sábado, setembro 25, 2010

Imaginar mais (ler após o post anterior)


Por muito sofisticados que sejamos, muito avant-la-lettre, cool ou vanguardistas que nos imaginemos, quando plantados no jardim suspenso de uma galeria de arte ou na estufa fria de um museu, perante um objecto em exposição, o que queremos é entrar nele e, para que tal aconteça, precisamos de comunicar.

O mesmo acontece com aqueles de entre nós que são botas-de-elástico, ou brutos, ou pouco letrados. O problema é semelhante, as formas de o equacionar ou de lhe dar resposta é que variam. Muito ligeiramente.

Esse problema que se nos coloca é: como comunicar com um objecto inanimado? Como estabelecer contacto com uma coisa que não respira como nós respiramos, que não tem sede nem fome como nós temos? Uma coisa que é pouco mais do que isso mesmo, uma coisa, mas à qual reconhecemos capacidade comunicativa, apesar da sua aparente inércia física?

Há objectos que contam uma história à boa velha maneira dos clássicos. Uma história conhecida de um grande número de seres humanos (a vida de Cristo, o Pinóquio...) numa sequência com princípio, meio e fim, que se lâ da esquerda para a direita, de cima para baixo, como quem lê um texto. A postura do observador é quase passiva.

Outros objectos surgem um pouco mais complicados. A sequência de leitura é a mesma mas a narrativa não é tão evidente, ficamos a matutar em que raio de história é aquela! Seguimos a ordem de leitura mas somos obrigados a voltar atrás, a tentar leituras diferentes, de baixo para cima e de trás para a frente. Acabamos a inventar um sentido para o bjecto, mais do que a descortinar o seu eventual significado oculto. O observador toma uma postura activa.

Finalmente há aqueles objectos que escapam por completo aos cânones de comunicação estabelecidos e nos deixam às voltas, como ratos de laboratório num labirinto complicado. Não percebemos mas podemos tentar explicar o que o objecto nos sugere. Não fazemos ideia do que passou pela cabeça ao criador da coisa mas somos capazes de imaginar mais do que a impossibilidade de compreender. Somos capazes de falsificar sinceramente e com verdade uma quase-mentira que se nos forma no espírito.
O observador completa o objecto, recriando o seu significado.

Nunca me canso de reflectir sobre esta categoria fenomenológica e sei que ando em círculos. Mas sinto que o raio do círculo é cada vez menor e me aproximo gradualmente do centro. Quando lá chegar (ao dito centro) pode não acontecer nada. O mais certo é vir a perceber que me encontro num outro círculo, ainda mais amplo e ver-me obrigado a recomeçar. É a vida.

4 comentários:

Anónimo disse...

Muito filosófico!

Silvares disse...

Li há uns dias que a arte é filosofia (e talvez o contrário também faça sentido).

Claire-Françoise Fressynet disse...

Alô Silvares leste “rhizome do Deleuze”! (não sei se esta traduzido)

Silvares disse...

As minhas leituras não vão tão longe, nem tão profundo. Estas coisas saltam-me à vista quando desenho ou pinto ou quando preparo uma aula ou, melhor ainda, quando troco algumas ideias com os meus jovens alunos. É algo mais instintivo.