios de pêlos, como os macacos.

Como será o Pai Natal, sem barba nem barriga de cerveja, representante de uma masculinidade lisa como um saco de plástico?

sábado, dezembro 18, 2010

Uma suspeita

Não sei se sentes o mesmo que eu, caro leitor. Eu sinto que, apesar de o tempo passar e ir deixando marcas no meu corpo, alterando-me o aspecto exterior, por dentro, naquilo que, penso, seja a minha alma, não noto alterações tão profundas quanto as rugas que agora me desenham o rosto. Lá no fundo (cá no fundo) continuo a ter os impulsos e os anseios que sempre tive  desde que me lembro de me lembrar de alguma coisa.

Na essência não me parece que esteja assim tão afasatado quanto seria de esperar daquilo que fui em criança. Suspeito que sou, que todos somos, crianças envelhecidas, crianças grandes, mas crianças.

Inventamos formas de imaginar que o crescimento do corpo implica o crescimento da alma. Que a idade adulta é muito diferente da imperfeita adolescência, que a adolescência é demasiado próxima da infância, mas cada vez mais me convenço que as coisas não são assim tão claras, muito menos são evidentes.

A idade adulta apenas dificulta a aceitação de que continuamos com desejos e impulsos infantis. Queremos continuar a ter tempo livre para brincar mas, como isso é complicado, passamos a transferir o espírito das nossas brincadeiras infantis para as relações de trabalho, para o quotidiano delirante que vivemos. Porque a vida é um eterno delírio.

Se assim for, mas posso perfeitamente estar enganado, fica explicada a razão de tanto desmando na superficie do planeta, tanta confusão e desgoverno nas nações, fica explicado o falhanço da sociedade patriarcal em que nos vamos, paulatinamente afundando. Os grandes chefes de estado não são mais que crianças tristes e angustiadas, os donos das empresas multinacionais são como adolescentes maldosos e rassabiados, todos eles, todos nós, saudosos do amor materno e do conforto uterino, memória para sempre perdida.

Imagino que a solução para os males do mundo seja entregar, de uma vez por todas, o poder às mulheres. Apenas uma mãe poderá por em ordem as nossas cabeças desorientadas de crianças.

sábado, dezembro 11, 2010

O sintoma


O “Caso Assange” está a deixar atrás de si um rasto de destruição do tecido democrático que poucos conseguiriam imaginar aqui há uns meses atrás. Mas essa destruição não é o que está a degradar a democracia. O que a Wikileaks tem vindo a destruir com uma eficácia robótica é o véu difuso que cobre aquilo a que chamamos “democracias capitalistas”, deixando a céu aberto alguns esgotos fedorentos que nos têm sido apresentados como canalizações seguras de água potável.

Muita gente se insurge contra o facto de Assange apontar baterias ao império americano deixando fora da vergonha que tem exposto os “impérios do mal” chinês ou russo. Essas pessoas afirmam que se está a destruir um dos mais preciosos bens das “democracias capitalistas” que é o segredo em que se fabricam discutíveis negócios diplomáticos, como se a falta de escrúpulos e a gula dos mais poderosos fosse uma espécie de direito divino a que nós, os basbaques da ordem, não temos o direito de assistir.

Não vejo esses a questionar o facto de o nosso Estado Social estar a ser assassinado pela concorrência desleal entre economias que assentam em paradigmas opostos. Abrimos os mercados internacionais à concorrência feroz entre sistemas que nada têm em comum no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores. Por isso vemos com a maior das naturalidades as empresas multinacionais a “deslocalizar” os seus centros de produção para países onde trabalho é sinónimo de escravatura, atirando milhares dos nossos para o desemprego e a miséria e achamos normal. São as regras do jogo. O lucro tudo justifica da mesma forma que o segredo diplomático. Os fins justificam os meios. Isto não me soa nada democrático.

A Wikileaks é um sintoma da doença que vem corroendo as democracias ocidentais, não é a doença, em si. O que temos agora perante os nossos olhos é a evidência de algo que há muito suspeitávamos, o declínio do nosso império planetário é imparável. Fecha-se o ciclo de dominação do Ocidente iniciado com as viagens marítimas dos europeus e o seu superior desenvolvimento tecnológico, político e social que culminou no domínio colonial sobre o resto do mundo. Com o fim dos impérios coloniais estamos agora, teoricamente, em pé de igualdade com aqueles que explorámos e humilhámos ao longo de séculos. É tempo de ajuste de contas e a porrada que estamos a levar não é bonita de se ver, aqui deste lado.

A Democracia à moda da Grécia Antiga, que foi o nosso orgulho e a nossa bandeira durante a segunda metade do século XX, está toda esburacada e mais suja que uma fralda de recém-nascido. Já não faz sonhar ninguém nem mobiliza multidões de idealistas convictos. Vendemos a Democracia ao capital e o que temos em troca é esta deterioração do nosso modo de vida em função de uma natural ascensão de países não democráticos à condição de potências dominantes num mundo economicamente globalizado. Trocámos um ideal de civilização por uma sociedade selvagem alindada por uma mão-cheia de gadgets tecnológicos, onde os grandes comem os pequenos sem remorso nem a mais pequena sombra de hesitação.

O que a Wikileaks está a fazer é apenas despertar a consciência que temos da decadência do império.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Sossego ou medo?


Toda esta história em volta de Assange me deixa a pensar em várias coisas, nem sei bem qual delas a mais desagradável.

Fico a pensar que  toda a histeria democrática com que bombardeamos regularmente os chineses por não permitirem um espaço de informação e comunicação aberto e sem censura não passa disso mesmo, histeria. Histeria e cinismo porque, afinal de contas, a liberdade de expressão não é assim tão radical como se pensa.

Penso também que o sonho de uma sociedade aberta e governada por personagens interessadas no bem comum é mais um pesadelo que outra coisa. Lá por trás anda tudo metido em cenas pouco edificantes e o que passa para os canais de informação convencionais são meros contos fantásticos. Quando alguém mete a boca no trombone e deita cá para fora hsitórias verdadeiras que desconstroem os tais contos fantásticos está a arriscar a pele. Isso não deveria acontecer mas, como podemos constatar com o caso de Assange, é o que acontece, de facto.

Finalmente, uma dúvida: o que é melhor para as sociedades democráticas, saber o que se passa ou viver na ignorância e na ilusão? A ignorância sossega, a verdade assusta?

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Em fuga no espaço virtual


O amigo Assange está feito num oito. Realmente não sei bem do que estava ele à espera ou de que estavamos nós à espera que lhe acontecesse a ele e ao seu terrível site da Wikileaks. Após os verdadeiros assaltos à imagem da administração norte americana e aos abanões que as revelações da Wikileaks têm dado à credibilidade (ou, pelo menos, à seriedade) de uma parte dos dirigentes mundiais, o que poderia Assange esperar da vida?

Perseguições, é bom de ver. Perseguições a ele e ao seu site que vem sendo empurrado e apagado aqui e ali, pelo espaço virtual fora. O que a Wikileaks faz não é particularmente elegante. A discussão em torno dos métodos e dos conteúdos tem sido grande. Mas, não sendo elegante, tem a eficácia de uma martelada no dedo grande do pé.

Assange anda por aí, em fuga. Martelou demasiados dedões e com demasiada força. Esperemos que consiga continuar a escapar-se e  a dar marteladas a torto e a direito.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Finalmente, um pouco de beleza no mundo!


O trabalho da Wilkileaks é como um raiozinho de sol a aconchegar uma abelhinha que retira o pólen a uma delicada flor num imenso prado, outrora verde. A beleza da coisa tem também a ver com o facto de haver já dissidentes da Wikileaks que criticam a actual orientação do site por se centrar demasiado nos EUA e se manifestam dispostos a criar outro site do mesmo género, coisa linda como esta mas com vistas mais alargadas, depreende-se.

Entretanto a Interpol emitiu um mandado de captura internacional contra Julian Assange que lhe terá escapado à justa ainda esta manhã, ou ontem, ou lá quando foi. Não pode haver uma coisa bonita que não desperte a inveja ou a falta de sentido estético dos mongas que governam este mundo. Anda tudo doido por deitar a pata ao bom do Julian, o esteta.

Assange verteu uma boa dose de beleza neste mundo a desfazer-se em merda ao destapar a fossa, mostrando o aspecto real da coisa; feiosa, miserável, mesquinha, uma monstruosidade, é o que é o mundo que nos encaixa nos nossos corpos e oprime as alminhas que os animam.
Espero que Assange escape e continue a produzir estes momentos únicos de beleza resplandescente.

terça-feira, novembro 30, 2010

Jardinagem


Enxertar rebentos da realidade numa planta inexistente: essa é a actividade do artista, jardineiro de coisa nenhuma no magnífico jardim do Marajá.

sexta-feira, novembro 26, 2010

Um problema

O cartaz do filme


Estou com um grave problema. Comecei a ler "Expiação" de Ian McEwan, um dos autores que mais tenho lido nos últimos tempos e que admiro profundamente ao ponto de pretender ler todos os seus livros já editados em português. Então que raio de problema posso ter com "Expiação"? O meu problema chama-se FILME que, ainda por cima, vi duas vezes; uma no cinema outra em casa.

Não me lembro de outra ocasião em que tenha visto primeiro um filme e depois tenha lido o livro que lhe deu origem. O contrário já aconteceu uma vez ou outra e, nessas ocasiões, pude sempre concluir da extraordinária distância entre dois objectos que se debruçam sobre o mesmo tema recorrendo a diferentes formas de expressão artística. Normalmente parece-me que a Literatura vence o Cinema com bastante à vontade. Desta vez tenho um problema.

Logo na 1ª página fui assaltado pelas persongaens do filme. McEwan descreve a personagem e eu já estou a vê-la antes do fim da descrição e, pior que tudo, estou a comparar as dificuldades que os responsáveis pelo casting do filme tiveram para escolher as pessoas que correspondessem à imagem literária de McEwan.
E esta reflexão alastra para as cenas em si, para os ambientes, para a interioridade das personagens... caraças, o filme está a infectar-me a leitura com uma doença grave e deformadora tanto da pele quanto das entranhas do meu prazer na leitura.

A doença do meu prazer é de tal modo grave que pondero seriamente passar em falso a leitura de "Expiação" e dedicar-me a outra obra de McEwan uma vez que ainda me faltam duas ou três. Não sei, ainda não me decidi. Mas uma coisa eu garanto: muito dificilmente repitirei esta proeza. Adoro cinema mas, percebo agora, a leitura é-me bastante mais querida.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Entre uma coisa e outra


Aqui há dias fui ver o mais recente filme de Harry Potter. Penso que falhei um dos episódios da saga do feiticeiro (já não posso dizer "do pequeno feiticeiro"), ou terei falhado dois? Não sei bem.

Quando a minha filha começou a ganhar autonomia para ir ao cinema com os amigos deixei de seguir religiosamente as aventuras de Harry Potter e seus compinchas. Ela tornou-se uma cinéfila respeitável, com um variado leque de gostos que muito me orgulha, alguns bastante (muito) exigentes. A série do feiticeiro faz parte daqueles que não pode perder.

A qualidade dos filmes parece-me bastante razoável sob todos os aspectos. Não me entusiasma mas também não me incomoda. "Os talismãs da Morte - parte 1" vê-se com agrado. Algumas das personagens que transitam de filmes anteriores eram-me desconhecidas mas isso não me impediu de seguir "por dentro" as peripécias da narrativa.

A cada novo filme os actores estão (muito) mais crescidos e o tom do ambiente geral é cada vez mais negro, por vezes parece-me mesmo algo cruel. Se os primeiros filmes da série eram infantis, os mais recentes deixaram de o ser. Imagino que uma criancinha fique um tanto incomodada com algumas cenas. Os espectadores fiéis de Harry Potter cresceram e, com eles, cresceram os actores e a narrativa geral da coisa tornou-se, também, mais adulta.

Harry Potter é, sem dúvida, um dos maiores fenómenos culturais do mundo globalizado pelos meios de comunicação supersónicos. Um mundo mágico, onde a verdade e a realidade se podem separar com nitidez mas que nos permite sonhar mais quando estamos acordados, seja na sala do cinema ou aqui, sentados defronte deste écrã, a olhar o mundo virtual e a viver esta vida que não sabemos muito bem que tipo de vida é. Nem verdade, nem realidade, algo entre uma coisa e outra.

domingo, novembro 21, 2010

Fotografa-me, fotografa-me por favor!


Tenho tentado ignorar ao máximo esta coisa da cimeira da NATO (ou da OTAN, como se diz em português esta coisa). Há, a toda a volta do acontecimento, um folclore que me indispõe. São os políticos que parecem querer apenas as suas oportunidades de foto de mão dada com Obama e um sorriso afivelado nas beiças. Ou a parecer que estão a dizer uma coisa muito importante a fulano, talvez o assunto seja sicrano, mas podem muito bem estar apenas a dizer que "hoje ainda não caguei" que o resultado é o mesmo. A foto só mostra o aspecto não mostra o conteúdo. E é assim que toda esta pompa e circunstância aparece aos meus olhos. O que sai cá para fora, o que nos entra nos ouvidos, é uma ínfima parte do que por ali se discute. Nas sessões abertas aos jornalistas só se deixam cair da boca para fora discursos de circunstância,  bocas para fazer manchetes agradáveis. As conversas que interessam, aquelas que são hard-core, 1º escalão, têm-se à sorrelfa, longe dos orelhudos que escrevinham nos jornais.

Do outro lado, nas ruas, o folclore é diferente mas também parece obedecer a regras pré-formatadas. São os gajos com rastas e os que se algemam em cima dos que se deitam no chão. Todos pacifistas e anti-guerra e anti-qualquer-coisa que lhes cheire a não-sei-quê. Também estes procuram a sua oportunidade de foto, por que outra razão uma pessoa haveria de despejar latas de tinta vermelha pela cabeça abaixo?

Nos dias em que esta coisa andou por aqui continuei a comprar jornais mas, em vez de ler os longos textos de especialistas e jornalistas limitei-me a ver as fotos. Afinal de contas é o que realmente interessa aos protagonistas de todo este folclore mediático.


Um dia de protestos anti-NATO no centro de Lisboa from jmsb on Vimeo.

quinta-feira, novembro 18, 2010

O deserto está vazio


É a partir de amanhã que se reúne em Lisboa a tão badalada cimeira da NATO. Que vai ser histórica, dizem os polítiquitos tugas, sempre a tentarem enfiar os respectivos nomes nas páginas dos livros que contam como as coisas foram, esquecendo-se de tentar inscrever os nomes nas páginas dos livros que propõem como as coisas vão ser; que é uma reunião importantíssima para o futuro desta santa aliança, dizem os analistas, que vai ser uma grande merda, digo eu (que sou um chato).

As medidas de segurança em volta do pessoal que voa de todas as partes do mundo em direcção a Lisboa como limalha de ferro atraída por um íman poderoso, fazem da capital portuguesa um local em aparente estado de guerra. As fronteiras da nação estão fechadas durante o tempo que durar esta coisa, há polícia por todo o lado, carros revistados, pessoas revistadas, como nota Miguel Esteves Cardoso no Público de hoje, a Lisboa que os visitantes ilustres vão ver parece-se mais com a célebre Green Zone de Bagdad que com a menina e moça daquela canção que por vezes ainda se ouve por aí.
Todo este aparato marcial faz pensar. Mas, deixando de lado os tais pensamentos que, só por si, davam material para um post que nunca mais acabava, deixo apenas uma pergunta: porquê em Lisboa, meu Deus?

Porque se faz uma reunião destas no meio de uma cidade que tem o seu ritmo de vida diário normalzinho, o seu quotidiano delirante bem oleado e em funcionamento, que vai parar na sexta-feira; uma cidade que é posta em estado de sítio num dos países mais pacíficos deste mundo (há quem diga que é um país em estado de coma andante). Até parece que se está a convidar um bando de demónios para reunir na capital do paraíso! Porque não fazem estas merdas em lugares onde não haja uns milhões de pessoas a atrapalhar os figurões? Os desertos estão sempre tão vazios...

terça-feira, novembro 16, 2010

Animais falantes


"Somos uma manada de merda" disse um deles; "Gritamos, ameaçamos e reclamamos mas, na verdade, estamos apenas a mendigar um pouco de atenção e alguma compaixão. Ficamos satisfeitos com uma esmola sentimental. O pior é que os cabrões sabem disso e não nos levam a sério."

domingo, novembro 14, 2010

RED, vermelho de gozo


Bruce Willis numa cena destas é absolutamente normal. Morgan Freeman, também. John Malkovich já pode ser considerado surpresa mas, Hellen Mirren!? Essa é mesmo inesperada. Juntemos Mary-Louise Parker e temos completo o elenco principal  deste filme de acção inspirado numa Banda Desenhada da DC Comics.

O registo global é de comédia marcial. Os maus estão por lado e mesmo os bons são, na verdade, muito mauzinhos. Tiros, mortes e explosões em catadupa, frases corrosivas e personagens pouco usuais (estou a pensar na de Malkovich, um ex-assassino da CIA que foi submetido a experiências que consistiram em enchê-lo de LSD diariamente, ao longo de vários anos).

Resumindo e concluindo, um produto de consumo imediato que se consome com agrado e alguns sorrisos (talvez até com alguns risos). No final... bom, no final não restará grande coisa mas também não me parece que ninguém vá ver este filme à espera de compreender um pouco melhor o mistério da existência humana.

sábado, novembro 13, 2010

Uma citação


Tenho uma admiração especial por Jorge Luís Borges. Quando leio alguma coisa de todas as coisas admiráveis e maravilhosas que ele deixou é como se estivesse a ouvir a voz da Sabedoria. Essa voz soa-me gentil e poderosa, uma expressão contínua da beleza que as coisas do mundo encerram.
Deixo um excerto de Este Ofício de Poeta, um conjunto de lições exemplares e comoventes.

"Todas as vezes que mergulhei em livros de estética tive a sensação desconfortável de estar a ler livros de astrónomos que nunca olharam para as estrelas. O que quero dizer é que escrevem sobre poesia como se a poesia fosse uma tarefa e não o que realmente é: uma paixão e uma alegria.
(...) A poesia não nos é alheia - a poesia espreita, como veremos, a cada esquina. Pode saltar-nos em cima a qualquer momento.
Agora estamos prontos para caír numa confusão vulgar. Pensamos, por exemplo, que, se estudamos Hoemro, ou a Divina Comédia, ou Frei Luís de Léon, ou Macbeth, estamos a estudar poesia. Mas os livros são apenas ocasiões para a poesia.
Acho que Emerson escreveu algures que uma biblioteca é uma espécie de caverna mágica cheia de mortos. E esses mortos podem renascer, podem voltar à vida quando abrimos as suas páginas.
Por falar no Bispo Berkeley (o qual, deixem-me recordar-vos, foi um profeta da grandeza da América), lembro-me de que ele escreveu que o sabor da maçã não está na própria maçã - a maçã não se saboreia a si própria - nem na boca de quem a come. Rquer o contacto entre as duas. O mesmo sucede a um livro ou a uma colecção de livros, a uma biblioteca. Na verdade, o que é um livro em si? Um livro é um objecto físico num mundo de objectos físicos. É um conjunto de símbolos mortos. E então chega o leitor certo e as palavras - ou melhor, a poesia por trás das palavras, pois as palavras em si são meros símbolos - saltam para a vida e temos uma ressurreição da palavra."

páginas 8 e 9 na edição da Teorema.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Alívio quase total


Por vezes tenho a sensação de que o mundo já acabou e que agora vivemos num lugar muito mais esquisito. É tudo muito triste. Não há nada para fazer e as pessoas sentem-se abandonadas, vagueando por aí, sem trabalho. Isso leva-as a agir de forma bastante bizarra.
Quando esta sensação cresce demasiado e começo a ficar assim a dar para o deprimido, belisco-me com força ou dou um soco na testa e percebo que ainda estou aqui, que tudo aquilo, afinal, não era mais que uma espécie de sonho. Talvez um pesadelo.
A dor traz-me de volta à realidade e eu sinto-me melhor. O mundo não acabou e os zombies do meu sonho são apenas mendigos, velhos e pessoas desempregadas à procura de qualquer coisa. Perante um quadro destes sinto-me muito melhor. Para ser sincero, sinto-me aliviado.

terça-feira, novembro 09, 2010

Encolheste os ombros hoje?


"(...) e o guarda florestal encolhia os ombros. Os encolhimentos de ombros podiam significar que uma pessoa não sabia nada ou então que a realidade era cada vez mais vaga, mais parecida com um sonho,ou então que tudo ia mal e que o melhor era não perguntar nada e armar-se de paciência."

Roberto Bolaño, 2666, página 796

domingo, novembro 07, 2010

Fincher regressa


David Fincher já fez vários filmes que não se esquecem do dia para a noite. Clube de Combate ou Sete Pecados Mortais figuram sem dificuldade nas listas de filmes mais sólidos das últimas décadas. Com Benjamin Button parecia ter perdido um pouco a eficácia narrativa que agora recupera em A Rede Social em grande estilo.

A primeira cena deste filme dá o tom, logo à partida. Personagens com espessura, diálogos bem construídos, ritmo trepidante. Tal como numa página de Facebook, somos confrontados com diferentes linhas narrativas em simultâneo. Os flashbacks entram na perfeição, o espectador nunca se perde nem perde o interesse pela sequência de acontecimentos.

A capacidade de criar e marcar diferentes ambientes visuais e sonoros contribui notavelmente para  a qualidade global do filme. A ver. Sem receios de qualquer espécie.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Visões do Brasil


Muitos dos vsitantes do 100 Cabeças são cidadãos brasileiros. Por aqui (leia-se em Portugal) as notícias e artigos de todo o tipo de jornais referem-se com frequência ao Brasil. São perspectivas tomadas deste lado do Oceano Atlântico. As eleições para o presidente (a presidenta) fizeram chover torrencialmente notícias, reflexões, opiniões e mais que Deus tenha inventado, sobre o Brasil. O Brasil é uma paixão antiga, um amor por resolver.
Fico sempre curioso como verão os brasileiros aquilo que nós deles vemos. Por isso deixo aqui este link e mais este, para textos de Rui Tavares que saíram no jornal Público e estão no seu blogue. Da parte que me toca parecem visões interessantes e que me merecem um crédito razoável. Será tanto assim?

quinta-feira, novembro 04, 2010

Sonho americano



Sonhava com uma casa nos subúrbios, um jeep (daqueles grandes, cheios de espaço inútil), um marido (com os dentes todos e um sorriso fixo), um filho (loiro e de olhos azuis, apesar de ela ser uma hispânica morena e ter cabelo cor de andorinha). Sonhava ainda com um cão, para passear ao fim do dia, quando o sol dourasse os telhados da vizinhança.
Mas, nos últimos tempos, tinha a sensação de que o cão era ela. Melhor dizendo; que ela era a cadela.

quarta-feira, novembro 03, 2010

O cérebro exposto


Os olhos são a parte exposta do teu cérebro, a forma que ele encontrou para contactar o mundo que o rodeia. Os olhos são como excrescências cerebrais atraídas para a luz, pedaços de tecido que rastejaram para fora da caixa craniana protectora. Os olhos são instrumentos de inteligência altamente sofisticados.
Não escondas os teus olhos pois desse modo cegas o teu cérebro que deverias alimentar com visões e outras coisas dignas, reveladoras, magníficas! Abre bem os olhos e vê.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Máximas mínimas


As pessoas anseiam por causas que substituam os ideais perdidos.
Um ideal aloja-se-nos no cérebro, uma causa infecta-nos o coração.

sábado, outubro 30, 2010

Irmãs (quase) gémeas


Quanto mais progredimos na preservação da vida humana, estendendo progressivamente o nosso tempo de habitantes do planeta Terra, mais abrimos a porta à doença e à pobreza.
O envelhecimento da população aumenta o número de casos de doenças relacionadas com o desgaste das peças que constituem o nosso organismo. A doença de Alzheimer é um exemplo paradigmático.
Mas os problemas sociais relacionados com as dificuldades crescentes em garantir uma velhice em condições dignas e razoáveis a todos os séniores da população são, também, angustiantes e parecem impossíveis de resolver satisfatoriamente principalmente num mundo em que a Economia domina sobre todas as coisas.
Ao prolongarmos a vida humana estamos a semear alimento para essa irmãs (quase) gémeas; a doença e a pobreza. Será este um preço a pagar por tentarmos contrariar a ordem natural das coisas? Estará Deus chateado connosco por brincarmos a fazer de contas que somos Ele?

terça-feira, outubro 26, 2010

A Portuguesa (página 1)


Eva Nave Silvares venceu outra vez o prémio do Festival de Banda Desenhada da Amadora, escalão B. Tal como no ano passado (ver aqui) a BD da Eva mereceu um olhar especial do júri do concurso. Este post e os 3 anteriores apresentam reproduções de cada uma das pranchas de A Portuguesa. Clicando sobre as imagens consegue-se uma ampliação que permite a leitura do texto e uma visão mais interessante do grafismo desta história. Como sou pai da Eva já não sei o que mais dizer sem parecer que estou a exagerar. Portanto fico-me por uns "parabéns miúda". E tremo um bocadinho por dentro.

A Portuguesa (página 2)

A Portuguesa (página 3)

A Portuguesa (página 4)

Causa ideal


Tenho a sensação que as pessoas preferem causas a ideais.
Um ideal aloja-se-nos no cérebro. Uma causa infecta-nos a alma.
Uma causa é como um incêndio a lavrar em mato seco, alimenta-se de tudo o que pode e quando se apaga restam muito poucos vestígios reconhecíveis. Fica tudo queimado.
Um ideal dá muito mais trabalho a cuidar. É como tentar meter uma floresta num jardim.
Acho que um ideal é mais flores e uma causa é tipo cinzas. Ou se calhar não.

domingo, outubro 24, 2010

Olhos que não vêem, coração que não sente


Surpresa e choque! Perante as revelações de que a tortura de civis no Iraque é uma prática corrente à qual os militares ocidentais fecham os olhos ou nela participam, nós ficamos surpresos e chocados. Pessoalmente isto cheira-me a hipocrisia. Chocado? Não sei se fico. Surpreso?  De forma nenhuma.

Estou a beber uma cervejinha de lata, fresquinha, comi agora mesmo um pimento recheado com queijo fresco, mmmhh, picante e suave, um contraste complementar maravilhoso para as minhas papilas gustativas. Vou lendo as notícias sobre os horrores e desventuras dos meus irmãos humanos lá para as bandas do Iraque. Embora me queira convencer do contrário, cá no fundo estou-me a borrifar para esta história. A distância é demasiado grande e o meu coração já está calejado.

No remanso dos nossos lares, confortáveis nas nossas pantufas, indignamo-nos com a violência em terras longínquas. Sabemos que os nossos soldados por lá andam, metidos em guerras, e estamos à espera de quê? Que eles se comportem como cavalheiros? É absurdo imaginar que um tipo saído dos confins dos Estados Unidos da América, borrado de medo num lugarejo perdido em território iraquiano, com uma metralhadora nas mãos, seja capaz de agir de acordo com normas de conduta que consideramos civilizadas. É como pedir a um homem a morrer de sede que espere calmamente pela sua vez de beber um copo de água.

A guerra só pode ser cruel e violenta. Não há outra hipótese. É como um monstro esfomeado à solta num infantário. Uma vez iniciada só podemos fazer tudo o que for possível para encontrar forma de lhe por um fim. Tenho muita pena. Lamento muito. Mas só isso. Tenho o coração calejado e estou protegido pela distância.

sábado, outubro 23, 2010

Mercado bom é mercado morto!

"O que os mercados estavam à espera era de alguma coisa, de um Orçamento", esclarece João Zorro, "e em qualidade corresponde ao que os mercados esperavam, em particular, relativamente às reduções salariais". (vê aqui, caso tenhas pachorra)

Já estou farto desta merda dos mercados. Que raio de coisa são, os mercados?

Estão sempre nervosos e expectantes, atentos a tudo o que fazemos enquanto estrutura social. Particularmente atentos às variações das políticas económicas, estes mercados sabujos parecem dominar as nossas vidas, mas alguém sabe o que são, como são constituídos, qual o seu aspecto? Têm cornos, os mercados? São peludos ou lisinhos como um rabo de bébé?

Apesar de viverem numa zona de sombra húmida e escondida dos olhares humanos, os mercados esperam coisas, reagem e sussurram ordens aos ouvidos dos economistas, os sacerdotes de serviço. E é por imposição dos mercados que os nossos salários vão ser reduzidos e que a nossa vida parece desenrolar-se numa antecâmara do inferno desde que começaram a ficar com tiques nervosos.

Porra que são susceptíveis à brava, os mercados. Piores que meninas ricas ou putas mal pagas ou polícias bêbados, mal lhes parece que as coisas estão a derrapar para longe dos seus caprichos misteriosos, logo começamos a sentir a sua má disposição. Começam as queixinhas nos noticiários, depois vem a berraria nas bolsas de valores e pronto, estamos feitos num oito!

Se alguém vir um desses mercados, por favor, enfie-lhe imediatamente um pontapé na boca e uma faca entre as costelas. Se ainda estrebuchar enterre mais a faca, até ao cabo, até ao punho, até o filho da puta do mercado deixar de mexer um cabelinho que seja.
Obrigadão.

sexta-feira, outubro 22, 2010

Fado do Desgraçadinho

Se não chegas ao Jornal Nacional (ou lá como se chamam os serviços noticiosos na televisão, sejam lá eles quais forem desde que sejam à hora em que o pessoalzinho está sentado defronte ao cubo mágico), se não chegas a essa coisa, então é muito provável que não existas.

Se, por ordem inversa de acontecimentos (im)prováveis, lá apareces, iupi!, podes começar a pensar na melhor forma de te pareceres com alguma coisa que não seja um miserável elemento dos Homónimos Anónimos. Se o teu corpo físico surgir plasmado no espelho cego dos nossos sonhos é tempo de colocares a questão: Quem sou eu? (quem és tu?)

Melhor será, caso passes a existir por obra e graça dos mass media, que te questiones sobre o que pareces. Então perguntas ao espelho mágico: O que pareço eu? (o que pareces tu?)

Enquanto vegetas do lado de cá do écrã sabes perfeitamente que não existes e, no entanto, estás aqui. Vais preparando a ficção da tua realidade virtual, uma narrativa que te assente como uma luva, uma luva que sirva na perfeição da tua mão direita. Cada dedo um momento grandioso, a palma da tua mão um espírito nobre, o espírito que te anima e joga aos dardos com o teu anjo da guarda, na tasca da tua alma.

Enquanto estás a dormir (e ainda não existes) o teu esprito e o teu anjo, jogando e bebendo canecas da cerveja amarga fabricada com o sentido da tua vida liquefeito, continuas a ser um desgraçadinho. Um desgraçadinho que sonha e sabe que a esperança é a última coisa a morrer. Mas também morre.

domingo, outubro 17, 2010

Medo


O segredo consiste em espalhar o medo.

Medo da crise; medo dos vírus; medo do dentista e medo das alturas. Medo das armas, medo do amor. Medo do futuro, medo do mar, medo do medo. Medo de tudo e medo de nada.

Por fim, o pior de todos os medos que é ter medo de mim.

quarta-feira, outubro 13, 2010

33 Lázaros


Acabo de ver imagens do resgate de um dos 33 mineiros chilenos. São imagens comoventes de um homem que sai do cilindro que o foi buscar à barriga da terra que se preparava para o digerir lentamente.

É o triunfo da tecnologia humana sobre a morte anunciada. Não tão radical quanto a ressurreição de Lázaro narrada na Bíblia, mas suficientemente impressionante para nos deixar a sorrir de boca aberta com os olhos cravados no pequeno écrã do computador.

terça-feira, outubro 12, 2010

O lixo como bela-arte


Mão amiga fez-me chegar à caixa de correio um power-point com imagens de fotografias de um tal Chris Jordan. Procurando no google encontramos o site deste senhor logo à cabeça da página. O "truque" consiste em clicar sobre as imagens e deixá-las vir ao encontro dos nossos olhos até que nos cheguem ao cérebro em condições de serem compreendidas. Não sei se me espante ou nem por isso.
Olhando as fotos de Chris Jordan fico a imaginar o que faria  Marcel Duchamp com todo o tipo de lixo que o mundo actual nos oferece e nas quantidades industriais em que o faz. A sociedade contemporânea é muito mais generosa para com os seus artistas do que épocas pré-consumistas-compulsivas. Jordan que o diga. Que arte iria ele fazer se não fosse toda a porcaria que largamos constantemente sobre o nosso querido planeta?

segunda-feira, outubro 11, 2010

Dia inteiro na gaveta


Quero lembrar o que trago debaixo da pele,  não quero ser esfolado.
Quero saber o que sou sem ter de me esforçar muito além do que é suposto ser, não sendo pago.
Quero ser esperto sendo isso, num gajo como eu, algo muito além do esperado.
Não serei nada, nem ninguém ou coisa alguma.
Não existirei para lá do mar, nem das portas estreitas que lá fora fecham as estrelas.
Esperança, fundo em mim, é tal e qual coisa nenhuma.
E quando a luz sobre a mesa da cozinha, mais do que se lhe pede, brilha, invade-me o ancestral temor que de azuis o mundo todo oculta e enegrece.
Torno-me curtíssima fronteira de mim mesmo.
Hoje é o tal dia em que nada de mau acontece..

domingo, outubro 10, 2010

Ignóbeis


Os prémios Nobel agitam a sociedade industrializada. Os galardoados com o Nobel são pessoas especiais, capazes de descobrir coisas ou realizar feitos muito acima da mediania. Apesar de não fazer a mínima ideia do assunto tratado pela maioria dos prémios Nobel da Física ou da Química, por exemplo, acredito que o resultado dos trabalhos destes artistas da lógica e do pensamento humano são assombrosos e podem contribuir para a evolução da espécie humana.

Já os prémios IgNobel parecem mais acessíveis ao intelecto comum do homem da rua. Para comprovar esta arrojada  tese (da minha exclusiva responsabilidade) basta passar os olhos pela lista dos Prémios Ig Nobel de 1991 até 2009. Este ano os IgNobel revelaram mais uma vez a extraordinária capacidade dos seres humanos para inventar... o que quer que seja! Os IgNobel premeiam sempre investigadores imaginativos que fazem do senso comum uma coisa fora do vulgar.

sábado, outubro 09, 2010

Luxo e merda de cão

No dia 5 de Outubro  fui até Lisboa assistir, ao vivo e a cores, às comemorações do centenário da república. A imagem mais forte que retive não foi a dos "grandes" do regime sentadinhos nas cadeiras ouvindo-se uns aos outros discursando, nem os guardas republicanos alinhados como soldadinhos de chumbo, brinquedos de criançolas traquinas.

O que mais me chamou a atenção foram as dezenas de viaturas topo de gama que ocupavam os estacionamentos ou entupiam as ruas em redor da praça do município. Carrões pretos, grandes, impecavelmente lavados e luzídios com os chauffeurs por perto, numa manifestação de fausto que não se encaixa na realidade precária das actuais contas do estado.

Aqueles carros são  símbolos perfeitos da república portuguesa tal como ela é nos tempos que correm. Aqueles carros dão a imagem de governantes que são servidos muito mais do que servem, são os veículos que os afastam das ruas e das pessoas, transportando-os para níveis de realidade que nós, comuns cidadãos, não conseguimos compreender. Os nossos governantes não pisam o chão que pisamos e vão perdendo a noção da nossa realidade. Eles movem-se num mundo que nos é estranho, onde não há merda de cão nos passeios nem lixo espalhado ao acaso. Vivemos uma situação extrema de incomunicabilidade.

Estão convencidos de que a dignidade dos cargos que ocupam justifica aquela exibição despudorada de riqueza e poder. Estão enganados. A dignidade dos cargos que ocupam justificava outra postura e outra atitude. A sobranceria e falta de escrúpulos dos nossos governantes ainda vãodeitar tudo a perder.

Melhor seria que pisassem merda de cão no passeio e tivessem uma visão mais justa da realidade em que vivemos.

sexta-feira, outubro 08, 2010

Apelo às armas

"PAREDES BRANCAS, POVO MUDO!"
Rua do Arsenal, Lisboa

quinta-feira, outubro 07, 2010

Sonho de fim de dia de trabalho

É em dias como este, quando chego a casa cansado após um dia de trabalho, que sinto verdadeiramente o drama dos que estão desempregados. Mais do que não ter dinheiro imagino o sofrimento atroz de não ter que fazer nem poder sentir-se útil. Nestes dias cresce em mim o desprezo por aqueles que exploram o trabalho alheio. A esses...

terça-feira, outubro 05, 2010

100 anos de República e algumas bananas

O presidente da câmara de Lisboa desbobinava a conversa mole do costume perante uma plateia de notáveis. O parque de estacionamento do Cais do Sodré estava apinhado com carros pretos topo de gama e os respectivos cahuffeurs iam limpando alguns vestígios de pó na pele dos assentos ou cavaqueavam indolentemente nas redondezas.

Eis senão quando os Homens da Luta surgem na Rua do Arsenal vindos da Praça do Município empurrados por agentes da polícia municipal (ver aqui um texto deslavado sore o assunto). A confusão não era muito grande mas o povo tinha ali algo para o despertar da soneira provocada pelos discursos. Gel e Falâncio, acompanhados de mais alguns companheiros de luta, gritavam "Viva a república das bananas!" e o povo parecia compreendê-los muito melhor que ao macarrónico António Costa que continuava a declamar coisas chatas para dentro do microfone.

A coisa durou algum tempo. Perante tantas testemunhas os polícias empurravam os Homens da Luta com a suavidade possível. Atrás deles vinham inúmeros operadores de câmara de diferentes estações de televisão, alguns radialistas e uma mão cheia de fotógrafos. Empunhando bandeiras rematadas por apetitosas bananas os Homens da Luta lá fizeram o seu número até serem colocados a uma distância considerada satisfatória pelos polícias. Quando estes os empurraram com mais força foram vaiados pelos populares que assim demonstravam estar de acordo com a palavra de ordem, principalmente com a parte da "república das bananas". Um republicano mais agastado teve de ser levado dali enquanto berrava e esbracecejava contra os Hokens da Luta chamando-lhes fascistas. O dito republicano não estava a ver bem o filme.

Finalmente, já lá mais para o fim da rua, cantaram-se os "parabéns a você" dedicados à dita república, a das bananas. Os Homens foram embora, os chauffeurs continuaram por ali enquanto os que eles conduzem continuavam a brincar aos macaquinhos, sentados nas cadeiras VIP na Praça do Município, ouvindo os discursos banais de homens mais banais uns do que os outros. Sócrates e Cavaco a baterem-se pelo título do Rei da Banalidade em dia de comemoração da República.

sábado, outubro 02, 2010

Ritual



Ando a ler 2666, de Roberto Bolaño. A expressão "ando a ler" é quase exacta. É um calhamaço de mais de mil páginas que reúne cinco livros num só. É pesado e volumoso o que não facilita o manuseamento da coisa. Impossível de ler de um fôlego, difícil de ler em qualquer lugar. Na cama torce-me os pulsos, sobre uma mesa exige que pelo menos uma das mãos mantenha as páginas em posição de leitura. Todos os dias leio algumas páginas.

É lendo 2666 que tenho começado os meus dias nos últimos tempos. Ao acordar ponho os óculos, recolho aquele bloco de folhas que mais parece um tijolo e faço um café. Sento-me onde calha e cumpro este ritual passageiro de ler as páginas deslumbrantes de Bolaño.

Quando me perguntam sobre o que é ou de que trata o livro constato, com algum embaraço, que não tenho resposta adequada. Na verdade não sei sobre o que é ou do que trata este livro imenso. Sei apenas que é literatura e descubro com um certo espanto que um livro pode ser "apenas" isso: literatura.

Um dia destes chegarei ao fim da longa viagem através de 2666.  Já tenho outro livro em lista de espera; Expiação do meu muito admirado Ian McEwan mas sei que regressarei a Bolaño. É absolutamente necessário regressar a Bolaño.

sexta-feira, outubro 01, 2010

O mundo de cada um é os olhos que tem


Inaugura amanhã, Sábado, dia 2 de Outubro pelas 18 horas, a exposição de Desenho (mais desenho que outra coisa) de Luís Miranda e Rui Silvares, patente ao público na Galeria da Biblioteca Municipal de Palmela até 30 do mesmo mês.
A exposição tem por título genérico "O mundo de cada um é os olhos que tem", frase retirada do incomparável Memorial do Convento. O título foi escolhido não só porque a frase é genial e resume de forma eficaz uma certa perspectiva do fenómeno global da arte contemporânea, mas também porque acaba por constituir uma pequena homenagem ao falecido José Saramago.

Todos os que estão a ler este post podem considerar-se convidados.
Até amanhã.


Biblioteca Municipal de Palmela
Largo de São João
2950-204 Palmela
Tel.: 212 336 632
Fax: 212 336 633

Horário:
3.ª feira - 10h30 às 21h00
4.ª feira e Sábado - 14h00 às 19h00
5.ª e 6.ª feira - 10h30 às 19h00

Encerra aos domingos, 2.ªfeiras, 4.ª feiras no período da manhã e feriados.

segunda-feira, setembro 27, 2010

Saudade da ignorância


Um homem vai entrando a (mais) velho e a sabedoria cola-se a ele como chiclete na sola do sapato. É coisa suja, peganhenta e nem sempre desejada. Parece que faz parte do pacote, quer queiramos quer não ela está ali para nos acompanhar o resto dos nossos dias.

Pode parecer presunção da minha parte (provavelmente é isso mesmo) mas a verdade é que a sabedoria que a idade nos oferece sem que lha tenhamos pedido é daquelas coisas que incomodam mais do que confortam. Isto por ser oferecida, assim mesmo, sem pedido nem nada que justifique tanta simpatia da vida que vivemos e que vai cumulando a nossa existência de certas mordomias algo duvidosas.

Há quem diga que esta sabedoria grátis é coisa de puta velha, afirmação que me parece ofensiva para as putas, principalmente se forem velhas, pois imagino que a sabedoria por elas acumulada seja de natureza bem diversa e, de longe, mais custosa de acumular.

Mas de que é feita esta sabedoria? É feita de perceber quando devemos calar a boca mesmo que nos apeteça rebentar em gritaria. Tem a ver com a capacidade de ler o rosto dos outros como se fosse um livro infantil, feito de frases simples e tão curtas que as podemos ler de olhos quase fechados. É feita de voltarmos a encontrar uma situação que já vivemos mesmo que venha mascarada de coisa nova. Enfim, chamamos sabedoria à experiência, o que estaria correcto se a vida fosse uma ciência e o método científico se pudesse aplicar aos jogos do amor ou às guerrilhas constantes dos ódios de estimação.
Há dias em que sinto saudades da ignorância e me faz falta a imbecilidade própria da maravilhosa ingenuidade. Como disse Picasso "aprender não foi difícil, difícil foi desaprender [a desenhar]" (citação algo livre). Se Deus quisesse, gostava de desaprender a viver. Para voltar a sentir coisas boas que já esqueci como eram.

sábado, setembro 25, 2010

Imaginar mais (ler após o post anterior)


Por muito sofisticados que sejamos, muito avant-la-lettre, cool ou vanguardistas que nos imaginemos, quando plantados no jardim suspenso de uma galeria de arte ou na estufa fria de um museu, perante um objecto em exposição, o que queremos é entrar nele e, para que tal aconteça, precisamos de comunicar.

O mesmo acontece com aqueles de entre nós que são botas-de-elástico, ou brutos, ou pouco letrados. O problema é semelhante, as formas de o equacionar ou de lhe dar resposta é que variam. Muito ligeiramente.

Esse problema que se nos coloca é: como comunicar com um objecto inanimado? Como estabelecer contacto com uma coisa que não respira como nós respiramos, que não tem sede nem fome como nós temos? Uma coisa que é pouco mais do que isso mesmo, uma coisa, mas à qual reconhecemos capacidade comunicativa, apesar da sua aparente inércia física?

Há objectos que contam uma história à boa velha maneira dos clássicos. Uma história conhecida de um grande número de seres humanos (a vida de Cristo, o Pinóquio...) numa sequência com princípio, meio e fim, que se lâ da esquerda para a direita, de cima para baixo, como quem lê um texto. A postura do observador é quase passiva.

Outros objectos surgem um pouco mais complicados. A sequência de leitura é a mesma mas a narrativa não é tão evidente, ficamos a matutar em que raio de história é aquela! Seguimos a ordem de leitura mas somos obrigados a voltar atrás, a tentar leituras diferentes, de baixo para cima e de trás para a frente. Acabamos a inventar um sentido para o bjecto, mais do que a descortinar o seu eventual significado oculto. O observador toma uma postura activa.

Finalmente há aqueles objectos que escapam por completo aos cânones de comunicação estabelecidos e nos deixam às voltas, como ratos de laboratório num labirinto complicado. Não percebemos mas podemos tentar explicar o que o objecto nos sugere. Não fazemos ideia do que passou pela cabeça ao criador da coisa mas somos capazes de imaginar mais do que a impossibilidade de compreender. Somos capazes de falsificar sinceramente e com verdade uma quase-mentira que se nos forma no espírito.
O observador completa o objecto, recriando o seu significado.

Nunca me canso de reflectir sobre esta categoria fenomenológica e sei que ando em círculos. Mas sinto que o raio do círculo é cada vez menor e me aproximo gradualmente do centro. Quando lá chegar (ao dito centro) pode não acontecer nada. O mais certo é vir a perceber que me encontro num outro círculo, ainda mais amplo e ver-me obrigado a recomeçar. É a vida.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Imaginar


Zeuxis é considerado um dos maiores pintores de todos os tempos mas essa fama é baseada na leitura de textos escritos por quem teve oportunidade de ver trabalhos seus já que, desde há séculos e séculos, não existem obras deste artista grego que possam ser admiradas.

Relatos antigos garantem que Zeuxis enganou um casal de passarinhos com a sua pintura de um cacho de uvas mas terá sido ludibriado por um outro extraordinário pintor, Parraso de seu nome, tão invisível aos olhos da eternidade quanto ele. (ver aqui a narração da anedota de Zeuxis e Parraso).

É notável que a palavra escrita tenha conseguido imortalizar as qualidades de um artista plástico, contradizendo o ditado que nos garante que "uma imagem vale mais que mil palavras". Se tivermos em linha de conta que este ditado é oriental (penso que de origem chinesa) encontramos aqui uma distância considerável entre o pensamento asiático e o europeu.

Isto vem a propósito da constatação de um facto: quanto mais abstracta é uma obra de arte, mais profíquo é o discurso gerado para a descrever e classificar. Perante a estranheza de uma pintura como "quadrado preto sobre fundo branco" do suprematista russo Malevitch, até os leigos têm um monte de palavras a dizer e são capazes de arquitectar discursos elaborados nos quais manifestam as suas opiniões. Os mesmíssimos leigos, perante, por exemplo, uma pintura de Van Eyck, esquivam-se a manifestar uma opinião, por mínima que seja.

Verifico este fenómeno quando dou aulas sobre pintura onde os leigos são os meus alunos. Quanto maior a ausência de narrativa na tela, maior a capacidade de gerar discurso entre a plateia. Como se a simplicidade uma imagem seja capaz de gerar palavras de uma enorme complexidade.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Recuerdos


Banksy em Exit Trough The Gift Shop, o anonimato mantém-se

Um tipo muita porreiro fez-me chegar às mãos o filme de Banksy, "Exit Trough The Gift Shop". Trata-se de um objecto muuuuiiiito interessante sob diferentes aspectos. Várias coisas me impressionaram mas o que acabou por se sobrepor após a 1ª visualização (ainda não fiz a segunda) foi uma certa perspectiva sobre a forma como surge no espaço planetário um artista contemporâneo e os mecanismos de validação da sua obra.

O filme é um documento espectacular e não lhe faltam reviravoltas inesperadas, personagens carismáticas, traição, inveja e sucesso inesperado. Conta-nos a história de Thierry Guetta, ou Mister Brain Wash, uma autêntica Cinderela da street art, de quem Banksy acaba por ser, inadvertidamente, a fada madrinha, a fada boazinha, a fada capaz de transformar uma abóbora em coche de princesa com princesa lá dentro e tudo.

Mas o filme tem mais do que isso, muito mais. Quem quiser vê-lo terá de o procurar. Se for até ao Carapau Staline é bem possível que se safe graças ao tal Tipo Muita Porreiro.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Matinal


Hoje, quando acordei, dei por mim a pensar que o meu maior receio é deixar de ter receio. Pareceu-me estranho e tentei vasculhar no sono que deixara na almofada a razão deste pensamento mas, nada.
Aquilo ficou-me suspenso na cabeça como o piar de um passarito e percebi que o Receio da minha manhã era como um filhinho dócil do Medo e da Esperança, aquele (ou aquilo) que impede o mundo de adormecer definitivamente no seu leito de morte. Isto não me confortou mas esteve longe de me inquietar. O dia decorre normalmente.