quinta-feira, julho 30, 2009
Um texto e um pretexto
Como funciona a hibridização anárquica
Começando pelo princípio.
Um cartãozinho tamanho A3 (as costas de um bloco). Um tubo de cola UHU (tenho sempre vários espalhados pelo ateliê) e jornais e revistas e outros restos. Um CD a tocar na aparelhagem (Beatles, Sargent Peppers Lonely Heart Club Band, neste caso) e uma cerveja fresca. Está bastante calor e estou com pressa de acabar pois quero ir ver um jogo de futebol na TV a menos de uma hora de distância. A camara fotográfica tem as pilhas a darem o berro. Como se pode ver nao há muita luz. Colo um rasgão da capa do ùltimo Ypsílon, com as mãos da Agnés Varda, um CD (oferecido com o Público) com 3 temas execráveis dos Taxi e um recorte que sobrou de outra colagem de uma coroa de uma virgem de um ícone ortodoxo de um artista ucraniano que teve uma exposição no Fórum Romeu Correia aqui há uns meses atrás. Tudo isto e tubos de tintas, uma garrafinha de tinta-da-Índia uma lata com tinta de pintar paredes bastante sêca... enfim, os materiais habituais. Colo as coisas (podiam ser outras). Lucy in the sky with diamonds (o som podia ser diferente), sei lá que mais. É tudo, aparentemente aleatório.
A dsiposição das formas sobre o fundo configura, de imediato, uma espécie de corpo. Os meus trabalhos representam sempre seres humanos ou, pelo menos, coisas parecidas. Começo por desenhar algo parecido com um anjo. Tem asas e o CD ganha a posição de um astro no céu. Os dedos enrugados da realizadora francesa já são pernas.O canto inferior esquerdo parece-me desoladoramente vazio. Três ou quatro toques de pincel generosamente mergulhado em tinta-da-Índia (podia e devia ser da China mas o rótulo é que manda)fazem surgir ali uma nova personagem. Tem o aspecto de um animal embora eu pensasse que seria uma criança. Apercebo-me que criança é a outra personagem. Deixo de a imaginar como uma santa ou uma Virgem e passo a olhá-la como uma princesinha. As asas fazem, agora, pouco sentido. Colo, na esquerda alta, o resto de um outro desenho que andava para aí esquecido.
A princesinha está demasiado semelhante ao bicharoco. Isso desagrada-me. No jornal aberto no chão está a cara de uma cantora qualquer em pose de artista. Olhos semicerrados, queixo empinado. Rasgo-a e colo-a. Não é por nada em especial que escolho esta cara. Apenas porque estava ali, disponível. Mais umas pinceladas e ganha uma expressão de algum alheamento. O que se passa nesta cena? Começo a pensar nisso com maior intensidade.
A tinta branca está muito espessa. Isso agrada-me. Tenho a possibilidade de cobrir a superfície com uma tinta satisfatóriamente opaca. Auilo que eram asas afinal é uma corda de saltar. A princesinha está a divertir-se saltando à corda. Isso é bom. É bonito. Tem leveza.
Até aqui, não sei porquê, tenho insistido numas orelhas enormes. Estarei a pensar numa Princesa com Orelhas-de-Burro? Não me lembro bem da história e resolvo tirar-lhe as orelhas. Há um buraco no peito da menina. Folheio uma revista da CAIS (costumo comprá-la todos s meses) e encontro uma foto de uma senhora operária numa fábrica (imagino) de conservas. Rasgo um pedaço com um amontoado de peixes. tem a cor e o tom certos para a composição.
O bicho (que bicho é aquele?) continua com uma cara inexpressiva. Rasgo a imagem de um gajo qualquer a coçar a orelha. É um gesto que fica bem a um animal doméstico. Colo.
Os Beatles já estão numa desbunda complicada (aquele álbum é estranheco!). Passaram aí uns 25-30 minutos desde que comecei a juntar formas e significados sobre o cartão. O jogo vai começar não tarda. Vou acabar. O animal está a cagar. A princesinha levou o bicho à rua para defecar. Deve ser isso. Pronto. Está pronto. Acabado. Falta um título e falta perceber o significado daquilo.
Isto é hibridização anárquica, é canibalismo cósmico. Amanhã explico melhor. Se for capaz.
quarta-feira, julho 29, 2009
O círculo enquadrado
terça-feira, julho 28, 2009
Nada (como no mar)
segunda-feira, julho 27, 2009
Cabeça cheia de vazio
sexta-feira, julho 24, 2009
Post coelhinho
quinta-feira, julho 23, 2009
Post macaco
quarta-feira, julho 22, 2009
A merda e arte (ou a arte e a merda)
segunda-feira, julho 20, 2009
Parece que me lembro de qualquer coisa
domingo, julho 19, 2009
De Nova Iorque a Lisboa com um estranho Deus por companhia
quarta-feira, julho 15, 2009
Não me apetece falar mais de Nova Iorque (tertúlia final)
sexta-feira, julho 10, 2009
Nova Iorque - Parte 4.1 (As festas)
quinta-feira, julho 09, 2009
Nova Iorque - parte 4 (Uma provocação)
Até que ponto a arte e os artistas contemporâneos são meros produtos de consumo para as massas? E os velhos mestres? Começo a pensar que a forma como os grandes museus estão "equipados" se baseia em amontoar nomes, independentemente da qualidade das obras.
Em Nova Iorque é até um pouco ridículo verificar que todos se esforçam por terem expostos um Pollock, um Rothko, um Franz Kline, um Jasper Jones e um De Kooniguezinho, como se isso fosse, por si só, garantia de publicidade positiva. Mas, o Turista Cultural atento e menos avisado, poderá até pensar que está a ver as mesmas obras em espaços diferentes.
No museu Guggenheim (um hino de espectacular e estranha harmonia à arte arquitectónica) havia um amontoado de pessoas defronte a uma tela de Van Gogh. Mas tratava-se de um fraco Van Gogh. Os espectadores estavam muito próximos uns dos outros, em poses mais ou menos bizarras, fixados na imagem como se dela esperassem retirar alguma magia.
Fiquei a pensar que todos eles (aqui eu já estava de fora, a olhar as pessoas) esperavam ansiosamente sentir alguma coisa. Estavam assim, hirtos como uma Vénus de Milo, na expectativa de que o contacto com uma obra de um dos maiores pintores da História da Arte lhes proporcionasse uma sensação extraordinária. Olhando as suas expressões pareceu-me ver apenas estupefacção, talvez, por não sentirem nada de especial. Seria isso possível? Penso que sim. Um nome não representa nada. O que poderá representar alguma coisa é a obra em si e aquela tela de Van Gogh é, apenas, um exercício de pintura, uma experiência entre duas obras-primas.
Para o consumidor de arte as telas são todas mais ou menos a mesma coisa. O que importa, acima de tudo, é o nome na assinatura. O nome vale pelo resto. Vale pela nossa falta de conhecimento, pela ausência de sensibilidade e, acima de tudo, é o nome que nos impede de classificar adequadamente tantas e tantas obras expostas nos grandes museus por esse mundo fora. No Guggenheim há um conjunto de telas de Cézanne simplesmente assustadoras de tão cruas no trato pictórico. Mas, tal como perante o Van Gogh atrás citado, os espectadores consomem-se tentando explicar a si próprios no silêncio interior que os apoquenta porque razão aquilo lhes parece pouco mais que uma valente merda, apesar do nome no canto inferior direito. E ali ficam(os), especados, como árvores tristes numa floresta queimada.