segunda-feira, janeiro 16, 2023

Querer

     Queria ser um génio, ser magnífico, incontestável e reconhecido pelos olhos dos que olham a sublime grandeza. Queria partilhar a Luz com os semi-deuses, saltitar na escadaria do Olimpo como criança que brinca defronte à catedral no final de uma manhã de Domingo (o Padre ainda lá dentro a passar a mão pelo lombo das matronas com os pescoços enrolados em peles de bicheza morta). Queria sei lá o quê! Queria tudo, queria poder tudo, poder salvar a vida dos que morrem para não me morrer (também) o meu pai. Queria não sentir saudade, não chorar quando recordo, queria ser meio de pau, como o Pinóquio. Eu que tento não mentir a comparar-me com o Pinóquio... se me crescesse o nariz a cada mentira não havia de ser maior que um lápis de grafite, digo eu; mas eu sei lá o que é mentir ou a mentira! Queria compreender que raio de merda é a vida e que raio de merda fazer com ela. Queria tanta coisa que sei ser impossível que não terei nunca o descanso desejado (queria também descansar como se fosse um penedo). No fim e no limite o que eu queria realmente era não querer absolutamente nada.

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