domingo, dezembro 21, 2025

Perguntas

     Tenho a impressão que já anteriormente escrevi o que vou agora escrever: os textos deste blogue são como mensagens deitadas ao mar em garrafas à espera que as encontres e tenhas curiosidade de ler o que vai lá dentro. Ok, mas qual o interesse que poderás ter em semelhante leitura e qual o meu objectivo em pretender esperançadamente que o faças? Há perguntas que mais vale não colocar.  

    Com os meus desenhos e pinturas passa-se mais ou menos a mesma coisa ou, pelo menos, algo muito semelhante. Vou produzindo obras a um ritmo elevado se bem que não a um ritmo constante. Serão dezenas por anos (chegarei à centena, ultrapasso esse número?). Em 99% dos casos trabalho sobre papel pois não tenho atelier ou armazém que suporte tanta produção noutro tipo de superfície. Pinto, desenho e... vai para o monte, para a pasta, é tudo devidamente organizado e arrumado ficando ali, em suspensão, à espera, como animal selvagem escondido na selva. Para quê? Porquê? Há perguntas que são escusadas.

    Uma página no Facebook e outro blogue acabam por servir de repositórios para grande parte das coisas que vou produzindo. Escrevo, desenho, pinto, vou deixando os resultados por aí como o Polegarzinho deixou um rasto de migalhas no chão da floresta para não perder a noção do caminho para casa. Haverá pássaros que devorem os meus sinais e me façam, um dia, perder por completo? Há perguntas simplesmente estúpidas.

    Enfim... acho que vou começar uma nova pintura e não vou colocar qualquer questão sobre este impulso. 

quarta-feira, dezembro 17, 2025

Gostar ou não gostar

     Gostava muito de ser capaz de organizar ideias suficientes que me permitissem trabalhar o mesmo texto ao longo de dias, semanas, meses, anos, quem sabe? Gostava muito de ser um escritor capaz de ir além de meia-dúzia de linhas emaranhadas em ideias confusas. Quem sabe?

    Por vezes uma ideia aparece-me de repente, assim como imagino que o anjo tenha aparecido à Virgem, puf! Materializa-se uma coisa que no milésimo de segundo anterior era como se não existisse. Ainda eu não pude percebê-la, ainda o pó provocado pela materialização não assentou, e já a ideia referida se escapule por entre as pernas das mesas e das cadeiras, deslocando-se rente ao chão com uma velocidade que, embora me deixe seguir a forma não me permite vislumbrar muito mais do que um vulto. O coelho da Alice? O Beep-beep? O Alien bebé do 8º passageiro?

    Gostava muito de conseguir focar a minha atenção por mais de 5 minutos e 5 linhas quando tento explanar algo ou alguma coisa através da escrita. Gostava de não me comportar como uma criança numa loja de brinquedos imaginários... não gostava nada.

domingo, dezembro 14, 2025

Os merceeiros do Apocalipse

     Empolgados no segredo dos seus sonhos pelo mito do Paraíso descrito nos livros sagrados, alguns dos nossos antepassados recentes, sobreviventes dos horrores da Segunda Guerra, quiseram construir o Jardim aqui na Terra. Foi assim que começou a construção daquilo a que hoje chamamos União Europeia.

    A sensação de justiça e segurança social atrai para este sonho gentes de todas as latitudes. Eles vêm de países ricos, de países pobres, de países assim-assim, seduzidos pelo sonho cristão quase tornado realidade. Milhões de não-cristãos, convertidos ao ideal das Escrituras sem disso se darem conta. Apesar de continuarem a frequentar as suas mesquitas e sinagogas, os cativados imigrantes vão-se transformando numa outra coisa. De tal modo que os filhos dos seus netos não terão memória de quem foram.

    Eis que o terrível mito do anti-Cristo vai ganhando corpo mas, inesperadamente, não é um ser terrível, não são 4 cavaleiros, são merceeiros do Apocalipse, comandados por um tonto imbecil. Um velho gordo e narcisista, com um penteado impossível para disfarçar a careca, como se a estupidez e a ganância pudessem esconder-se numa caverna sustentada a laca.

    Compreendemos agora como as narrativas épicas do passado e a grandeza dos heróis que erigiram este mundo pode ter sido exagerada e orientada pelos próprios. Na verdade, sempre tivemos o destino traçado apesar de isso ser uma impossibilidade cósmica.

     

sexta-feira, dezembro 12, 2025

Permanecente

     Sinto a tentação de me fechar ao mundo como se fosse uma espécie de berbigão monstruoso. Fechar-me, vedar a frincha com indiferença pegajosa e deixar-me estar, isolado, a olhar o escuro com os olhos abertos como se estivessem fechados. Ficar assim, muito quieto, sem nada para fazer, sem fazer nada.     

    Na escuridão absoluta em que agora me encontro tento reflectir sobre quem sou, o que faço aqui, de onde venho, para onde vou, essas coisas básicas sem as quais dificilmente somos alguém ou, sequer, alguma coisa. Mas no escuro nada se reflecte, tudo é a mais profunda sombra. No escuro dificilmente sou.

    Começo a arrepender-me de ter desejado tal enormidade. Decido não ceder à tentação. Continuo aqui, a luz do sol a derramar-se sobre a minha alma; exposto à merda e à mentira, tento equilibrar o corpo sobre as pernas, tento manter alguma dignidade humana. Continuo aqui, a ser o que consigo ser ainda que não saiba bem o que isso é. Permaneço, apesar de tudo, permaneço.

segunda-feira, dezembro 08, 2025

Loucura e culpa (2)

     Leio entrevistas, ouço doutores a reflectir sobre a questão e mais comentadores do que os necessários tentando encher minutos de programação com palratório incessante sobre as razões que estão na origem deste movimento aparentemente imparável que é o que vem corroendo e destruindo a Democracia e o Estado Social na Europa. Citam-se autores, académicos, estudiosos, analisam-se tabelas, folhas de excel e sondagens, reflecte-se muito longamente para produzir informação que, caso pudesse ser colocada numa balança, decerto corresponderia a muitas toneladas de coisa nenhuma.

    Fala-se, fala-se, fala-se e os nazi/fascistas avançam inexoravelmente, conquistando as mentes dos jovens, um mistério inexplicável que talvez tenha explicação. É que os analistas ou são demasiado eruditos e não conhecem a baixa cultura popular, a versão actualizada da Pop Art, ou são demasiado burros e centrados em si próprios, o que os torna incapazes de verem o que está ali mesmo à frente das respectivas nariguetas. 

(continua mais uma ou duas vezes, talvez três) 

sábado, dezembro 06, 2025

Sinopse revelada

    O Último Reich


    O Último Reich resulta de uma adaptação de Terror e Miséria no III Reich, a peça de Bertolt Brecht, que levamos à cena em 2026, setenta anos após a morte do dramaturgo alemão. A estrutura da nossa adaptação é semelhante à do texto integral: uma sequência de cenas e situações independentes umas das outras que têm como pano de fundo um contexto unificador.      

    Reflectimos sobre a banalidade do mal, sobre nações e impérios que assentam alicerces nas vidas de pessoas comuns, sobre formas de sobreviver à estupidez e manter a sanidade, sobre coisas insignificantes que ganham contornos improváveis, o Efeito Borboleta a soprar nos ventos da História. 
 

    Rui Silvares 
    Almada, 4 de Dezembro de 2025

quinta-feira, dezembro 04, 2025

À procura da sinopse escondida

    Reflecte-se sobre o facto de a História não ser inevitável, sobre o facto de o Destino ser um mito, sobre não existir nenhuma pele humana sobre a qual uma qualquer Entidade tenha escrito a sangue a narração das vidas de cada indivíduo que calca o planeta. 

    Reflecte-se sobre o princípio de que as coisas acontecem como resultado de acções humanas que podem orientar-se neste ou naquele sentido, conforme as vontades, individuais ou congregadas, dos que constroem as grandes narrativas que servem de guias à nossa sociedade. Deus não tem nada a ver com isto.

    Reflecte-se sobre a ideia de que as grandes nações e os impérios poderosos assentam os seus alicerces sobre a força e o ímpeto de pessoas comuns. As coisas mais insignificantes podem ganhar contornos improváveis, é o Efeito Borboleta. Assim, uma nação obscura e em dificuldades pode renascer e transformar-se numa força avassaladora até que começa a perder a força do impulso inicial, abranda e, por fim, pára ao descobrir que os sonhos de glória acabam todos exactamente da mesma forma.

 

quarta-feira, dezembro 03, 2025

Loucura e culpa

     A culpa é dos políticos, dos partidos políticos, das suas políticas, dos jornalistas e do jornalismo, principalmente das redes sociais. A culpa é, sobretudo, das redes sociais e da maneira como a informação surge e se move nas redes sociais: no Tique Taque, no Instagram, no Facebook e por aí fora, todos canais possuídos por tenebrosos capitalistas, verdadeiros vampiros, autênticas personagens de Banda Desenhada, da categoria dos génios loucos ou dos simplesmente loucos, daqueles que, caso fossem pobres, seriam internados numa instituição qualquer e por lá esquecidos ou andariam a pedir esmola nas estações de metro e a comer ratazanas ao pequeno-almoço, génios com aquela loucura que os faz imaginarem-se capazes de dominar o mundo.

    A culpa da imparável ascensão de ideologias que repugnam pessoas da minha idade não é culpa fácil de atribuir. Aponta-se a Educação ou a falta dela, a aparente falência do sistema democrático, a incapacidade de distribuir a riqueza, a solidão de indivíduos que se fecham em suas casas e se vão transformando num híbrido, parte humano, parte vegetal, que vai perdendo a capacidade de sentir empatia, essa coisa já declarada horrível por Elon Musk, esse ser vivente que respira e tem a mioleira mais frita que uma batata belga. A culpa, desta vez, não pode ser atribuída ao macaco.

(continua)