A fachada estava repleta daqueles caixotes de ar condicionado. Trepavam rumo ao telhado evitando as janelas num estranho bailado estático, todo feito de rectângulos e paralelepípedos, excrescências, saliências e reentrâncias, uma coisa deveras feia de ser vista. Sentado na sua cadeira, voltado para a janela, não tinha maneira de evitar a fachada do prédio em frente a menos que fechasse os olhos, gesto inconveniente na sua actividade de assalariado numa empresa de segurança. Olhos abertos, sinal de profissionalismo.
Sobre a mesa restavam apenas os seus braços, as suas mãos e o tédio profundo que confundia diariamente com tristeza. As pessoas entravam e saíam sem dar por ele. Se fosse uma estátua produziria, decerto, um efeito semelhante sobre aquela gente apressada e distraída. Ele estava ali mas era como se não existisse.
O tempo passou, passou e voltou a passar. Nunca acontecia nada digno de nota. Os caixotes continuavam a trepar a fachada agora mais suja, como peças de um Jogo da Glória, as pessoas passavam-lhe à frente como fantasmas, como sombras, como imagens projectadas. Sentiu-se como uma alegoria da Alegoria da Caverna. Até que se convenceu de que não existia.
Deixou de trabalhar, não há registo dele no Desemprego, o quarto que habitava está para arrendar.
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