sábado, julho 20, 2024

Uma igreja na floresta

     Era uma vez um Pato casado com um Gato, juntos tiveram um filho a quem chamaram Cão. Viviam junto ao mar, numa floresta de árvores azuladas atapetada de estranhas flores. Viviam felizes a ladrar, a miar, a grasnar, a floresta ecoava alegria e boa disposição, o mar trazia nas ondas coisas agradáveis.

    Um dia o Cão conheceu o Tubarão e ficaram amigos. De quem eles não gostavam era do Pinguim, não simpatizavam com ele nem um bocadinho. Apesar de todos os esforços que fazia para soar bem educado, o Cão e o Tubarão achavam que o Pinguim era um convencido de merda por andar sempre de fraque; fizesse frio ou calor, nunca tirava a fatiota de cerimónia. Palonço!

    Fosse como fosse, tudo corria bem na floresta: vida fácil, alimento abundante, sol ou sombra, secura ou humidade, tudo consoante as necessidades de cada um e ninguém metia o nariz onde não era chamado. Um paraíso. Até que um dia Deus reparou na floresta e lembrou-se que a tinha esquecido. Como é apanágio de um Ser tão perfeito e completo, decidiu agir visto que tinha ideias muito específicas sobre o que era bom e o que era mau e, ao contrário dos habitantes da floresta, Deus não se estava a cagar.

    O Pato, o Gato, o Cão e o Tubarão não percebiam nada do que Deus lhes impunha. O Pinguim percebia mais ou menos. Farto de tentar explicar-se e não ter sucesso, Deus nomeou o Pinguim como seu sacerdote e incumbiu-o de zelar pela ordem e desenvolvimento das coisas divinas na circunscrição daquela floresta (onde nunca nada havia faltado). Nem alimento, nem comodidade, nem boa disposição. Ali o que mais faltava era tristeza, era violência ou falsidade absoluta.

    Deus nomeou o Pinguim seu sacerdote e lá foi, regular as vidas de outros animais, noutras florestas. A floresta de árvores azuis ganhou uma igreja que era coisa que nunca antes ali existira e da qual nunca ninguém tinha sentido falta nenhuma. Nem Deus.

    A partir daquela aquisição supérflua, a influência do Pinguim cresceu de tal maneira que o Gato, o Pato e o Cão, seu filho, fartos de tanta regra, tanta admoestação e castigos imbecis, se mudaram para perto da fronteira com o deserto. O Tubarão foi perseguir focas para outras paragens. O Pinguim inchou, inchou e ficou tão gordo que deixou de pôr uma pata que fosse fora da igreja. Mas isso já é uma outra história. A Girafa que a conte.

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